'Com candidíase por 8 meses, senti nojo de mim. Banho de assento me curou'
"Cadê seu marido?" Foi com essa pergunta que o ginecologista me recebeu em sua sala, em uma Unidade Básica de Saúde (UBS) na Mooca, na zona leste de São Paulo. Eu estava com sintomas de candidíase havia uma semana, depois de ter transado sem camisinha com o ficante, e como não tinha convênio para um atendimento particular, procurei o serviço público. O ano era 2016.
A consulta durou cerca de cinco minutos e, depois de o médico rabiscar uma receita de fluconazol para mim e "para meu marido" —já que ele não aceitou o fato de que eu era uma mulher de 20 anos, solteira e com a vida sexual ativa—, saí do consultório direto para a farmácia do posto, onde peguei o medicamento, e voltei para casa com a certeza de que, ao fim do tratamento de 14 dias, estaria me sentindo bem novamente.
Não foi o que aconteceu. O resultado dessa consulta desastrosa foi oito meses convivendo diariamente com uma candidíase infernal— quem já sofreu com o problema sabe que a coceira e o corrimento são constrangedores. Somado a isso, havia ainda o sentimento de culpa por achar que a minha saúde e bem-estar tinham ido ladeira abaixo por ser uma mulher que faz sexo. E o cara com quem eu tinha transado? Sumiu depois que contei o que estava passando.
Banho de assento
Durante todo esse tempo, senti nojo de mim, era como se estivesse constantemente suja. Na época, mal sabia que a candidíase é um problema comum na saúde ginecológica da mulher cisgênero, podendo afetar aquelas que nunca nem tiveram relação sexual, além de também ser transmissível sexualmente, como foi meu caso. Isso eu descobri no Google, já que o médico não fez questão de me explicar do que se tratava aquele episódio da minha vida.
Foi fuçando na internet que também descobri um grupo de ginecologia natural no Facebook, onde mulheres compartilhavam uma série de relatos nos quais só tomar o antibiótico e usar a pomada vaginal não tinha sido suficiente para a candidíase sumir de vez. O que mais me chamou a atenção foi a quantidade de comentários sobre como o banho de assento havia se tornado, entre elas, uma prática para alívio dos sintomas. Resolvi tentar.
Comprei a maior bacia que encontrei. Das ervas mencionadas no grupo, escolhi o orégano sem saber que ele é um poderoso antifúngico e, portanto, o mais apropriado para tratar a candidíase, que se trata de uma infecção causada pelo fungo Candida albicans, segundo explicou a ginecologista natural Débora Rosa.
Coloquei a água para esquentar e fervi o orégano junto, como se estivesse preparando um chá. A essa altura, depois de oito meses vivendo com o incômodo da candidíase, lembro de ter pensado que era a minha última chance de voltar a viver em paz.
Parece um tanto dramático, mas eu já me sentia mergulhada em uma angústia na qual a culpa e a repulsa pelo meu corpo eram companheiras inseparáveis. Pensei se em algum momento eu faria as pazes comigo mesma.
Naquela hora, lembrei de quando era criança e vivia no interior de Minas Gerais, lá no Vale do Jequitinhonha, e tomava banho em bacias de alumínio nos dias em que o calor não dava trégua. De alguma forma, pensei que poderia tentar me reencontrar na inocência dessa lembrança.
Antes de me sentar na bacia, tomei um banho de chuveiro para me sentir minimamente limpa —os banhos haviam se tornando constantes. Depois disso, lembro de ter me sentado naquela água morna, encostado a cabeça na parede do banheiro e fechado os olhos.
Não sei se pelo aconchego da água, pela força da erva ou porque mentalizei muito para que aquilo desse certo, naquele mesmo dia senti um alívio não só dos sintomas, mas da angústia que havia se hospedado em mim. A partir daí, passei a realizar o banho, no mínimo, duas vezes ao dia. Quando tinha tempo, fazia três.
O banho de assento fez parte da minha rotina por cerca de um mês, quando também reduzi o consumo de carboidratos com o aconselhamento de outro médico. Ao final desse período, a candidíase desapareceu. Não posso dizer que foi como um passe de mágica, mas a cura fez parte de um processo de transformação e de reconciliação comigo mesma.
Orégano, camomila, calêndula
À parte o que é, para mim, herança ancestral deste país de folhas vivas, o banho de assento com ervas também é difundido nos consultórios de ginecologia por ser um aliado de boa efetividade —e baixo custo— no tratamento de infecções vaginais, segundo a ginecologista Carolina Cunha, da BP - A Beneficência Portuguesa, de São Paulo. Ela ressalta que o método pode ser usado com segurança, "mas não dispensa tratamentos associados, como o uso de cremes vaginais e remédios orais".
Tanto o fungo Candida albicans, quanto a Gardnerella vaginalis, bactéria causadora da vaginose, podem existir na vagina como parte da flora do organismo sem causar nenhum tipo de distúrbio na região. Os problemas podem surgir após o contato sexual, ou quando ocorre algum tipo de alteração do pH vaginal— seja para mais ácido ou mais básico—, o que facilita a proliferação desses agentes, segundo a ginecologista natural Débora Rosa.
Ervas como a camomila e o orégano, comumente usadas no banho de assento, têm propriedades antimicrobianas que atuam diretamente para conter a ação de fungos e bactérias, mas não se resumem a isso. "Uma planta pode ter até 200 princípios ativos, é como se fosse 200 remédios dentro da mesma caixa", destaca Débora.
Além de antifúngica e anti-inflamatória, a camomila também tem ação calmante, o que ajuda a amenizar sintomas como coceira e ardência, incômodos comuns em quadros de candidíase. Também é um importante cicatrizante contra corrimentos que deixam a região irritada, podendo ser usada para tratar vaginose e irritações do lado de fora da vulva.
"Outra erva que que tem uma propriedade cicatrizante e calmante muito boa é a calêndula, que pode ser usada no banho de assento com muito sucesso", afirma a ginecologista natural.
Apesar de não se tratar da folha, a casca da árvore de barbatimão é um tipo de antibiótico natural que pode ser usada para tratar vaginose bacteriana com o banho de assento. Neste caso, é importante manter a moderação no seu uso devido às suas propriedades adstringentes, segundo Débora. "Para aquele corrimento muito volumoso, a casca é boa porque dá uma secada, mas se usar sempre pode ressecar [a região]."
Quando não há sintomas a serem tratados, alerta a especialista, não recomendável que o banho de assento se torne um hábito, embora não haja contraindicações. Nestes casos, a vaporização, outra prática de ginecologia natural, pode ser uma escolha mais adequada não só para resolver questões da saúde ginecológica, mas também para rotinas de autocuidado.
Neste procedimento, em vez de usar água morna e sentar em uma bacia, o chá deve estar em uma temperatura quente o suficiente para criar vapor abundante e o líquido não deve entrar em contato com a vagina, que vai receber apenas a vaporização, já que a alta temperatura da água pode queimá-la. Para isso, é preciso ficar agachada sobre o pote com o líquido para receber o vapor, ou usar vaporizadores específicos para este fim. Este método só não é recomendado para quem está com candidíase, já que o fungo costuma gostar de calor.
Sachês não, folhas secas, sim
Ervas como a sálvia e artemísia, também anti-inflamatórias, são as mais usadas na vaporização para aliviar sintomas da menopausa e alterações menstruais, como fluxo intenso. "Mas essa prática também trabalha muito bem a intuição e várias doenças ginecológicas, como endometriose e síndrome do ovário policístico", afirma Débora.
A ginecologista e obstetra Andrea Rebello, que também tem a ginecologia natural como prática, explica que é importante escolher as ervas frescas para esses procedimentos, e dispensar o uso de sachês de chá. "Os sachês passam por um processo industrial em que a erva perde as propriedades terapêuticas", afirma. Apostar nas folhas secas também pode ser uma saída para ter as plantas por mais tempo em casa, já que desta forma é possível preservar os princípios ativos importantes.
"O banho de assento serve para muitas questões tanto físicas como emocionais. Mas, além das questões ginecológicas, como tratamento de corrimentos, pode ser usado também para alívio de pelo encravado, infecção urinária e hemorroida", destaca Andrea.
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