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'Após perder meu filho, o Setembro Amarelo para mim é diário'

O filho caçula da psicóloga Ophelia Contreiras cometeu suicídio após assassinato do irmão - Arquivo pessoal
O filho caçula da psicóloga Ophelia Contreiras cometeu suicídio após assassinato do irmão Imagem: Arquivo pessoal

Ophelia Contreiras, em depoimento a Luiza Souto

De Universa, do Rio de Janeiro

01/09/2022 15h11

Há oito anos o país intensifica campanhas de prevenção ao suicídio neste mês, conhecido como Setembro Amarelo, promovido pela Associação Brasileira de Psiquiatria com o Conselho Federal de Medicina. Em 2022, o mote da campanha é "A vida é a melhor escolha".

Foi o que a psicóloga Ophelia Contreiras fez após o assassinato do filho mais velho e o suicídio do caçula em decorrência dessa tragédia. A moradora de São Paulo, de 54 anos, escolheu viver pelos dois e hoje ajuda mães e jovens com problemas de depressão e ideações suicidas. Leia o relato de Ophelia a seguir:

'Meu filho dizia que não aguentava mais e eu sentia a dor'

"Fui casada por 17 anos e meus filhos tinham 23 e 15 anos quando o pai deles foi embora. Meu mais novo, o Lucas, nunca mais foi o mesmo, porque de repente ele viu seu herói dando as costas.

O mais velho, o Heitor meio que assumiu esse lugar e os dois ficaram ainda mais grudados. Eles se amavam muito.

O Heitor vivia intensamente, como se soubesse que seu tempo era curto. Até ele ser assassinado, com 27 anos, por um amigo que comia e bebia na minha casa.

Meu filho emprestou sua moto para esse amigo, e ele sofreu uma batida. Meu pai então foi com o Heitor na casa desse amigo para eles discutirem o conserto e os dois brigaram. Na hora da confusão, meu filho xingou a irmã desse cara. E quando já estava indo embora, esse amigo deu um tiro na sua nuca. O Heitor ainda ficou ali lutando pela vida, com meu pai assistindo a tudo.

Esse homem foi preso e não sei mais nada dele. Para mim, ele não existe.

Crime deixou mais novo com depressão

Depois disso o Lucas entrou em depressão, mas eu não tinha condições de pagar R$ 250 por uma consulta com psiquiatra, que era o que custava na época, há quatro anos. Cadastrei ele para sessão de terapia no serviço público, mas nunca foi chamado.

O Lucas começou a ficar trancado no quarto. Não tomava mais banho, não se cuidava. Aquele menino lindo não tinha mais vaidade. Tinha dias que ele acordava cheio de planos, dizia que ia mudar a vida. Mas no outro já não era mais a mesma pessoa. Aquele brilho sumia.

O pai dele sabia o que estava acontecendo, mas debochava, falava que era frescura, que ele queria chamar atenção. Mas eu sabia que essa atitude dele era um pedido de socorro.

Eu sofri com ele. Às vezes meu filho me dizia: 'Mãe, eu não aguento mais', e eu sentia a dor dele.

O que eu fiz foi ser a melhor mãe. Eu me anulei. Não ia para canto nenhum. Só dormia depois dele. Mas teve uma hora que, do fundo do meu coração, eu disse: 'Deus, vou ter que respeitar a vontade do meu filho, vou ter que deixar ele ir embora', porque ele dizia para mim que não queria mais viver.

Promessa de ajudar outras mães após morte do filho

No dia que ele faleceu eu adormeci vendo um filme. Era um domingo, 3 horas da manhã. Todos os dias acordo essa hora.

Sonhei com ele passando pela rua dizendo que não morava mais ali. Quando eu acordei, ele estava morto. Tinha 20 anos.

Tirei forças de onde nem sabia que tinha e liguei para o pai dele. Curioso é que ele nunca me atendia. Mas nesse dia ele me atendeu falando que tinha acabado de bater um vento na janela do quarto dele. Hoje o pai se sente culpado. Essa culpa eu não tenho. Sei que fui a melhor mãe.

Prometi ao meu filho, ali morto, que nunca mais veria um jovem ou uma mãe que não tivesse condições financeiras de pagar uma terapia passar pelo que eu passei. E fui estudar psicologia, sem nunca ter trabalhado.

Sempre quis fazer esse curso, principalmente porque as pessoas me procuram muito para conversar e desabafar. Só que nunca trabalhei. Vivia para o casamento e filhos. Corri atrás de uma bolsa de estudos que pagasse metade da faculdade, fui trabalhar como doméstica, fiz vaquinha e rifa. Me formei há dois anos, durante a pandemia.

Hoje faço atendimento online e atendo muitas mães. Fico feliz de saber que posso salvar o filho de alguém.

Eu não tive depressão, mas passei pela fase do luto, que não foi fácil. Tem dia que eu venho para o meu quarto e fico muito triste. Mas logo penso que tenho que continuar por eles. Choro, enxugo as lágrimas, ponho a roupa de mulher maravilha e vou.

Nós estamos no mês do Setembro Amarelo, mas para mim são todos os dias que precisamos falar mais sobre isso.

Às vezes a pessoa não tem depressão, só precisa conversar, de um carinho. Todo mundo pode fazer isso, mas algumas preferem magoar.

Escutei que meu filho morreu por falta de Deus, que está no inferno. Você não sabe como isso machuca uma mãe que perdeu um filho assim.

Quando meu filho sofria, ele chamava por Deus. Como é que era falta de Deus? E se fosse frescura e falta de Deus, padres, pastores e religiosos não teriam depressão.

Hoje consigo fazer terapia. Lógico que fraquejo, porque não sou forte o tempo todo. A saudade machuca. A dor da perda de um filho é um parto inverso. É uma dor por dentro onde você grita para o universo, mas estou conseguindo ressignificar a minha vida." Ophelia Contreiras, 54 anos, é psicóloga e nasceu no Acre.

Procure ajuda

Quem tem pensamentos suicidas e precisa de apoio emocional pode ligar para o CVV (Centro de Valorização da Vida) no número 188. Existem ainda os prontos-socorros psiquiátricos, que podem ser especializados ou funcionar em hospitais gerais. São eles que devemos procurar em casos de urgência e emergência emocional. Os prontos-socorros psiquiátricos especializados costumam ficar próximos de hospitais gerais, uma vez que o paciente pode precisar da avaliação de outros especialistas como um neurologista ou um cardiologista, por exemplo.