Em decisão histórica, STF obriga municípios a garantir vagas em creches
Em consenso, o plenário do STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu, nesta quinta-feira (22), que o Estado tem o dever constitucional de assegurar o direito à creche e pré-escola a crianças de 0 a 5 anos. Ou seja, os municípios não podem negar matrícula dizendo que há indisponibilidade de vagas.
Os ministros também rejeitaram a tese inicial do relator, o ministro Luiz Fux, que colocaria a condição de que a família teria que comprovar que não poderia pagar por uma creche na rede particular — o que era considerado um retrocesso por especialistas. Após voto dos colegas, Fux retirou a tese da comprovação financeira. "A educação básica em todas as suas fases — infantil, fundamental e médio — constitui direito fundamental de todas as crianças e jovens, assegurando normas constitucionais", decidiram os ministros.
Julgamento de paradigma
O caso teve início em 2008 quando uma mãe não encontrou vaga para seu filho na rede pública na cidade de Criciúma (SC). A situação da criança foi resolvida (ela foi atendida e conseguiu a vaga na creche), mas o município entrou com um recurso, alegando que o Judiciário não poderia interferir nas atribuições do Executivo e impor a destinação dos recursos.
O julgamento começou dia 8 de setembro e analisou um recurso do município, que dizia que não teria a obrigação de ofertar a vaga na creche — que no Brasil não é uma etapa obrigatória na vida escolar — e que poderia oferecer as matrículas de acordo com seus recursos e orçamento. O MPSC (Ministério Público de Santa Catarina), por outro lado, entrou com uma ação contra o município, afirmando que a educação infantil é um direito universal e constitucional.
O STF usou o caso para decidir sobre situações semelhantes no país. "Não era mais só o caso isolado da criança, mas sobre o tema do direito à creche e pré-escola. Este caso foi escolhido para ser o julgamento de paradigma, como é uma ação que vai ter repercussão geral em outros processos", explica o promotor de Justiça João Luiz de Carvalho Botega, coordenador do centro de apoio operacional da infância e juventude e educação do MPSC. "Ações de mães contra os municípios — através das defensorias, Ministério Público ou advogados particulares — para garantir vaga em creches mediante negativa são muito comuns. Essa decisão impacta em ações em todo o país."
O promotor pontua que os municípios se esquivam da obrigação dizendo que não é a etapa obrigatória. "Mas, na nossa interpretação, é facultativo os pais decidirem se querem matricular ou não seus filhos, não para o município fornecer ou não a vaga. Se a família decidir que quer incluir a criança na creche, o município tem que fornecer essa vaga compulsoriamente."
Educação deve ser direito universal
A ministra Rosa Weber argumentou a creche como direito público subjetivo e dever do Estado. "Não é permitido ao poder público permanecer inerte e omisso", disse.
Esta também é a opinião da advogada Marta Volpi, assessora de políticas públicas da Fundação Abrinq, entidade que atua na garantia dos direitos dos adolescentes e crianças e que participou do processo como amicus curiae ("amigo da corte"). "Estamos falando de uma política universal. É um direito da criança ter acesso a esse serviço. O fato de ter opções privadas não desonera o Estado dessa obrigação", diz.
O posto no plano nacional de educação colocou a meta de que, até 2024, metade das crianças na faixa etária de 0 a 5 anos estejam matriculadas na educação infantil. Entre as famílias mais pobres, apenas 24,4% das crianças de até 3 anos de idade frequentam creches no país. Ou seja, uma a cada quatro.
A especialista pontua que já foi provado que é fundamental para o desenvolvimento da criança na primeira infância."A luta histórica é por mais inclusão das crianças na educação infantil, que foi entendida como educação e saiu do lugar de apenas assistência, como somente um espaço de cuidado enquanto os pais trabalham e passamos a olhar como uma fase educacional."
Arrecadação de recursos ainda é desafio
Mesmo com a decisão do STF em garantir a matrícula, os recursos ainda são o grande desafio para o país chegar à meta. "De fato, o município tem a responsabilidade das ações, mas é o ente que menos arrecada. Precisamos corrigir isso e descentralizar o recurso", diz Marta Volpi. "Mas o município não pode apenas saber das dificuldades e dizer que lamenta por aqueles que não foram alcançados na política", completa.
"Mas isso é outro debate. Existe a discussão se aumenta arrecadação ou distribui melhor. Mas não dá para a criança ser prejudicada por isso, precisamos garantir esses direitos que o Brasil se comprometeu."
O promotor João Botega concorda com a visão da advogada. "Este julgamento é só um passo. Precisamos avançar no direito de todas as crianças e fiscalizar gastos em municípios em que a educação deixa de ser prioridade."
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