'Achei que morreria': de chá a injeção, perigos de métodos para emagrecer
Alice Conrado, 41 anos, sempre viveu em guerra com a balança. "Estava sempre de dieta, fazendo todas as maluquices. Passei anos nessa situação: muito magra, muito gorda, muito magra, muito gorda. Depois que minha primeira filha nasceu, ganhei 26 quilos. Já tomei de tudo, de anfetaminas, laxantes e chás a Ozempic [injeção que produz substância que inibe as sensações de fome e promove saciedade no cérebro]. Quando ingeria anfetaminas, secava uns 15 quilos rapidamente. Depois, engordava 20. Era sempre isso: quando parava, engordava o dobro", relata a relações públicas.
Ela conta que voltou a ganhar peso na gestação do segundo filho, hoje com 5 anos. "Foi aí que conheci o Ozempic, que tomava uma vez por semana. Antes dele, era o Victoza [medicamento destinado ao tratamento de diabetes] diariamente. Comecei por esse. Mas não conseguia beber água de tanto que enjoava; achava que ia morrer. A pressão baixava, era uma coisa horrorosa. Fazia jejum total, porque qualquer coisa que colocasse na boca, eu vomitava. Era nesse nível", relembra.
"Quando lançaram o Ozempic, um amigo meu emagreceu uns 20 quilos", continua Alice. "E resolvi tentar. Mas passava muito mal. Tomava a injeção e quase ia pro hospital. Bebia um gole de água e enjoava, ficava de cama. E quando passava um mês sem tomar, engordava, mesmo comendo pouco. Chegou a pandemia, engordei muito, fui para a fila da cirurgia bariátrica e não passei. Estava com quase 95 quilos.
"Esses chás que as blogueiras tomam, comprei também. Mas não fazem absolutamente nada para mim além de me deixarem enjoada. Tomei um de sete ervas e descobri depois que era super perigoso. Então, resolvi fazer dieta da minha cabeça, cortei os carboidratos, mas emagreci mais. Entrei num efeito platô muito complicado e só assim resolvi ir ao nutricionista. Só consegui ter paz com reeducação alimentar a longo prazo. Não é rápido. Mas já estou nessa há dois anos."
"Quem tem hábito 'beliscador' não se beneficia"
Assim como Alice, muitas mulheres ainda fazem loucuras para perder peso, seja tomando Ozempic para emagrecer —sem indicação ou acompanhamento médico— ou apelando para os chás "milagrosos" feitos de mix de ervas. Por isso, fomos investigar cada uma dessas tendências que podem colocar sua saúde em risco.
A injeção de Ozempic produz uma substância chamada GLP-1, que tem funções como melhorar a secreção de insulina no pâncreas, induzir o estômago a se esvaziar mais devagar e controlar as sensações de fome e saciedade no cérebro. "O Ozempic realmente prolonga a ação do GLP-1, diminuindo o esvaziamento gástrico e, consequentemente, acaba aumentando a sensação de saciedade", afirma Thais Mussi, endocrinologista pela SBEM (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia).
A promessa é de uma perda média de 15% do peso corporal em pouco mais de um ano. Mas os efeitos colaterais incluem náuseas e ânsia de vômito. "Alguns pacientes também podem apresentar diarreia, e outros, constipação", fala a especialista. "Ele seria indicado para pacientes que costumam comer compulsivamente. Quem tem hábito 'beliscador' não se beneficia tanto assim."
A nutróloga Esthela Oliveira explica que o remédio provoca o aumento da quantidade de insulina liberada pelo pâncreas. "Além disso, gera uma resposta de saciedade. O estômago vai esvaziando mais lentamente", diz. "A gente observa um efeito importante na obesidade e no emagrecimento, mas pode gerar efeitos colaterais, como náuseas, intestino preso, um pouco de dor de cabeça. Tem a ver com a dose: as maiores vão gerar efeitos maiores."
A médica diz ainda que o remédio é contraindicado para quem tem as enzimas do pâncreas alteradas —uma avaliação que deve ser realizada. E, como qualquer medicação para emagrecer, se não houver um manejo adequado (introdução aos poucos, aumento da dose e depois o desmame), o paciente pode não ter o efeito desejado a longo prazo.
"Nem tudo que é natural faz bem"
Há alguns meses pipocaram notícias de mulheres que tiveram complicações depois de tomar os ditos chás emagrecedores acreditando que um chá, ou um fitoterápico, sozinho, seria responsável por levar a uma perda de peso. E, mais que isso, por conter ingredientes naturais, muita gente acredita que quanto mais, melhor. E não é assim que funciona.
"Na nossa cultura existem várias receitas naturais para todo tipo de condição ou patologia. Mas nem tudo o que é natural quer dizer que faz bem ou é à vontade. E nem tudo que é natural é para todo mundo", pontua o nutricionista Thiago Monteiro.
Depois da morte da enfermeira Edmara Silva de Abreu, 42, em São Paulo, causada por uma hepatite ligada ao uso de um chá com 50 ervas, e da investigação da morte da cantora Paulinha Abelha, 43, que também fazia uso de remédios para emagrecer, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) divulgou uma lista com mais de 140 produtos emagrecedores que estão suspensos no país.
Vendidos como naturais, esses produtos contêm ervas como chá verde e cavalinha. Existem estudos mostrando os efeitos benéficos do chá verde, como propriedades anti-inflamatórias, devido à presença de catequinas (principal composto do chá verde responsável por seus efeitos benéficos), e antioxidantes. "Na perda de peso, temos tanto estudos que mostram efeitos benéficos, quanto os que não mostram nenhuma associação, de modo que não existe uma comprovação", diz a nutricionista Sophie Deram, autora do best-seller "O Peso das Dietas".
Quem sofre é o fígado
Sophie ressalta que existem pesquisas mostrando a toxicidade dessas ervas. "Tomar chá verde em jejum, por exemplo, aumenta seu potencial de toxicidade, assim como a dosagem e a pureza das catequinas são determinantes da toxicidade para o fígado."
Ele acaba sendo o órgão que mais sofre com a toxicidade desses "produtos naturais" porque é onde metabolizamos a maior parte das substâncias. "Alguns chás podem ser hepatotóxicos se consumidos em grandes quantidades e levar até a uma hepatite aguda, um quadro gravíssimo", diz Thiago.
Esses achados corroboram com a Sociedade Brasileira de Hepatologia: alguns poucos casos de hepatite do tipo hepatocelular têm sido descritos. Entretanto, há relatos de indicação de transplante hepático. E as mulheres são as mais afetadas.
Quanto à cavalinha, o consumo não é recomendado para lactentes, gestantes e pessoas com doenças do coração e renais, pois essa planta é conhecida pelo seu potencial diurético. Altas doses e uso continuado podem gerar, sim, problemas no fígado.
"É preciso diferenciar plantas medicinais, aquelas que têm tradição na medicina popular e apresentam capacidade de aliviar ou curar doenças, e fitoterápicos, medicamentos produzidos a partir das plantas medicinais (podem ser encontrados em forma de cápsulas, comprimidos ou xarope, contendo a própria planta, seu pó, extrato, óleo, etc.) que precisam estar regularizados pela Anvisa", alerta Sophie.
Outra questão: quanto mais ervas misturadas, mais perigoso, já que o efeito sinérgico é potencializado. "Sinergia é um processo no qual algumas substâncias são combinadas para alcançar um efeito maior do que separadas. Do mesmo jeito que um composto ou extrato vegetal pode remover ou neutralizar o efeito tóxico de um medicamento (sintético ou não), o contrário também pode acontecer. Então é importante ter cuidado e avisar o profissional de saúde responsável pela prescrição quanto ao uso de outros medicamentos ou substâncias", ressalta a especialista.
"As pessoas gastam dinheiro com algo sem comprovação científica, que em excesso pode fazer mal à saúde e muitas vezes atrelado a dietas restritivas, que a curto prazo pode gerar quadros de desnutrição e carências nutricionais e a longo prazo o efeito sanfona, o ciclo vicioso das dietas, um comer transtornado e até a compulsão alimentar", finaliza.
A recomendação é sempre evitar esses produtos com muitas ervas, destaca Thiago. "As cápsulas podem ser ainda mais perigosas, pois vão ter concentrações altíssimas."
Por isso, não dá para acreditar em falsas promessas de chá detox, chá que desincha, que desinflama, que emagrece. O que funciona são mudanças de hábitos e um estilo de vida saudável. Ter boa alimentação e praticar atividade física com frequência continuam sendo o caminho para emagrecer com saúde.
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