Unidas por ex abusivo, atrizes tentam juntas curar trauma de violência
As atrizes Ana Hikari e Georgina Castro foram vítimas de violência durante um relacionamento amoroso. Para além da dor, o que as une é que elas foram vítimas do mesmo homem, que elas preferem não identificar. Ana foi agredida fisicamente e processou o ex, com quem se relacionou por nove meses. Georgina sofreu abusos psicológicos e, assim como Ana, por causa da manipulação, não conseguia colocar um fim no relacionamento mesmo após sofrer violência.
Ana foi a primeira a sofrer agressão, em 2016. E logo na sequência foi à delegacia e fez a denúncia. Na mesma semana, já existia uma medida protetiva contra ele. Após três anos de processos, ele foi condenado e neste momento recorre da decisão em segunda instância.
Georgina viveu um relacionamento com o mesmo homem após o término de Ana. Ela não sabia do histórico de agressão do ex e também ficou cerca de 9 meses com ele. Mas, quando leu um depoimento de Hikari na imprensa sobre o que tinha passado percebeu que estava com o mesmo homem. Nessa época, suas desconfianças sobre o comportamento dele escalonavam. A "ex-louca" como ele costumava a se referir a Ana, agora tinha nome e uma história.
Da história de dor de Ana e Georgina surgiu uma amizade. Geo tinha medo de procurar Ana, e da forma como ela iria reagir. "Me vi vítima de violência psicológica de um cara que já estava respondendo a processo por violência contra mulher. Não me reconheço naquilo que vivi com ele, eu parecia outra pessoa. A Georgina que sou hoje teria procurado a Ana no primeiro momento", diz.
O que era vergonha, se tornou acolhimento
Após uma troca de mensagens, Georgina e Ana marcaram de se falar por Skype. Era o começo da pandemia e os encontros presenciais estavam vetados. O que era medo e vergonha, se tornou acolhimento. "Quando eu procurei, ela me recebeu de uma maneira tão linda, aberta e generosa. Foi uma conversa linda e empática. Acho que foi aí que comecei a me perdoar", fala Georgina. Ana, que já tinha passado por toda aquela dor, sabia o que dizer para ajudar nesse processo de cura.
"Senti vergonha com todo o processo. Se não fosse minhas amigas e minha advogada, que é de um grupo feminista e voluntária na luta em defesa das mulheres, eu teria desistido. Quando conversei com a Geo, reconheci essa sensação dela. Eu sabia que a vergonha que ela estava sentindo não pertencia a ela. E disse isso. Quem tem que ter vergonha e sentir culpa é quem fez isso com a gente", conta Ana.
A amizade das duas foi fundamental para que Georgina, vítima mais recente do agressor, conseguisse seguir em frente. "Tivemos nossa primeira conversa de forma completamente despretensiosa, de coração aberto. E foi assim que surgiu uma conexão muito bonita", fala Georgina. Para a atriz, elas já transcenderam a violência e a relação ganhou novos pilares, de admiração mútua e de bem querer. Rolou, e ainda rola, muita sororidade.
"Nós fomos vítimas da mesma pessoa e nos unimos. Juntas só nos fortalecemos. Todo o apoio que recebi e recebo até hoje da Ana, e a situação traumática que ambos passamos, nos uniu", Georgina Castro
Diferentes tipos de violência
Carisma, mentiras, rompantes de violência e amor extremo. Tanto Ana Hikari quanto Georgina Castro viveram situações muito semelhantes durante o relacionamento que tiveram com esse mesmo homem. "Ele não era um homem maravilhoso, era uma relação um pouco tóxica, mas nada era evidente. Qualquer homem pode ser um agressor, basta ser homem e você ser uma mulher. O mais complicado é que não tinha indícios explícitos", diz Ana. No dia da agressão, ficou se questionando se tinha que ter desconfiado antes.
Já com Georgina a percepção foi outra. Na época, o homem já estava respondendo ao processo de violência doméstica de Ana. "Ele me contava uma versão bem diferente, se colocando sempre no papel da vítima. Nós chegamos a terminar, mas ficamos só uma semana separados. Antes desse término, ele sempre se mostrou doce, amável, carinhoso. Tanto que quando eu soube do processo, parecia que estavam falando de outra pessoa", fala Georgina.
Como muitas mulheres em relacionamentos abusivos, foi difícil para ela colocar um ponto final. "Ele revertia tudo de uma maneira em que era sempre a vítima. Em toda a relação eu vivi um conflito muito grande. Ao mesmo tempo que minha intuição dizia para eu sair, eu não conseguia", fala.
Tanto Georgina como Ana citam a manipulação como algo muito presente na relação. "Foi difícil pra mim identificar que eu estava em uma situação de risco. Era o ciclo da violência: vivíamos períodos de discussões intensas, chegávamos ao limite, ele revertia tudo e se vitimizava. Se não funcionasse, vinha a lua de mel", diz Ana.
Georgina narra que ele a levava ao limite da frustração, para vê-la chorar e se descontrolar, e depois "curava esse momento" com sexo. Isso era um padrão na relação. "Parecia um traço de psicopatia. Ele me achava uma mulher forte e se sentia inferior. Fazia um jogo para me levar até o limite, para eu me descontrolar, para que ele se sentisse forte. E depois disso, vinha o sexo", conta. Para ela, era possível ver a satisfação dele, mas ela se via confusa em meio ao caos.
"Isso aconteceu várias vezes. Eu transava meio sem querer, mas queria que ficasse tudo bem. Era uma situação de poder que me deixava confusa", afirma Georgina.
Parte da manipulação desses relacionamentos eram as mentiras. Uma delas, Ana Hikari descobriu apenas após um pequeno incêndio no apartamento do primeiro andar de seu prédio causado por uma bituca de cigarro - quando ele disse a ela que tinha parado de fumar. "Era uma série de mentiras absurdas que eu ia descobrindo aos poucos", diz Ana.
Com Georgina, uma mentira ocasionou um ato violento. "Em uma madrugada, acordei com ele me empurrando na cama. Ele estava fingindo que estava dormindo. Eu o chamava e ele não acordava. Quando fui mais enérgica e ele "acordou", já veio com o dedo na minha cara e gritando comigo", conta. Na sequência, Georgina o expulsou de casa. "Ele começou a quebrar tudo, bater porta de armário. Fiquei paralisada na cama, só tremia", fala.
Depois dessa briga, eles reataram, mas a confiança nunca mais foi a mesma. "Eu não estava bem, estava apreensiva, pisando em ovos. Questionava tudo o que ele falava. Era um inferno viver com ele, a convivência era dificílima", afirma Georgina.
Traumas e gatilhos
"Se vejo alguém parecido com ele em festa de amigos, me dá taquicardia, fico mal. Acho que ele pode aparecer e me agredir de novo" Ana Hikari, atriz
Ana faz terapia há anos e já está bem melhor com a situação mas ainda tem dificuldade em novos relacionamentos afetivos."Tenho que tomar muito cuidado a qualquer sinal, movimento mais agressivo. Até na relação sexual. Porque volto imediatamente para aquele dia, para a sensação horrível que é reviver psicológica e até fisicamente a sensação daquele dia", conta a atriz.
O medo de acontecer novamente fez com que Georgina se afastasse de pessoas que, por exemplo, falassem mal de ex-companheiras, como já acontecia com ela anteriormente. "Aprendi a nunca duvidar da palavra de uma mulher. Se o homem fala que a ex é louca, chama de problemática, já me ligo. Aconteceu até de eu me afastar de um homem por causa disso", diz.
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