Alice Wegmann: 'Nunca vou ter alta da terapia e acho isso ótimo'
"Raíssa é uma menina corajosa e determinada. Ela é intensa: erra e acerta, e é de verdade. Amo que ela é do rolê, não recusa uma cervejinha, é desencanada e fala o que pensa", é assim que a atriz Alice Wegmann define a personagem que vive na série "Rensga Hits!", que tem oito episódios já disponíveis no GloboPlay. Na trama, que se passa em meio ao mundo da música sertaneja, uma jovem do interior é traída pelo noivo, abandona o altar e segue o sonho de virar compositora e cantora em Goiânia.
A série traz diversos temas sociais à tona - como abandono parental, homofobia e desigualdade entre gêneros. Coisas que, para Alice, são determinantes na hora de aceitar um trabalho novo: "Toda vez que me chamam para algum papel eu procuro qual o propósito essa personagem vai ter, que história vamos contar, o que vamos mudar no mundo. Eu quero fazer coisas transformadoras", diz.
No papo, Alice ainda revelou como foi se descobrir cantora - é ela quem canta a maioria das músicas da trilha da série -, como diminuir o ritmo foi essencial para que ela se sentisse mais leve e feliz e a importância de sempre fazer terapia: "Acho que nunca vou ter alta". Confira:
UNIVERSA: Você costuma dizer que gosta de se entregar 100% às personagens que se propõe a fazer e se jogar de cabeça no trabalho. Nesse sentido, como foi a preparação para viver a Raíssa?
ALICE WEGMANN Tenho isso em mim desde sempre: gosto de estar inteira no que me proponho a fazer - até por isso não gosto de fazer muita coisa ao mesmo tempo. Gosto de estar ali, entregue, colocando toda a minha energia. No caso da Raíssa, foi assim. Larguei tudo e fui morar três meses em Goiânia. No período, fiz aulas de canto, fonoaudióloga, leituras? Eram oito horas por dia só fazendo aulas. Foi muito bom ter passado esse tempo lá, sentir a vibe da cidade.
Mas a Raíssa já era uma personagem muito pronta, o texto já era bem imagético pra mim. Já tinha muita informação sobre aquela menina, sobre a trajetória dela. Quando entrei em contato com ela pela primeira vez, já falei que seria a personagem mais carismática da minha carreira. Na hora de fazer, meu compromisso era me divertir, porque todo o resto já estava ali.
Suas primeiras personagens na TV vieram quando você ainda era bem jovem. Como foi crescer na frente das câmeras? Você teve problemas com autoimagem?
Eu sou bem autocrítica, sempre acho que dá para melhorar. Mas aprendi a celebrar os trabalhos. Antes, focava em pensar que podia ter feito de outro jeito. Hoje, entendo que me dediquei muito, fiz o melhor que podia e bola pra frente.
Ainda tenho minhas críticas, claro, mas aprendi a enxergar o todo, isto é, não só como eu estou na cena, mas como a cena é dirigida, editada, como está o som? Tenho esse olhar de direção. Critico algumas coisas, mas sei apreciar também. Sabemos das dificuldades de realizar os projetos.
Por conta dos trabalhos na TV, você ganhou muitos seguidores nas redes sociais, pessoas interessadas na sua vida. Como é a sua relação com a internet?
Tenho um pouco de preguiça da internet! Prefiro viver a vida fora dela. Não gosto de mostrar muito. Gosto de dividir meus poemas, textos e fotos, mas tenho meu limite. Sei até onde eu posso compartilhar. Não quero estar num lugar de exposição que force minha capacidade.
Gosto muito da minha privacidade, da minha vida que as pessoas não conhecem, e quero cultivar isso da melhor forma. E, por isso, sei que não posso expor muito. Minha relação com a internet é natural e genuína. Quando estou ali postando alguma coisa, é porque realmente quero fazer isso. Não é por necessidade ou cobrança.
Mas você se posiciona bastante na internet diante de questões sociais. Na hora de escolher os trabalhos, você prioriza projetos que trazem discussões relevantes?
Certamente. Toda vez que me chamam para algum papel eu procuro qual o propósito essa personagem vai ter, que história vamos contar, o que vamos mudar no mundo. Eu quero fazer coisas transformadoras, ligada aos meus valores.
Tudo que vai contra isso não me entretém, fico entediada, não me acrescenta. O primeiro 'não' que eu dei na minha carreira foi aos 19 anos. Na época, eu não era contratada de nenhuma empresa e fazia faculdade. Me chamaram pra fazer uma personagem que era muito parecida com a que eu tinha feito na novela "Boogie Oogie", que tinha sido há pouco tempo. Eu agradeci, disse que ia focar na faculdade e que tinha essa questão de ser um personagem muito parecido. E, no fundo, a personagem não tinha um propósito específico.
Dois dias depois, me chamaram para coprotagonizar "Ligações Perigosas" com o Selton Mello, Patrícia Pillar e Marjorie Estiano. Ali entendi que deveria sempre me posicionar e ser firme nas minhas escolhas, pois isso poderia abrir outras portas. Foi um momento crucial pra mim.
Já muito nova entendi que as minhas escolhas construiriam minha carreira a longo prazo. Toda vez que chega um texto novo pra mim, me pergunto o que isso vai mudar na vida das pessoas.
Nesse sentido, acho "Rensga" uma série completa, pois toca em diversos assuntos de forma crua, real e genuína. Fala sobre sonhos, sobre a possibilidade de vivermos nossos desejos e vontades.
Entre os projetos que ainda quero fazer, estão trabalhos internacionais, onde eu tenha que falar outro idioma. Quero fazer uma personagem em inglês. Não pelo status, pelo desafio mesmo. Eu falo inglês, mas imagino que atuar em outra língua deva ser muito difícil. E também queria fazer uma biografia de alguém, em um projeto biográfico, documental, viver alguma pessoa que já existe ou existiu. Seria outro desafio.
Como era a sua relação com o sertanejo antes da série? Você curtia?
Sim! Já ouvia, principalmente Marília Mendonça. Já estava nas minhas playlists. Mas não conhecia tão bem esse universo, isto é, nunca fui ver um show em Barretos, por exemplo. Acho que o sertanejo permeia o Brasil inteiro, está em todas as rádios. Até no Rio, onde tem mais a cultura do funk, pagode, samba, também ouvimos muito sertanejo. De certa forma, não tem como o sertanejo não estar na nossa vida, é uma cultura muito brasileira. Mas com certeza hoje ouço muito mais.
Como foi se descobrir cantora? Mais fácil ou mais difícil do que você imaginava?
Nossa, muito mais difícil. E surpreendente também. Quer dizer, a música sempre esteve presente na minha vida - toco alguns acordes no violão e, às vezes, cantava para acompanhar. Mas não sei, como nunca tentei cantar pra valer, senti que não conhecia direito a minha própria voz, não sabia como ela soava.
Infelizmente esse processo de cantar para a série foi rápido. Quero ter mais tempo justamente para conhecer mais - minha voz, meu tom, minha intensidade. Foi surpreendente porque as pessoas gostaram e abraçaram muito essa ideia.
Hoje, não tem um lugar que eu vou que as pessoas não perguntem sobre a carreira de cantora. Eu nunca fecho as portas para nada na vida, mas tem muita coisa pra fazer antes de me jogar nesse universo. Preciso estudar e aprender muito.
Outra potencial carreira que você tem é a de escritora. Quem te acompanha no Instagram sempre comenta sobre seus textos e poemas. Qual a importância da escrita na sua vida?
Eu amo escrever, tenho vontade de escrever um livro. É um plano que sei que, em algum momento, vai rolar. Mas preciso ter um impulso. Hoje, estou confortável nesse lugar de escrever no Instagram, compartilhar meus textos.
As pessoas me cobram muito isso - mas mais uma vez, quando for rolar, preciso estar com tempo e vontade para me dedicar inteiramente a isso. Não gosto de fazer muita coisa ao mesmo tempo - já fui assim e não me fazia bem.
Aos 16 anos, protagonizava "Malhação", estudava para o vestibular e estava em cartaz com uma peça de teatro. Minha cabeça não funcionava inteira em nenhuma dessas coisas. Eu vivi assim durante muitos anos.
Quando finalmente quis focar numa coisa só, percebi que conseguia executá-la de uma forma muito melhor. Isso aconteceu quando fiz a minissérie "Onde Nascem os Fortes", que foi um grande momento da minha carreira. Na época, me mudei para morar seis meses no sertão e foi muito importante. Aí entendi que quero cada vez mais estar inteira nos projetos que eu faço.
Como a pandemia te impactou, nesse sentido de querer desacelerar e fazer uma coisa de cada vez?
Depois de "Onde Nascem os Fortes", fiz a Dalila de "Órfãos da Terra", que foi outra personagem super densa. Tive uma sequência de trabalhos intensos, estava precisando muito de uma personagem solar. Nessa época, até recusei convites para outros projetos que também exigiriam essa intensidade de mim.
Achei que não era a hora e preferi esperar. Aí, veio a pandemia. É clichê dizer, mas é verdade: foi um período de voltar para dentro e trabalhar minhas questões e espiritualidade. Me deu um clique do que eu realmente quero pra minha vida e do tempo que eu quero ter pra viver meus prazeres.
O trabalho é um prazer imenso pra mim, nunca quero deixar de trabalhar. Mas, ao mesmo tempo, respeito muito o tempo das coisas. Preciso dos meus momentos - pra ler, assistir filmes e séries, andar de bicicleta, ficar com os meus enteados ou simplesmente ficar de bobeira. Isso me recicla e me faz ganhar mais combustível para o próximo trabalho.
Porque é muita exposição envolvida no processo e lançar um trabalho. Primeiro você se abre, se rasga inteira para uma personagem, depois vem toda a fase de dar entrevistas, lançamentos, de viver tudo aquilo de novo. Então é muito bom ter esse tempo para respirar.
Como é esse momento de finalizar um trabalho e começar o outro?
Se despedir de uma personagem é muito ruim, muito mesmo. Em "Onde Nascem os Fortes", eu fiquei mal de verdade. Até porque eu mergulhei muito naquele universo, passei meses morando longe de casa, era outra vida, outro ritmo. Odiei me despedir. Foi aí que entendi que precisava arrumar um jeito de enterrar essas personagens, aceitar que era o fim de um ciclo e que viriam coisas novas pela frente.
A gente se apega mesmo, é um luto, minha sensação é a de enterrar uma pessoa. Fui aprendendo a trabalhar isso com o tempo. Hoje, é um pouco mais tranquilo. Tenho meu ritual: assim que gravo a última cena, vou para um lugar sozinha, agradeço, rezo muito e me sinto grata pela oportunidade que tive. E sigo em frente. Em "Rensga Hits", como confirmaram a segunda temporada, não me despedi ainda, só dei um até logo!
Esse processo de lidar com o fim dos ciclos contou com ajuda de terapia?
Com certeza. Faço terapia há bastante tempo e ela me ajuda muito em tudo, sempre. Nunca quero parar. Especialmente sendo atriz - cada hora a gente está de um jeito, cada personagem traz uma coisa nova. Temos que fazer terapia a vida inteira porque sempre terá uma questão diferente para resolver.
Acho que nunca vou ter alta da terapia. Mas eu acho ótimo - exercita a cabeça, me faz pensar em autoconhecimento. Com a terapia, me voltei pra dentro, aprendi a relaxar e a me divertir mais.
Ao longo dos anos, encontrei muito mais prazer no que eu fazia - tanto profissionalmente quanto pessoalmente. Meu maior aprendizado foi abrir mais o coração para os prazeres.
Assista a entrevista Alice Wegmann no "E aí, Beleza?": 'Abortar ou não deve ser uma decisão exclusivamente da mulher'
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