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Só 6 anos a mais: os conflitos entre madrastas e enteadas com idade próxima

Katia (à esquerda) tinha 26 quando começou a se relacionar com o pai de Clarissa (centro) que, na época, tinha 19 e Isabella (à direita), que tinha 11  - arquivo pessoal
Katia (à esquerda) tinha 26 quando começou a se relacionar com o pai de Clarissa (centro) que, na época, tinha 19 e Isabella (à direita), que tinha 11 Imagem: arquivo pessoal

Glau Gasparetto e Thaís Lopes Aidar

Colaboração para Universa, de São Paulo

11/09/2022 04h00

Clarissa Perillo, assessora de relações públicas, tinha 16 anos quando seu pai Sérgio assumiu a nova namorada, Kátia Valéria Antônio, à época com 22. Não era o primeiro relacionamento após a separação da mãe, cerca de três anos antes, mas a idade parecida das duas tornou tudo mais dramático.

"Foi bem difícil na época. Primeiro, ter que aceitar que meu pai namorasse alguém que não fosse minha mãe. Depois, uma namorada de quase minha idade, era demais! Tivemos um relacionamento conturbado por muitos anos, embora a Kátia tenha sempre se esforçado muito em agradar", diz Clarissa.

O ciúme do pai, tanto por parte da filha como da namorada, era recíproco e só acabou graças ao amadurecimento de ambas, a convivência e o passar dos anos. Para Clarissa, ver o amor da madrasta pelo genitor fez com que ela adotasse outra postura em relação à relação.

"Não tem como ficar imune a isso, então, com o tempo e a maturidade, a gente passa a entender e enxergar coisas que não eram possíveis por conta da própria vivência. E hoje, realmente, a considero uma amiga", afirma Clarissa.

Muita terapia e conversa

Para Kátia, a proximidade de idade também não foi um fator simples no começo da relação com o pai das garotas, que tinha 52 anos na ocasião. "Precisei de muita terapia, porque eu não conseguia enxergar qual era o meu papel. Mas o tempo foi o melhor professor e aprendi que o amor, carinho e compreensão vencem qualquer obstáculo quando realmente se quer", compartilha ela, que se casou com Sérgio em 2006, depois de 7 anos de namoro.

A irmã mais nova de Clarissa, Isabella, tinha 11 anos quando conheceu a madrasta. No caso dela, a diferença de idade era maior e a relação, mas fácil. Isabella diz que nada foi mais problemático do que o divórcio dos pais. "Tenho convicção de que todas as minhas escolhas pessoais e profissionais foram pautadas por esse episódio. Esse tema me incomoda até hoje. Já na relação com a Kátia, foi tudo tranquilo. O tempo a tornou alguém mais íntima e parte da família. A maturidade facilitou compreender que se tratam de escolhas feitas há cerca de 25 anos por pessoas adultas", diz Isabella.

Segundo a psicóloga Lucy Carvalhar, especialista em terapia centrada na pessoa e terapia cognitivo comportamental, a conversa a sós é o primeiro passo a ser dado por quem está começando um novo relacionamento - tanto com os filhos, quanto com o par. Serve para firmar as regras e deixar claro que, apesar das idades similares, os papéis não devem se inverter.

"A pessoa que está entrando numa relação com alguém que tem filhos com idades parecidas deve estar atenta à questão da amizade. Até pode ser amiga dos filhos, porém, precisa entender que o papel ali é de madrasta ou padrasto, buscando sempre o contexto hierárquico, e nunca promovendo discussões de igual para igual. Se houver conflitos, deve-se falar com o par a fim de solucioná-los", orienta Lucy.

No dia a dia, significa que filhos e madrastas/padrastos até podem ir juntos ao futebol ou fazer compras no shopping, desde que sejam respeitadas a posição de cada um no relacionamento. Da mesma forma, é importante não querer substituir ninguém, pois isso certamente vai gerar conflitos.

"É importante que cada um cumpra o seu papel e, principalmente, que sempre haja um diálogo. Além disso, o comportamento genuíno, verdadeiro, é fundamental", argumenta a especialista.

Resistência dentro de casa

"É comum que os filhos resistam diante dos relacionamentos dos pais, porque, muitas vezes, veem o novo parceiro como um elemento ameaçador. É como se estivessem sendo deixados de lado e em segundo plano, gerando, assim, ciúmes, insegurança e até a competitividade", afirma Lucy.

Existem duas outras razões bastante comuns que dificultam a aceitação: a escolha em não se apegar nessa pessoa por não acreditar na estabilidade da nova relação, já que os pais se separaram; e o medo da nova figura substituir um de seus pais no contexto familiar.

Nesses casos, alguns sinais podem ser observados no comportamento dos filhos. "Vale observar se ele fecha no seu mundo, se não quer sair com o casal, se procura sair apenas com os amigos, se se torna agressivo e irritado, sempre procurando competir com aquela pessoa que chegou por se sentir rejeitado", aponta Lucy.

A orientação da psicóloga é dar atenção a esse comportamento, principalmente ao notar sinais de ansiedade, depressão e irritabilidade.

Não existe receita de bolo

Apesar de essa situação não ser rara, costuma ser difícil para a maioria dos envolvidos, sobretudo porque a idade próxima tende a confundir os papéis - como relatado por Kátia, a madrasta. A grande questão é que não existe uma fórmula mágica para lidar com isso, já que pessoas e famílias são únicas e, consequentemente, reagem de maneira singular.

"Essa forma de reagir está baseada em experiências anteriores, crenças e conceitos de cada um. O que podemos considerar é que, na maioria das vezes, existem questionamentos e resistência dos filhos em relação aos parceiros dos pais serem muito mais jovens que eles", argumenta a psicóloga Daiane Daumichen.

De acordo com a profissional, o mais difícil ainda é trabalhar a diferença de idade. Mesmo assim, ela é categórica ao dizer que os filhos precisam respeitar as decisões dos pais, mesmo que leve tempo e seja desconfortável.

Dicas práticas podem ajudar

Certas atitudes e estratégias podem melhorar a convivência entre pais, filhos, namorados, enteados, madrastas ou padrastos e toda essa nova configuração familiar. A seguir, Daiane elenca as principais:

Antes de apresentar o novo par, o pai ou a mãe precisa ter certeza de que a relação está sólida. Afinal, quanto mais os filhos perceberem que pais estão felizes e seguros, menor será a possibilidade de conflitos;
Se a apresentação for mesmo acontecer, é bom conversar com os filhos previamente. O ideal é usar o momento para tirar dúvidas deles e reconhecer o impacto emocional dessa notícia;
Também é essencial deixar tudo às claras com o parceiro é essencial. Desse modo, mesmo se a reação dos filhos for ruim, a pessoa que está chegando precisa saber o que ocorre e ter paciência. O melhor caminho é não fantasiar ou fingir que está tudo bem;
Por mais que pareça difícil, trata-se de um processo. Logo, a convivência tende a melhorar. Respeitar o tempo da assimilação da notícia e do convívio poderá trazer resultados muito satisfatórios.

"A pior coisa para uma relação é impor algo. Por mais que o novo par queira participar de eventos e visitas com os enteados, é muito mais sadio aguardar o momento certo para unir todos, sem conflitos", considera a psicóloga.