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'É preciso parar de falar em empoderar mulher', provoca Melinda Gates

Melinda Gates - Gonzalo Fuentes/Reuters
Melinda Gates Imagem: Gonzalo Fuentes/Reuters

Mariana Araújo

Colaboração para Universa, em São Paulo

19/09/2022 18h18

A cientista de computação e ativista pela inclusão de mulheres no mercado de trabalho Melinda Gates, que junto ao ex-marido e fundador da Microsoft, Bill Gates, administra a Bill & Melinda Gates Foundation —maior organização filantrópica do mundo—, levou uma provocação ao plenário das Nações Unidas no primeiro dia da semana de Debate Geral, nesta segunda (19).

A Assembleia ainda contou com intervenções da banda coreana Blackpink, discursos da atriz Priyanka Chopra Jonas e da ganhadora do Nobel da Paz Malala Yousafzai, além de versos pró-desenvolvimento sustentável entoados pela poetisa Amanda Gorman —conhecida por sua participação na cerimônia de posse de Joe Biden como presidente dos EUA.

Melinda salientou o peso na economia global da forçosa saída de cena das mulheres durante a pandemia de Covid-19, sobrecarregadas com o cuidado aos filhos e aos idosos da família.

"Precisamos parar de falar sobre empoderamento feminino, temos só que garantir que as mulheres tenham poder", propôs a bilionária. E a noção de poder de Melinda é bastante clara e objetiva: "Temos que garantir que as mulheres tenham dinheiro, porque dinheiro é poder".

"Não é apenas botar a comida na mesa, mas tomar decisões a respeito dessa mesa. [Não adianta] receber [auxílio de] política pública, mas também participar das decisões quando as políticas são criadas", opina.

Melinda acredita que toda a sociedade —inclusive os homens— saem beneficiados quando mulheres têm dinheiro na mão. "Elas são multiplicadoras de forças. Quando têm autoridade de tomar decisões, autonomia sobre seu próprio corpo, suas famílias são mais saudáveis, seus filhos estão na escola e suas famílias mais ricas."

A empresária apresentou ainda um dado interessante: programas de assistência financeira (como o Auxílio Emergencial do Brasil) em Uganda que depositaram valores em carteiras digitais especialmente para mulheres foram mais eficientes, segundo ela, porque maridos e sogros não puderam alcançar o dinheiro destinado às donas de casa.

"As mulheres investiram em seus negócios e eles se tornaram 15% mais lucrativos. Quando elas têm dinheiro, destravam todo tipo de benefício para suas famílias e para a economia mundial."

512 bilhões de horas não-remuneradas

O número acima é, segundo as Nações Unidas, o investimento de tempo em cuidados aos filhos e aos idosos que mulheres no mundo todo tiveram que dedicar durante o ano de 2020 com o fechamento de creches, escolas e outros centros de atendimento, devido à pandemia.

A conta, no entanto, não fecha e não apenas para elas. A ONU aponta que trilhões foram perdidos na economia formal porque mulheres foram obrigadas a "desviar o foco" da carreira para atividades domésticas de maneira desproporcional em relação aos homens.

"Queremos dar um cuidado carinhoso a eles, mas há muitas e muitas tarefas. Se não consertarmos nossa economia e o fardo pelo cuidado que mulheres carregam, elas nunca terão seu lugar pleno na sociedade, não terão o emprego que querem", enfatiza Melinda.

"Mulheres vão te dizer: 'Não tenho ninguém com quem deixar meu filho, como posso cuidar da minha barraca na feira?'. Esse é um problema para quem tem renda baixa, mas para aqueles de média e alta renda também."

Malala sobe o tom e pede "fim da avareza"

Malala Yousafzai  - Divulgação/Cannes Lions - Divulgação/Cannes Lions
Malala Yousafzai
Imagem: Divulgação/Cannes Lions

Enquanto Priyanka Chopra pontuou que o mundo alcançou "um ponto crítico" com as mudanças climáticas, o conflito na Ucrânia e a acentuação da pobreza, Malala Yousafzai considerou que o mundo passa por uma "emergência educacional" —especialmente para garotas.

A ativista relembrou que não só a guerra no país europeu tirou meninas da sala de aula, como outras crises recentes, entre elas a retomada do Afeganistão por parte do Taleban e as secas e enchentes em Uganda e no Paquistão, que impõem dificuldades para que mulheres estudem.

No entanto, em vez de ressaltar os benefícios que a educação promove para a vida de uma garota, a paquistanesa disparou que "todos já ouviram o bastante" sobre seus impactos individuais e na economia como um todo.

Malala foi cirúrgica e clamou pelo aumento de auxílio educacional, o cancelamento das dívidas estudantis —a exemplo do implantado "perdão" de até US$ 10 mil dado pelo governo dos EUA no último mês— e o comprometimento de 20% do orçamento de cada país para educação. Além disso, ela estabeleceu como meta para países desenvolvidos um alívio na cobrança de impostos de parceiros comerciais subdesenvolvidos para que o "desconto" seja investido nos estudos de meninas.

A vencedora do Nobel ainda pediu para a remoção de preconceitos de gênero dos currículos, melhora do conteúdo oferecido aos alunos e melhora da segurança para as garotas nas escolas. "Quantas vezes mais teremos que voltar a este palco para sermos ouvidas?", questionou, por fim.

Já Priyanka considerou que "é preciso ambição". "Cresci na Índia, onde o acesso à educação é uma dificuldade para muitas meninas, como é em outras partes do mundo", relembrou. Ela pediu ações afirmativas das autoridades presentes no plenário e classificou a educação como "pilar de democracia".