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'Me sinto mais sexy no período fértil': como ciclo menstrual impacta libido

A professora de yoga Daniela percebe seu desejo sexual aumentando em momentos específicos do mês - arquivo pessoal
A professora de yoga Daniela percebe seu desejo sexual aumentando em momentos específicos do mês Imagem: arquivo pessoal

Mariana Toledo

Colaboração para Universa, de São Paulo

05/09/2022 04h00

Não é de hoje que a professora de yoga Daniela G., 27, percebe seu desejo sexual aumentando em momentos específicos do mês - especialmente no seu período fértil, isto é, cerca de 14 dias antes da menstruação. Nesses dias, ela conta que sente que não só a vontade sexual cresce, mas também vontade de viver mesmo.

Daniela define como uma fase feliz, onda acha tudo e todo mundo bonito. "Noto mudanças físicas também - me acho mais bonita, gostosa e sexy. Aí, na TPM, digo que fico radioativa, o desejo cai totalmente e não gosto nem que cheguem perto. No período menstrual, o desejo volta a subir, mas é um pouco afetado por todos os outros sentimentos que vêm junto do estar menstruada", conta para Universa.

Algo parecido acontece com a publicitária e influenciadora digital Juliana Rangel, 36, e sua namorada, a chef de confeitaria Letícia Momma, 26. Para as duas, o desejo aumenta na TPM. "Como meu ciclo não é regular, eu sei que vou menstruar pelo aumento da libido. Ela cresce, segue em alta durante a menstruação e, depois, cai. É muito nítido para nós duas - na semana da TPM e na menstruação, temos esse desejo muito físico, de toque. E os pensamentos também não param", fala Juliana. "Como nosso ciclo é próximo e menstruamos mais ou menos ao mesmo tempo, identificamos facilmente essa relação porque as duas ficavam assim", explica.

Mas, afinal, essa relação entre os altos e baixos da libido e o momento do ciclo menstrual existe mesmo?

Sim! Na nossa fase ovulatória - que ocorre exatamente na metade do ciclo menstrual, no 14º dia - acontece um pico de estrogênio (uma designação genérica dos hormônios cuja ação está relacionada com o controle da ovulação e com o desenvolvimento de características femininas) e de hormônios como a testosterona.

"Essas atividades no nosso corpo, somadas ao aumento da lubrificação do canal vaginal, geram mais libido", explica Marcela McGowan, ginecologista, "genital influencer" e CEO e fundadora da Ludix, empresa de sexual care. A fase de menos libido costuma ser o período pré-menstrual, pós-ovulação, quando acontece uma queda rápida de hormônios junto da chegada dos sintomas pré-menstruais.

Aí, na menstruação, lá para o segundo, terceiro dia, acontece um novo pico de desejo sexual. "Isso se dá porque os hormônios voltam a subir nessa fase e também pela lubrificação adquirida com o próprio sangue", explica Marcela.

publicitária e influenciadora digital Juliana Rangel, 36, e sua namorada, a chef de confeitaria Letícia Momma, - arquivo pessoal - arquivo pessoal
publicitária e influenciadora digital Juliana Rangel, 36, e sua namorada, a chef de confeitaria Letícia Momma,
Imagem: arquivo pessoal

Sarah Maya, pós-graduanda em ginecologia natural que atende com consultoria feminina e menstrual, pontua que libido não é necessariamente "vontade de transar" ou "desejo sexual" simplesmente. "Libido é prazer de viver, vontade de criar e de realizar. Então, nossa libido se manifesta de várias formas em nossa vida, sendo o desejo uma das expressões da libido", afirma

As pessoas que sangram possuem uma ciclicidade ainda mais marcada, por conta de todas as mudanças hormonais. Dessa forma, nossa libido também é cíclica. Se a cada fase do ciclo menstrual nós mudamos, nossa manifestação da libido também. "Em um sistema que não valoriza e não respeita a mulher, o prazer feminino ainda é um tabu. De forma geral, fomos ensinadas que a vida é linear, que existe uma forma 'encaixotada' de viver e ser. Mas isso não é real. A vida é cíclica e o ser humano também", diz Sarah.

Ela reforça que durante o ciclo menstrual, passamos por uma "montanha-russa hormonal" que reflete em diferentes aspectos no nosso corpo - emoções, pensamentos e, claro, libido.

Julia Cepeda, psicóloga e sexóloga, acrescenta: "Esse aumento de desejo tem a ver com outras questões também, mais psicológicas. Para algumas mulheres, esse desejo está mais relacionado ao contato corpo a corpo, mais íntimo, de acolhimento. E pode ser ainda um desejo pelo sexo com o outro ou pela masturbação sozinha, num momento mais pessoal".

Julia ainda afirma que isso é algo que muda de mulher para mulher - algumas, na TPM e na menstruação em si, sentem muita cólica, incômodos e dores nos seios, por exemplo - fatores que podem afastar totalmente a vontade de sexo. Já outras podem sentir o alívio das cólicas justamente transando. Há ainda quem queira, nessa fase, só o contato físico - e não necessariamente transar.

"Há mulheres que, durante o ciclo, têm a autoestima elevada, se sentem bem com o próprio corpo e isso acaba interferindo no desejo. Elas se sentem mais desejadas e, consequentemente, sentem mais vontade também. Mas é algo psicológico e relativo", completa Julia. É mais ou menos como a Daniela, no começo da reportagem, explicou que acontece com ela.

É uma regra geral ou existem exceções?

Como estamos falando de natureza e seres humanos, é muito difícil bater o martelo do que é regra geral. "Essa relação, 'hormonalmente' falando, pode acontecer para todas as pessoas que menstruam. No entanto, quem usa anticoncepcional hormonal - como pílula, injeção e até o DIU hormonal, embora este em grau menor - não passa por todas as nuances do ciclo e, portanto, pode ter essa 'regra' alterada", diz Marcela.

"O pico hormonal não é necessariamente respondido com maior desejo sexual. A menstruação é um exemplo claro: enquanto pessoas relatam mais desejo nessa época, outras se relacionam mal com o período - têm cólicas, dores, incômodos e até nojo da própria menstruação. Para elas, não é uma fase de libido lá no alto. É uma questão pessoal, e que depende de outros fatores também".

"Todas nós passamos por essa oscilação, mas cada corpo pode reagir de forma diferente. Somente a prática de observação sobre si mesma e o autoconhecimento podem esclarecer", destaca Nádia Segantim, ginecologista natural. O autoconhecimento, inclusive, é uma recomendação geral. "É legal ficar de olho em si mesma e nessas mudanças que ocorrem ao longo do ciclo. Uma dica é anotar suas percepções numa agenda ou num planner. Se você observar como se comporta em determinados períodos do ciclo, vai ver que, às vezes, existe um padrão ali. Ter esse conhecimento é importante", afirma Julia.

Orgasmos mais potentes

No período menstrual, o sexo pode resultar em orgasmos mais intensos. "Além do desejo aumentar, nosso corpo fica mais sensível. Há um acúmulo de sangue na região pélvica e o próprio clitóris fica mais inchado, mais sensível ao toque. Além disso, estamos naturalmente mais lubrificadas. Por isso, podem acontecer orgasmos mais intensos - que inclusive ajudam em alguns sintomas dessa fase, como as cólicas", fala Marcela.

"Estando sensíveis pela crescente hormonal e pela alta vascularização vaginal, nosso corpo todo está mais aberto e fluido para o prazer. Mas, sim, existem as mulheres que não se sentem bem transando nessa fase e isso está totalmente OK. Mesmo que haja desejo, há também a forte sensibilidade física desse momento", completa Sarah.

Julia traz outro ponto importante: no sexo menstruada, estamos com o colo do útero mais aberto, por isso há uma facilidade maior ao transmitir ou contrair DSTs e ISTs. "Proteção é importante sempre e, nesses casos, ainda mais".

Influência de atores internos e externos

Todas as especialistas enfatizam que a nossa libido é resultado de uma combinação de inúmeros fatores - o que significa que não é só a fase do ciclo menstrual que pode aumentá-la ou o fato de usarmos anticoncepcionais hormonais que pode acabar com ela.

"A libido passa por muitos outros fatores: estresse, status do relacionamento, relação com o próprio corpo, alterações na tireóide… Tudo isso interfere. A própria gravidez e a menopausa também impactam. Tudo o que de alguma maneira mexe com os nossos hormônios vai mediar as mudanças na nossa libido. Além disso, atividade física, alimentação e sono também são questões a serem levadas em conta. Ou seja, a libido é um leque muito amplo, são muitas nuances para analisar. É legal perceber tudo isso e usar a nosso favor, cuidando para mantermos nosso desejo sexual em dia", menciona Marcela.

"A libido é o nosso prazer e gozo pela vida. Se não sentimos prazer em viver, se levamos uma rotina corrida, ansiosas ou estressante, se não nos alimentamos bem e não dormimos direito, tudo isso influencia diretamente no desejo sexual da mulher", acrescenta Nádia.

"O corpo não é uma máquina; ele é cíclico. Somos natureza, portanto não é possível controlar algo que é totalmente influenciado por diferentes fatores vitais, sociais e relacionais. O ciclo menstrual e a libido são manifestações da nossa natureza", conclui Sarah.