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Como lidar com diferença financeira quando irmãos têm pais diferentes?

ilkercelik/Getty Images
Imagem: ilkercelik/Getty Images

Colaboração para Universa, de Universa

17/09/2022 04h00

"Certa vez, o pai do Cauê e do Rafael chegou com um presente para eles e não deu nada para a Allana. Era uma correntinha de ouro que ele tinha comprado com o nome das crianças. Ela ficou olhando com aquela cara de: 'E a minha?' Corri para comprar uma pra ela também, já que o pai dela não iria dar uma igual. Tenho muito problema com ele em tudo que envolve dinheiro".

Essa é apenas uma das muitas situações que a operadora de caixa Ana Claudia Bezerra, 36 anos, enfrenta há anos. Os meninos, de 12 e 11 anos, são filhos de um relacionamento anterior e a garotinha, 10 anos, de outro.

A diferença de paternidade impacta não apenas no orçamento da casa, como também no dia a dia das crianças, uma vez que até o pagamento da pensão, não chega igualmente para todas.

"Já tive que colocar o pai da minha filha na justiça para correr atrás dos direitos dela, pois não pagava a pensão, acordo de convênio médio. Já o pai dos meninos, em época de final de ano, ele dá pensão e até um 'décimo terceiro'. Então, como um paga e o outro não faz nada, às vezes acabo até tirando de um lado para cobrir o outro", admite a paulista.

A questão da grana entra para a lista de problemas da maternidade que a mãe, em boa parte das vezes, precisa assumir sozinha - querendo ou não. Mais do que o impacto financeiro causado pela paternidade que age de forma indiferente, há os efeitos no emocional, que contribuem para o esgotamento físico e mental da mulher e podem afetar, inclusive, as crianças.

"É pesado; tenho que carregar tudo. Trabalho fora, tem todo o tratamento do Cauê, que é autista, que exige mais de mim. Chego em casa à noite e ainda tenho que cuidar de tudo, tanto no financeiro, quanto no emocional. É cansativo, é desgastante demais, pois tenho que ficar brigando, indo atrás dos direitos da minha filha", fala Ana Cláudia.

O impacto nos irmãos

Além do peso da situação que recai sobre a mãe, a questão financeira afeta os irmãos - como no caso de Allana, à época com 3 anos, que não recebeu o mesmo presente que os irmãos, vivenciando a diferença paternal, sem entender o porquê disso.

Segundo a neuropsicóloga Deborah Moss, mestre em psicologia do desenvolvimento humano, o impacto dessa situação depende, principalmente, da faixa etária dos filhos, pois esse fator influencia no entendimento deles a respeito do acontecimento.

Ela pontua que o tratamento distinto oferecido às crianças pode, sim, impactar na autoestima e na autopercepção, fazendo-as pensar que não são boas o suficiente para o pai. "Mas quando elas são pequenas, a situação diz muito mais respeito aos pais do que aos filhos", observa Deborah.

Para minimizar experiências como essa, o recomendado é que os filhos aprendam a lidar com esse cenário desde que apresentem maturidade para o entendimento. "O impacto desse conflito, no futuro, estará diretamente relacionado a esse aprendizado", afirma Adriana Bauer, mestre em psicologia da educação.

Ainda de acordo com ela, para esse ensinamento acontecer, o papel da mãe é imprescindível. Isso porque cabe a ela conduzir a situação, mostrando aos filhos que nem sempre é possível ter aquilo que se deseja.

Por isso, caso a mulher encontre dificuldades nesse processo de explicar as diferenças entre os pais - e até a importância disso -, ela deve considerar a busca de auxílio profissional.

Mãe é intermediadora

"O comportamento da mãe é acolher sem julgar, porque ela também tem uma opinião sobre o pai do filho e, talvez, até faça suas comparações. Mas vai precisar ser neutra no acolhimento das angústias, aflições e comparações dos filhos", comenta Deborah.

Dessa forma, o ideal é não passar às crianças - e até aos adolescentes - uma visão enviesada do que acontece. O mais indicado é demonstrar que, apesar da situação, a mãe está ali, disponível e pronta para acolher esse filho e entender seus sentimentos.

A mulher, entretanto, não deve carregar o peso sozinha. Para aliviar a carga gerada pela diferença financeira entre os irmãos - e até eventuais perrengues na pensão e outros acordos financeiros -, o contrato é a solução mais indicada pelas especialistas.

Ou seja, deve-se documentar tanto as questões financeiras, em papel e judicialmente, quanto acordos emocionais feitos entre a família. Adriana defende que os acordos familiares tendem a minimizar os conflitos e seus impactos na vida familiar.

O dinheiro é da família

Presentes e experiências proporcionadas pelo pai, individualmente, talvez não possam ser equiparadas. Contudo, se houver uma discrepância no valor pago de pensão por cada um dos pais, o entendimento de que os valores são um patrimônio familiar deve ajudar.

Segundo o educador financeiro Tiago Cespe, da Cespe Educação Financeira, a orientação para uma casa é que as finanças sejam vistas com uma coisa só.

"Na minha visão, se há dois filhos de pais diferentes e cada um tem uma condição financeira diferente, não se pode dar uma supereducação ou conforto para o que ganha mais e não dar nada para o que ganha menos", diz Tiago.

Por isso, do ponto de vista da edução financeira, o ideal seria somar os valores recebidos de pensão e dividir pelo número de filhos. Assim, a renda de cada um seria a mesma e, consequentemente, seu estilo e qualidade de vida também.

Tiago observa que o conceito de "dinheiro da família" igualmente ensina a importância do compartilhamento entre irmãos.

"Lógico que isso vai fugir um pouco na hora em que o pai for dar um presente mais caro para um dos filhos, mas temos que pensar que esse item pode ser usado por ambos, como no caso da bicicleta", exemplifica o educador financeiro.