Elizabeth se sacrificou pela Coroa, mas enfrentou família e casou por amor
Ela aprendeu a ser rainha no tranco. Elizabeth 2ª tinha 25 anos e era mãe de duas crianças quando herdou o trono do Reino Unido, após a morte do pai, o rei George 6º. Teoricamente, nem havia nascido para ser rainha, mas abraçou seu destino com as proféticas palavras de que, fosse longa ou curta, dedicaria sua vida à Coroa. E cumpriu sua palavra até hoje, quando morreu aos 96 anos, na Escócia.
Ao longo dos 70 anos que marcaram seu reinado, a soberana de maior longevidade em um trono europeu foi uma rainha que se empenhou em não emitir opiniões, em não transparecer emoções e em simplesmente cumprir sua função figurativa. Em uma atitude que admiradores viam como discreta, mas críticos, como omissa, pouco ou nada interferiu no curso da política internacional. Ela estava lá, mas não foi protagonista.
"Carry on" (seguir em frente) e "never complain" (nunca reclamar) são princípios básicos associados a ela.
Se não tivesse papel de destaque na nobreza, talvez Elizabeth 2ª jamais houvesse chamado a atenção mundial. Não estudou, era tímida e manteve até o fim um senso de disciplina exemplar. O que veio a calhar, porque o motivo que a levou ao trono foi justamente o conflito entre amor e dever. Para ela, a dedicação quase religiosa à sua função se sobrepunha a qualquer desejo pessoal —e sua família pagou caro por isso.
O sacrifício pelo dever
Elizabeth acompanhava o marido militar, Philip, que estava baseado no exterior, quando soube da morte do pai, em 6 de fevereiro de 1952. Ela estava em terceiro lugar na linha sucessória quando seu tio, Edward 8º, abdicou da Coroa para se casar com a socialite americana divorciada Wallis Simpson.
George teve uma regência curta, de cerca de 16 anos. Todos achavam que Elizabeth teria mais tempo para ser treinada, mas ela herdou a Coroa numa época em que o mundo saía da Segunda Guerra Mundial e se reescrevia politicamente. Sob sua regência, o império britânico foi substituído por uma Commonwealth de 54 nações -sem dúvida, sua maior conquista e seu grande orgulho.
George 6º morreu de câncer por ser fumante inveterado, mas a mãe de Elizabeth culpava o cunhado pelo desgaste físico do marido. A semente de que a saúde do rei sofreu com o peso da função foi plantada desde cedo na cabeça da jovem Lilibet —apelido de Elizabeth—, que incorporou o mantra do sacrifício pelo dever.
Dentre as características de sua regência, talvez a constância seja uma das mais lembradas -pelo bem e pelo mal. Como boa taurina, Elizabeth nunca foi adepta de mudanças e por estar sempre com modelos parecidos, mesma bolsa, mesmo sorriso, passou a ser, para o mundo, o símbolo de algo inabalável. Sua força para lidar com adversidades foi frequentemente considerada inspiradora.
Aos 95 anos, mesmo com covid-19, chegou a manter sua agenda de compromissos virtuais por alguns dias. Quando perdeu o marido, Philip, em 2021, depois de 74 anos juntos, voltou ao trabalho duas semanas depois do enterro. Carry on. Sempre.
Rainha dos memes e da era digital
Para gerações mais novas, Elizabeth 2ª foi a rainha imortal e dos memes carinhosos. Há quem diga que seu reinado tenha sido uma reedição da Era de Ouro de Elizabeth 1ª, mas, seria mais acertado dizer que ela foi a primeira rainha britânica da era digital. Afinal, Elizabeth 2ª esteve nas redes sociais, com contas no Instagram e no Twitter.
Sem dar entrevistas para mostrar quem realmente era, despertou a imaginação pública sobre como seria na intimidade. Era tida como avó e bisavó carinhosa, mas também como uma mãe distante. Não interferia nas questões pessoais de sua família se pudesse evitar, mas perdeu a paciência em algumas ocasiões.
Quando amava, era profundamente. A começar por sua irmã e melhor amiga, a princesa Margaret, com quem teve uma relação bem parecida à que manteve com William e Harry. Margaret era popular, bem vestida, divertida, requisitada e estava em quinto lugar na sucessão quando se apaixonou por um homem divorciado. As regras morais da época impediam a união, e ela teve que escolher entre seu dever na realeza ou abandonar a Família Real. Ficou, mas nunca foi 100% feliz, e Elizabeth teria se sentido frustrada por não poder ajudá-la.
Anos depois de Margaret, Elizabeth mais uma vez não flexibilizou as regras quando um de seus filhos, o príncipe Charles, quis se casar com uma mulher considerada pela realeza má opção: Camilla Parker-Bowles. Pelo dever de ter herdeiros e uma esposa, ele escolheu então a jovem Diana Spencer, de 19 anos.
Diana não se conformou com a relação tóxica a que estava condenada, mas não teria encontrado apoio da sogra. Por ter ela mesmo sobrevivido às fofocas de infidelidade do marido, Elizabeth 2ª não entendia por que os jovens simplesmente não se esforçavam para fazer o casamento dar certo.
O contraste entre as personalidades de Diana e Elizabeth chegou a abalar seriamente a popularidade da rainha quando a princesa morreu, em 1997, mas ela reverteu o jogo magistralmente. Quando chegou a vez de os netos se casarem, permitiu e encorajou que eles escolhessem as parceiras que amavam. Embora com Harry e Meghan Markle o plano não tenha dado tão certo.
Em seu Jubileu de Platina, celebrado em junho deste ano, declarou que queria que Camilla Parker-Bowles fosse reconhecida como Rainha Consorte, quando Charles ascendesse ao trono. Revisou sua posição, mas tardiamente.
"William, levante!"
Na entrada do milênio, a rainha Elizabeth 2ª virou outra pessoa, especialmente com os filhos de Diana e Charles, com quem passou a ter uma relação de mãe-avó. William foi treinado pessoalmente por ela para a futura função de rei. Aliás, graças a ele existem três cenas famosas em que o público pôde ver uma Elizabeth mais espontânea.
Em 1984, na foto do batizado de Harry, a rainha aparece se deliciando com as brincadeiras de William com o fotógrafo, gargalhando ao fundo. Em 1986, quando o príncipe saiu correndo atrás de uma carruagem, Elizabeth disparou atrás do neto, segurando sua mão e impedindo um acidente.
Na outra imagem, de 2018, quando William se abaixou para conversar com o filho, George, a rainha não gostou da postura informal do neto. Bateu no ombro e avisou: "William, levante", ao que ele atendeu imediatamente, pedindo desculpas. E como esquecer das fotos da rainha olhando orgulhosa para Harry como soldado? Essas imagens ajudaram a popularizar sua persona.
Para uma mulher que a vida toda prezou pela discrição, é irônico que seja justamente a vida pessoal da Família Real o fato mais lembrado de seu longo reinado. Em 1992, no auge das separações e dos escândalos envolvendo os três filhos --princesa Anne, príncipe Charles e príncipe Andrew-- e após o incêndio no castelo de Windsor, Elizabeth 2ª chegou a definir o ano como "annus horribilis", do qual não teria saudade.
Como ela definiria 2022, que reescreveu dramas familiares 40 anos depois, aumentando a intensidade, repetindo cenários, discussões e até personagens, manchando para sempre o Jubileu de Platina?
Perdas e tristezas
Os últimos anos do reinado de Elizabeth tinham tudo para ser de festa, mas foram repletos de perdas e tristezas. Primeiro Harry abandonou o Reino Unido para proteger sua esposa, Meghan Markle. A rainha tentou minimizar a crise, mas a briga interna vazou para a imprensa e, dois anos depois, está longe do fim.
Para piorar, depois que Harry citou publicamente comentários racistas endereçados a Meghan por alguém da Família Real (em entrevista dada à apresentadora americana Oprah Winfrey), o príncipe promete revelar ainda mais na biografia que deve lançar ainda neste ano.
Outra controvérsia, e talvez a maior de todas, foi sua relação com o príncipe Andrew, tido como seu filho favorito. Famoso pela arrogância, Andrew desobedeceu as orientações do Palácio no caso em que foi acusado de ter abusado sexualmente de menores de idade.
Deu uma desastrosa entrevista e insistiu em sua inocência, até finalmente ser convencido a aceitar um acordo milionário, pago, como dizem, por sua mãe. Seria a prova de que a regra de dever antes de amor, pelo menos na reta final da vida de Elizabeth, passou a ter exceções. Mãe é mãe, com ou sem coroa.
Algo que pareceu relativamente intacto ao longo das décadas foi a relação romantizada e idealizada entre Elizabeth e Philip. Os dois se conheceram quando ela tinha apenas 13 anos, e ele 18. Mas Lilibet se encantou por Philip imediatamente. Trocaram correspondência por anos e enfrentaram a resistência tanto da família como do Parlamento sobre a escolha da jovem princesa para seu marido.
No final das contas, Elizabeth 2ª se casou por amor e com o príncipe que considerava encantado. Os temperamentos dos dois eram opostos, mas se entendiam e tinham os mesmos objetivos. Philip foi o maior articulador, apoiador e parceiro da esposa, que reconheceu, anos mais tarde, quanto o marido sacrificou para poder estar ao seu lado.
Após a morte de Philip, em 2021, a imagem de Elizabeth pareceu mais fragilizada fisicamente. Mais magra, abatida e usando uma bengala para caminhar, a rainha passou então a transferir suas atividades para os herdeiros diretos, Charles e William. Em outubro de 2021, chegou a ser hospitalizada por uns dias, mas a causa nunca foi revelada.
Com a pandemia, se isolou. Passou o Natal apenas com poucos membros da Família Real. Conseguiu se manter forte até completar oficialmente o aniversário de platina, em fevereiro de 2022, mas, mesmo vacinada e isolada, acabou sendo infectada com o vírus da covid-19.
Se a princesa Diana ficou conhecida como a Princesa do Povo, é plausível reconhecer que Elizabeth 2ª é a Rainha do Mundo. E é seguro afirmar que ninguém vai tirar dela esse título.
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