Topo

'Não toque minhas partes íntimas': educadora orienta crianças contra abuso

A educadora Shirlei Silva, que ministra oficina de educação sexual em SC - Divulgação
A educadora Shirlei Silva, que ministra oficina de educação sexual em SC Imagem: Divulgação

Fernando Barros

Colaboração para Universa, de Salvador

19/09/2022 04h00

Um vídeo em que um garoto de 7 anos fala em alto e bom som "não pode tocar na minha parte íntima", ao ser perguntado sobre o que fazer se alguém tentar se aproximar dele de forma indevida, viralizou nas últimas semanas nas redes sociais. A gravação foi realizada em julho deste ano durante uma oficina de educação sexual ministrada pela educadora Shirlei Silva, 41 anos, na Escola Walmor Ribeiro, em Ibirama, Santa Catarina.

No perfil da educadora no Instagram, a publicação já teve até o momento quase 1,4 milhão de visualizações e mais de 123 mil curtidas, fora a repercussão gerada a partir dos compartilhamentos em outros perfis e páginas da internet.

Em entrevista a Universa, Shirlei, que é de Blumenau, conta que a oficina faz parte de um projeto-piloto de educação sexual testado nos últimos meses em escolas de Ibirama e que o momento gravado corresponde ao final do encontro, quando ela costuma recapitular com os alunos o que eles aprenderam.

No vídeo, é possível ver Shirlei parabenizando o garoto pela resposta e o restante da turma aplaudindo. Segundo a educadora, a oficina alcançou mais de 4 mil estudantes de instituições públicas e privadas da cidade em diferentes séries escolares e a expectativa agora é ampliá-la para outros municípios do estado.

"Trabalhamos neste projeto com três pilares: prevenção, proteção e denúncia, em que o objetivo é ensinar as crianças e os adolescentes a se defenderem, mostrando que o abuso começa no toque e que eles não podem ser tocados sem autorização", diz Shirlei, que atua há 20 anos na área de educação e atualmente possui sua própria empresa para o desenvolvimento de projetos pedagógicos.

De abordagem lúdica à criação de propostas de combate a abusos

Ibirama - Divulgação - Divulgação
Ação do projeto de educação sexual nas escolas de Ibirama (SC)
Imagem: Divulgação

O projeto de educação sexual nas escolas foi desenvolvido por Shirlei juntamente com uma equipe multidisciplinar e tem uma metodologia voltada para diferentes faixas etárias. Ela explica que com os alunos mais novos, do 1° ao 5° ano do ensino fundamental, os conhecimentos são compartilhados de forma lúdica, envolvendo apresentação de vídeo, jogos e contação de histórias.

Uma das dinâmicas utilizadas, por exemplo, é o semáforo do toque, na qual, com o auxílio de um painel com desenhos e botões coloridos, a educadora mostra quais partes do corpo podem e não podem ser tocadas.

Já com estudantes do ensino fundamental 2, são realizados estudo de caso e rodas de diálogo e, no ensino médio, os jovens são estimulados a pensarem e criarem propostas pedagógicas para serem encaminhadas ao Poder Público sobre prevenção e combate a abusos e à exploração sexual infantojuvenil.

Shirlei conta, por exemplo, que as propostas formuladas pelos estudantes de Ibirama foram entregues ao prefeito da cidade em agosto. "Entre as sugestões deles, há ideias muito boas como rodas de conversa, atuação de psicóloga nas escolas e aplicativo para denúncias. Essa é uma maneira também de chamar o Estado à responsabilidade, que não é só das instituições de ensino, famílias e comunidade", avalia a educadora.

'Educação sexual nas escolas é necessária para prevenir e denunciar abusos'

Com a repercussão do vídeo da oficina em Ibirama, Shirlei afirma que ficou muito feliz por ter ajudado a lançar luz sobre um tema que precisa ser debatido: a importância da educação sexual nas escolas. "Após essa publicação, recebi mais de 500 mensagens de pessoas de diferentes lugares do país falando que sofreram abusos quando mais novas e que seria ótimo se tivessem tido acesso a esse tipo de trabalho na época, para saber como identificar, evitar ou coibir", relata.

Shirlei - Divulgação - Divulgação
Com a repercussão do vídeo da oficina em Ibirama, Shirlei afirma que ficou muito feliz por ter ajudado a lançar luz sobre um tema que precisa ser debatido: a importância da educação sexual nas escolas
Imagem: Divulgação

Somente em 2021, de acordo com dados do Anuário Brasileiro de Segurança Publica, 45.076 crianças e jovens de até 17 anos foram vítimas de estupro no país. Quando observada a faixa etária, a maior parte das vítimas tem entre 5 e 14 anos. No ano passado, também 1.797 crianças e jovens de até 17 anos foram alvo do crime de pornografia infantojuvenil e 733 sofreram exploração sexual.

É para combater estatísticas como essas que Shirlei acredita que a educação sexual nas escolas é necessária. "A escola é um lugar importante dentro do processo social, mas o currículo escolar acaba ficando engessado no ensino das disciplinas sem olhar outras temáticas importantes. Não estamos falando de ensinar sexo às crianças, como prega uma parcela da sociedade atrasada e fundamentalista, mas de ensiná-las sobre seu corpo, como se proteger e denunciar abusos."

A educadora acrescenta ainda que o silenciamento em torno dessa questão contribui para a perpetuação do abuso. "Muitas vezes, a demonização da educação sexual nas escolas ocorre por preconceito e ignorância, mas aquele que se coloca contra pode ser também um abusador e, por isso, não tem interesse que se lance uma luz nessa área", opina.

Shirlei - Divulgação - Divulgação
Shirlei Silva em entrega de propostas pedagógicas formuladas por estudantes do ensino médio durante oficina ao prefeito de Ibirama e sua equipe
Imagem: Divulgação

Além da escola, Shirlei defende que a educação sexual seja incentivada dentro de casa pelas famílias e na sociedade como um todo. Por isso, o projeto que desenvolve conta com uma fase inicial voltada para os estudantes, como a da oficina que viralizou, mas também etapas subsequentes voltadas para os professores e para a comunidade.

"A educação sexual passa pelo combate aos abusos sexuais, mas envolve também outros temas, como violência de gênero, machismo estrutural, LGBTfobia. Precisamos ampliar esse debate", finaliza.