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Já está na hora? É seguro? Quando deixar crianças e jovens irem a shows

Luana levou os filhos Lara e Lorenço ao Rock in Rio - Acervo pessoal
Luana levou os filhos Lara e Lorenço ao Rock in Rio Imagem: Acervo pessoal

Glau Gasparetto e Thaís Lopes Aidar

Colaboração para Universa, de São Paulo

10/09/2022 04h00

Hoje tem mais Rock in Rio, um dos maiores festivais de música do país, que deve receber em torno de 700 mil pessoas durante os sete dias de evento. No meio de tanta gente, não faltam adolescentes e até crianças, animados com a chance de ver seus ídolos no palco. Nessas ocasiões, quem tem filhos costuma se deparar com a dúvida: será que já é hora de liberá-los para uma festa tão grandiosa?

Para início de conversa, vale saber que a classificação etária - desse e de outros shows do gênero - é de 16 anos. A entrada de menores de 16 só é permitida na companhia dos pais ou responsáveis legais (até quarto grau de parentesco). Não há restrição de idade para entrada, mas o Ministério Público não recomenda que crianças de até 5 anos permaneçam na Cidade do Rock após as 22 horas.

Participar de eventos assim é boa chance de construir lembranças familiares gostosas. "Achei que seria ótimo para criar uma memória afetiva que minhas filhas levarão para o resto da vida. Vão sempre lembrar: 'a primeira vez que fui no Rock in Rio foi com minha mãe'. É daquelas coisas que nunca mais se esquece", diz Marcela Laranjeiras, a Mah, do perfil Casa de Bamba, que ontem estreou no festival ao lado das filhas Manu, quase 15 anos, e Nina, de 13.

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Marcela estreou ontem no festival ao lado das filhas Manu, quase 15 anos, e Nina, de 13.
Imagem: Acervo pessoal

Desde a última edição, três anos atrás, a mais velha (fã de rock e heavy metal) pede para ir ao festival. "No passado, elas ainda eram muito novinhas. Achei que não era o momento, por talvez não saberem o que fazer se me perdessem de vista. Agora, já mais maduras, penso ser uma boa ocasião para curtirem e, também, momento importante para ensiná-las a se virarem em situações como essa - porque a vida não dá trégua, não é? Cedo ou tarde, nós, pais, temos que enfrentar isso", fala Mah, que reside em Nilópolis, no Rio de Janeiro, e tem 40 anos.

Boas experiências

Para a psicanalista Paloma Carvalhar, eventos do gênero podem ser bem proveitosos para os adolescentes, sobretudo no âmbito cultural. "Frequentar esse tipo de ambiente expõe os filhos às diferenças culturais e permite que conheçam pessoas de diferentes faixas etárias, classes sociais, grupos de interesse e linhas de pensamento", afirma.

Sem contar que estar diante do ídolo pode ser, para muitos deles, a realização de um grande sonho. Foi o que aconteceu com Lara, 15 anos, filha da empreendedora Luana Alves Lourenço, 36 anos, de São Paulo. "Desde pequena ela ama o Justin Bieber e, quando soube que ele e a Demi Lovato se apresentariam, disse que queria ir ao Rock in Rio", conta a mãe.

Esta não é a primeira vez da adolescente em festivais de música. Aos 7 anos, já acompanhava os pais, fãs desse tipo de evento. A estreia da garota no RiR, entretanto, foi em 2015, pois queria muito ver Rihanna e Sam Smith. "Foi o presente de aniversário de 9 anos", fala Luana.

Como a filha teve experiências desde cedo, desta vez, o pequeno Lorenzo, 7 anos, integrou a comitiva familiar. "Foi o primeiro festival dele. Ele gosta muito do Post Malone e achamos que valia tentar levá-lo", diz a mãe. Com o pai Leandro, os quatro foram ao primeiro dia do RiR. No sábado passado, apenas Luana e Lara compareceram.

Conversa prévia é fundamental

Preparar e dialogar com os filhos é fase imprescindível para uma jornada musical, não apenas no que diz respeito ao bem-estar e segurança, mas também no que pode ser desencadeado. De acordo com a psicanalista Paloma Carvalhar, é possível que o adolescente enfrente outras questões, como:

  • se enxergar como "só mais um na multidão": por estar diante de milhares de desconhecidos, ele corre risco de sentir angústia, inseguranças e falta de pertencimento;
  • ter "estranhamento da liberdade": pelo ambiente ser menos controlado, se sinta perdido ou até pressionado a se expor, o que geraria ansiedade;
  • sentir a "autoestima e autoimagem abaladas": caso dê importância demais à imagem e às curtidas nas redes sociais em ocasiões como essa.

Para todas essas possibilidades, a conversa e os exemplos dos pais são bastante necessários. Isso, é claro, não deve ser abordado na última hora, mas fazer parte de um processo de confiança, construído ao longo dos anos.

"O principal é que há riscos relacionados à segurança e violência, que precisam ser conversados e orientados. É importante que o adolescente tenha consciência deles e tome todos os cuidados necessários. Deve-se conversar de forma aberta, mostrando que os perigos nem sempre têm cara de perigo", acrescenta Paloma.

Definindo regras

Outro ponto importante do papo prévio é entender as expectativas dos filhos, bem como alinhar combinados e definir regrinhas para a ocasião. Tanto Luana quanto Marcela não deixaram de conversar com os filhos sobre a logística e o "ritmo" do festival.

"Expliquei que são muitas horas de evento, que é cansativo e precisa ter disposição. Que não adianta chegar e depois reclamar que o pé está doendo ou que está com sono. Elas disseram que estão prontas", diz Mah.

Além do mais, a carioca estabeleceu ponto de encontro seguro para qualquer imprevisto e orientou as filhas a procurarem alguém uniformizado, como policial ou staff do evento - de preferência, do sexo feminino. "Ou que peçam ajuda a uma mulher comum, mas que esteja claramente com filhos também. São orientações que sempre dou a elas", relata.

O procedimento também é seguido por Luana. "Explico sobre os riscos e marcamos um ponto, caso a Lara se perca. E aviso que, se acontecer de ela se perder, que não é para se desesperar - deve curtir o show e, quando acabar, nos encontramos no ponto de encontro definido. Isso para não atrapalhar que ela viva o momento", diz.

Com o filho de 7 anos, a conversa foi um pouco diferente. "Dissemos ao Lorenzo que a ideia era ele se divertir, explicamos que é muito cheio e que ele deveria sempre ficar de mãos dadas sempre. Mesmo assim, marcamos um ponto de encontro, caso se perdesse. Obviamente, não ficamos na muvuca para evitar riscos com a aglomeração", fala Luana.

"Também explicamos que seria tudo no ritmo dele: quando quisesse comer, ir ao banheiro, beber água ou qualquer outra coisa, era só avisar. Até troca de roupa levamos", fala.

Confiança se constrói

É bom salientar que a base de uma boa conversa é, sem dúvidas, a confiança. Contudo, confiar em alguém - e isso inclui pais e responsáveis - não acontece do dia para a noite. Nesse sentido, a psicóloga Daiane Daumichen salienta que o processo deve acontecer desde a infância, no dia a dia.

"Muitos pais não criam relacionamentos com abertura para diálogos com seus filhos, quando crianças, por falta de tempo ou paciência, mas depois reclamam que, quando adolescentes, eles não falam sobre suas vida", comenta.

O diálogo pode e deve ser mantido inclusive no pós-evento. O lado bom e facilitador é que existência de um ambiente familiar saudável permite que os responsáveis perguntem sobre a experiência de forma aberta, sem soar como um interrogatório.

"Conte também algumas das suas histórias de quando tinha a idade dele, exponha, com muito cuidado, parte de suas vulnerabilidades e seja uma referência positiva para inspirar seu filho a lidar com as questões da adolescência, mostrando que ele tem em você uma segurança emocional de orientação, e não de punição", sugere a psicanalista Paloma.

Não tenha medo de ser "chato"

Eventos menores, em que a entrada de adolescentes desacompanhados é permitida, ou mesmo festas entre amigos podem ser experiências prévias que ajudam os pais na decisão de liberá-los ou não para eventos maiores.

Em todas as situações, entretanto, os responsáveis não devem ter receio de serem vistos como inconvenientes. A psicóloga Daiane sugere algumas medidas que ajudam a acompanhar a vivência dos filhos, sem que isso soe como intromissão:

  • Colete o maior número de informações possíveis, além daquelas que o jovem passar;
  • Explique que saber para onde ele vai, com quem, quando e o que fará é uma questão de segurança;
  • Peça para compartilhar a localização em tempo real, uma ferramenta disponível em vários aplicativos;
  • Estabeleça combinados e mande essas regras por escrito por mensagem, para não haver chances de ele "esquecer";
  • Ao mesmo tempo, deixe claras as consequências, caso essas regrinhas sejam quebradas.

"Os adultos podem 'participar' desse momento de forma sutil, pedindo fotos ou uma videochamada na hora em que tocar aquela música que o pai ou mãe gostava tanto na adolescência", afirma Paloma.

É lugar de criança ou não?

Na opinião do psiquiatra e psicoterapeuta Wimer Bottura, presidente do Comitê de Adolescência da Associação Paulista de Medicina, o festival tem os mesmos riscos do dia a dia, porém, em dose concentrada.

"Aglomeração, agitação, euforia, assédios, abusos e pessoas drogadas tornam este tipo de evento mais perigoso para crianças a adolescentes", avalia. Além disso, o médico reforça a questão sobre entender se aquele menor quer mesmo ir ao evento ou se seus pais "acham" que ele deve ir.

Nesse último caso, ele aponta que vale se perguntar qual é o benefício dessa vivência, sobretudo quando comparada aos riscos existentes. "Temo que, para a criança, possa ser mais uma fonte de ansiedade do que de prazer", afirma o especialista.

No fim das contas, decisão é da família

A psicóloga Daiane argumenta que não há um certo ou errado na definição de levar os filhos ou não. Segundo ela, um lugar adequado é aquele que os pais sentem segurança em deixar o filho, observando se ele está pronto para frequentar determinado ambiente e lidar com possíveis riscos.

"Prepare seu filho informando, explicando os perigos, enfrentando os erros e acertos deles e ajudando-o a se desenvolver. O condomínio onde mora pode ser tão perigoso quanto um show se esse filho não estiver preparado", compara.

"Cada família possui as suas individualidades e subjetividades, logo, cada adulto deve tomar as decisões do que é importante para o seu filho com base também no histórico dele, avaliando suas necessidades e limitações", conclui a especialista Paloma.