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Espanha define que falta de 'sim' é agressão sexual: Brasil precisa disso?

Mulher usa pintura vermelha no rosto para participar de ato de mulheres em Madri (Espanha), pelo fim da violência de gênero - Javier Barbancho/Reuters
Mulher usa pintura vermelha no rosto para participar de ato de mulheres em Madri (Espanha), pelo fim da violência de gênero Imagem: Javier Barbancho/Reuters

Colaboração para o UOL, em Washington

06/09/2022 04h00

De acordo com uma lei aprovada na última semana pelo Congresso espanhol, qualquer contato sexual em que o consentimento não for expresso poderá ser considerada uma agressão sexual. Isso significa que se o "sim" não ficar evidente na situação, o ato é considerado crime com pena de até quatro anos de prisão.

A nova lei é apelida de "só sim é sim" e faz parte de um pacote de mudanças na legislação idealizado pela Ministra da Igualdade espanhola, Irene Montero. "Resolvemos colocar o consentimento no centro", diz a Universa a deputada do Unidas Podemos, Martina Velarde, e uma das impulsionadoras da proposta.

Segundo Martina, o objetivo é "passar da cultura do submetimento à cultura do consentimento", e conclui que "se não existe um sim, é porque existe um não''.

Mas o que diferencia a nova lei das que atualmente puniam atos de violação sexual?

Segundo disse a ministra da igualdade espanhola, Irene Montero, em pronunciamento, nenhuma mulher terá que, a partir da sanção da lei, provar que houve violência física ou intimidação para que seja considerada uma agressão sexual. "Reconhecemos todas as agressões como violências machistas", disse.

Segundo a deputada Martina Velarde, o que acontecia na Espanha até agora é que nos casos em que a mulher era dopada ou ficava em estado de choque, ou seja, sem que houvesse violência física, não se considerava o crime de agressão sexual. "Teria que passar por outras instancias judiciais para comprová-lo", diz, reforçando que, com a lei, isso será diferente.

Estupro coletivo desencadeou mudança na legislação

A necessidade de criar uma lei que proteja vítimas surgiu a partir de um episódio de estupro coletivo ocorrido em 2016. Cinco homens estupraram uma jovem de 18 anos, alcoolizada e inconsciente, na cidade espanhola de Pamplona durante as festas religiosas de São Firmino, em um caso que ficou conhecido como "La Manada".

No julgamento, a Justiça espanhola entendeu que se tratava de um episódio de abuso sexual e não de agressão sexual, pois não havia sido constatado o uso de violência física ou outras formas de intimidação —a primeira tem uma pena mais branda do que a segunda.

A decisão indignou a população e desencadeou uma série de manifestações. A Corte Suprema decidiu, então, revisar a sentença, classificando o caso como um estupro e elevando a pena dos acusados de 9 para 15 anos de prisão.

Por isso, o apelido da lei: "só o sim é sim". Quando não há a possibilidade de consentimento, a prática já se enquadra como agressão sexual. A inovação da lei, segundo especialistas, é a criação do agravante por submissão química. Ou seja, caso a mulher esteja bêbada ou dopada, a pena é maior. Também cria o termo feminícidio sexual, ou o homícdio por violência sexual, estipulando penas especiais para esse crime.

O assédio na rua também passa a ser considerado um crime será passível de condenação penal. "Serão reconhecidas outras formas de agressão sexual sofrida pelas mulheres, partindo do princípio que toda violência empreendida contra elas será identificada como violência machista", diz Martina Velarde.

Brasil precisa seguir o mesmo caminho?

Como explica a advogada Isabela Del Monde, colunista de Universa, especialista em direitos das mulheres e integrante do Me Too Brasil, ainda que essa seja uma lei vanguardista na proteção das mulheres, esse não é um caminho que o Brasil precisa seguir.

Primeiro porque a lei brasileira já define como crime o contato sexual com uma pessoa que não pode consentir ou reagir à prática —caso de uma mulher inconsciente, sob efeito de álcool ou outras substâncias.

"Além disso, a gente tem, por exemplo, a lei de importunação sexual, quando não há grave ameaça nem violência —nesses casos, é considerado estupro— mas ainda assim é um crime sexual. Então isso já está abarcado na nossa legislação, que já reconhece a violação mesmo sem uso da força", explica. "Nesse ponto, estivemos à frente da Espanha."

A advogada pontua outros itens importantes na decisão do Congresso espanhol. "Há previsão de apoio e acolhimento para vítimas de violência sexual, com moradia popular e apoio financeiro. Isso é ótimo porque, muitas vezes, as mulheres têm que acabar com seus próprios recursos para ver o processo caminhar", diz.