Gari faz ensaio fotográfico e retoma autoestima: 'Olham pra gente com nojo'
Quinta-feira, 25 de agosto, era só mais um dia de trabalho para a gari Anne Caroline Tavares, 31 anos, quando ela foi abordada em uma rua de Belém (PA) pelo fotógrafo paraense Felipe Marques convidando-a para uma sessão de fotos. "Fiquei muito surpresa na hora. Pensei 'não é possível', porque as pessoas costumam olhar para nós, garis, com medo, pena ou nojo. Nunca imaginaria ser chamada para um ensaio", diz Anne, em entrevista a Universa.
O vídeo em que o fotógrafo faz a abordagem, com a reação dela e o resultado do ensaio fotográfico, viralizou nas redes sociais nos últimos dias. Somente no perfil de Felipe no Instagram já são mais de 23 mil curtidas e quase 2 mil comentários elogiando a beleza de Anne e o trabalho do profissional.
À reportagem, Felipe conta que, de vez em quando, gosta de fotografar pessoas aleatoriamente na rua, convidando-as para um ensaio e fazendo ele mesmo toda a produção de cabelo e maquiagem, como aconteceu com Anne. Dessa vez, a escolha da gari foi uma forma de valorizar a profissão. "O trabalho deles é superimportante para a nossa sociedade, mas ao mesmo tempo não são reconhecidos e muitas vezes são até destratados ou desrespeitados", diz.
Resgate da autoestima e representatividade
Para Anne, participar do ensaio levantou sua autoestima e a ajudou a se enxergar de uma outra forma. "Tenho duas irmãs e quando éramos crianças as pessoas sempre comentavam o quanto elas eram bonitas, mas não falavam o mesmo de mim. Cresci me achando um patinho feio", afirma.
Ela conta também que viveu um relacionamento abusivo durante dois anos e meio, e numa ocasião foi chamada de feia e orelhuda pela pessoa com quem se relacionava. "Aquilo foi como uma facada em meu peito e abalou a minha autoestima. Agora, com essas fotos, consigo reconhecer a minha beleza", avalia Anne.
Segundo a gari, topar a sessão de fotos foi ainda uma forma de representar sua profissão. "Esse trabalho já me honrou tanto e me fez mudar de vida, então foi uma maneira também de dar visibilidade para todos que atuam limpando as ruas por aí, mostrar que somos muito mais do que as pessoas pensam", acrescenta.
O ensaio gerou tanto burburinho nas redes sociais que ela até ganhou um apelido carinhoso e vem sendo chamada de "gari gata" pelos internautas. "Tenho recebido muitas mensagens, os veículos de comunicação e as páginas do Pará têm falado sobre isso. Eu tinha pouco mais de dois mil seguidores e hoje já ultrapassei nove mil. Não esperava toda essa repercussão, está sendo um sonho", diz Anne.
'Não queria trabalhar varrendo ruas, mas hoje me orgulho da profissão de gari'
Moradora de Ananindeua, na região metropolitana de Belém (PA), Anne trabalha como gari há mais de 10 anos. Primeiro, ela começou como prestadora de serviço e depois fez o concurso público para trabalhar como servidora efetiva na área de limpeza e manutenção das ruas da capital paraense.
"Na época, eu fazia curso técnico de radiologia e trabalhava sem carteira assinada numa panificadora. Uma amiga me chamou para fazer a seleção e eu fui meio sem querer. Meu pai, quando soube que eu iria varrer rua, me recriminou muito, disse que ser gari era o mesmo que puxar carroça", recorda.
O preconceito do pai é semelhante ao que Anne também tinha no início e que ela afirma sentir no dia a dia do trabalho nas ruas.
Muitos pensam que garis são analfabetos, que nós não temos estudos. Já teve uma senhora que me parou uma vez para dizer que eu era bonita demais para trabalhar varrendo rua.
Hoje, Anne se orgulha da profissão. Foi devido ao seu trabalho limpando as ruas que ela conseguiu realizar o sonho de cursar a faculdade de educação física. "Consegui uma bolsa pelo Fies em 2016 e foi graças à minha farda de gari que eu consegui pagar as parcelas e me formar. Fiz tanto a licenciatura quanto o bacharelado na área ", comemora Anne.
Atualmente, como o serviço para a prefeitura da capital tem carga horária de 6h, ela concilia a rotina como gari em Belém com a atuação como profissional de educação física, dando aulas em projetos sociais, ensinando natação, hidroginástica e futsal, e atendimentos particulares como personal trainer. "É uma vida bem corrida, com muito trabalho, mas, pelos sonhos que tenho, vale muito a pena fazer todo esse esforço", diz.
Para o futuro, ela quer fazer um mestrado e um doutorado em educação física e se tornar empresária, com o seu próprio espaço para oferecer aulas de diferentes modalidades esportivas. "Quero disseminar a prática de atividade física, principalmente em áreas periféricas e envolvendo pessoas com deficiência, que muitas vezes têm dificuldade para encontrar um lugar que as aceite na hora de praticar esportes."
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