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'Laqueadura abusiva': mulher passa por procedimento irreversível sem saber

Fábio Rodrigues e Silvane Alves, no hospital após o parto de seu primeiro filho - Arquivo pessoal
Fábio Rodrigues e Silvane Alves, no hospital após o parto de seu primeiro filho Imagem: Arquivo pessoal

Ed Rodrigues

Colaboração para Universa, do Recife

10/09/2022 15h19

Imagine planejar uma gestação, fazer todas as projeções de vida que a chegada de uma criança promove, mas descobrir que, naturalmente, esse sonho já não é possível. Triste, não? E se a impossibilidade tiver sido provocada sem o seu consentimento? Em Rondônia, um casal foi surpreendido com a informação de que a mulher havia passado por uma laqueadura —procedimento considerado irreversível— durante o parto do primeiro filho, que hoje tem 10 meses.

Revoltada, a família diz não autorizou o procedimento nem sequer foi consultada antes de ele ser realizado. A "laqueadura abusiva", como o casal está se referindo ao caso, foi denunciada à Polícia Civil, ao Cremero (Conselho Regional de Medicina de Rondônia) e à justiça do estado. A Polícia Civil abriu investigação.

O problema veio à tona quando a dona de casa Silvane Alves e o jornalista Fábio Rodrigues, ambos com 42 anos, decidiram ter o segundo filho. Mas ela não engravidava. Os dois iniciaram, então, uma investigação para tentar descobrir se havia algo errado, mas, tirando o risco natural inerente à idade de Silvane, ambos estavam bem de saúde. Decidiram procurar a Maternidade Municipal de Ji-Paraná, onde o primeiro filho nasceu, para ter acesso ao prontuário médico e ver se havia ocorrido algum problema durante o parto.

"Tomamos um susto quando olhamos o prontuário. Estava lá: fui laqueada no dia em que meu filho nasceu. Estava escrito na última folha do prontuário. O médico retirou as fímbrias. Isso é irreversível. Agora, para ter a nossa filha, temos de fazer fertilização in vitro. Custa R$ 30 mil cada tentativa", contou Silvane a Universa.

O médico responsável pelo parto foi identificado como Eliedson Vicente de Almeida. De acordo com a dona de casa, o profissional teria justificado o procedimento alegando risco à saúde dela. Como deu entrada na unidade com pressão alta, o médico avaliou risco de eclampsia e não pediu autorização à gestante ou ao marido dela para realizar a laqueadura.

"Ele não deveria ter feito isso. Para laquear tem que passar por psicólogo e avisar 60 dias antes. Eu estou quase com depressão. E me sinto invadida. Ele passou por cima de tudo", diz Silvane.

Universa procurou o médico para obter sua versão dos fatos, mas o profissional não quis se posicionar. A reportagem também procurou a Prefeitura de Ji-Paraná, responsável pela maternidade pública, por meio de sua assessoria de imprensa. O órgão disse que emitiria um comunicado, mas não o fez até esta publicação.

Já o Cremero informou que protocolou a denúncia e que uma sindicância será instaurada para apurar os fatos, na qual o médico será ouvido.

A médica Ilza Maria Urbano Monteiro, vice-presidente da Comissão Nacional Especializada em Anticoncepção da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologista e Obstetrícia), explica que há dois tipos de laqueadura: nas trompas e nas fímbrias. De acordo com Ilza, o médico pode realizar a laqueadura quando entende ser compulsória, ou seja, que quando avalia que há um risco materno para uma nova gestação. Como rege a lei federal nº 9.263, de 1996, no seu artigo 10, parágrafo 2.

"A laqueadura pode ser feita quando há risco à vida ou à saúde da mulher ou do futuro concepto, testemunhado em relatório escrito e assinado por dois médicos. Nesse caso, ele [o profissional] cortou a porção final, que encosta no ovário. Existe uma cirurgia para refazer a fímbria [neofímbria]. Mas de maneira gratuita, ela só conseguirá realizá-la em hospitais maiores, como os universitários. E o procedimento, no entanto, tem poucas chances de sucesso", explica Ilza.