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Caso Saul Klein

A investigação envolvendo empresário, membro da família que fundou as Casas Bahia, acusado de crimes sexuais por 14 mulheres


Chefe de esquema de Klein diz que 'cumpria ordens' e pede R$ 4 mi em ação

Marta Gomes da Silva afirma ter trabalhado com Saul Klein por 14 anos; funções teriam relação com festas em que aconteciam abusos, segundo vítimas - Arte UOL / Reprodução
Marta Gomes da Silva afirma ter trabalhado com Saul Klein por 14 anos; funções teriam relação com festas em que aconteciam abusos, segundo vítimas Imagem: Arte UOL / Reprodução
Camila Brandalise, Pedro Lopes e Cristina Fibe

De Universa e do UOL, em São Paulo, e colaboração para Universa, no Rio de Janeiro

23/09/2022 04h00

Acusada de participar do esquema de Saul Klein, que envolve estupro e favorecimento à prostituição contra 14 mulheres, Marta Aparecida Gomes da Silva nunca se apresentou à polícia, mas falou pela primeira vez à Justiça no dia 28 de julho, em um outro processo, também ligado ao empresário.

Marta move uma ação trabalhista contra Klein, em que pede R$ 4 milhões de indenização por serviços prestados a ele sem a devida remuneração, de acordo com a versão dela. Alega que prestava diversos serviços a ele além da organização de eventos —onde, segundo as vítimas, aconteciam os abusos— e diz que chegava a acompanhá-lo nos banhos, escolhia sua roupa, fazia comida, lavava toalhas, separava medicações, olhava a agenda médica e chamava médico para consultas periódicas.

Em julho, ela compareceu à 3ª Vara do Trabalho de Barueri, na Grande São Paulo, e disse que tudo o que fez foi porque "somente recebia ordens" do empresário, entre elas a de abrir uma empresa, a Avlis, para poder receber seus pagamentos.

O depoimento de Marta vai de encontro aos argumentos de Saul, tanto nesta ação trabalhista quanto no caso criminal. De acordo com Saul, era Marta, por meio da empresa, quem organizava festas e contratava mulheres para os eventos que ele realizou entre 2006 a 2019. Ele afirma que não tinha conhecimento de como ela agia nem de que atuasse como aliciadora e que lhe pagava por cada um desses trabalhos, sempre em dinheiro e sem emissão de nota fiscal.

Para a Justiça do Trabalho, Marta afirmou que trabalhou para Saul de março de 2005 até março de 2019, sem interrupção, "exercendo função relacionada à organização das atividades pessoais e domésticas".

Cada caso um caso, diz a Justiça

Na audiência trabalhista, a defesa de Saul chegou a questionar Marta sobre "os eventos realizados na residência" dele, mas a pergunta foi barrada pelo juiz, que afirmou que a dúvida não tinha relevância nesse processo.

O nome dela é citado inúmeras vezes no inquérito criminal, que investiga Saul Klein por crimes sexuais. Os aliciamentos e abusos, segundo a polícia, aconteciam dentro de um complexo organograma envolvendo motoristas, recrutadoras e médicos. Marta é apontada como a chefe desse esquema, tanto pelas mulheres autoras da denúncia como pelo próprio Saul.

Até hoje, entretanto, ela não depôs à Polícia Civil —o inquérito está aberto desde dezembro de 2020.

A Avlis, empresa aberta por Marta, está envolvida na única decisão efetiva da Justiça na parte criminal: em maio, ela teve os bens bloqueados porque, segundo o juiz Fabio Calheiros do Nascimento, da 2ª Vara Criminal de Barueri, sua atuação na prática dos crimes "está bem explicitada nos autos".

Segundo a polícia, autora de um pedido de prisão preventiva de Marta em abril que não foi acatado pela Justiça, a Avlis está diretamente ligada ao esquema, pois era por meio da empresa que Marta contratava modelos, aliciava mulheres e organizava festas nas propriedades de Saul. Seria nessas situações que muitos dos crimes aconteciam.

O empresário nega todas as acusações.

Ao se referir a Marta no inquérito, a delegada Priscila Camargo afirma que "era ela quem mais lucrava com todos os serviços sexuais prestados pelas meninas", referindo-se aos bens em nome dela e do marido —pelo menos dois empreendimentos imobiliários estão registrados em seus nomes: um condomínio na praia de Maresias e um hotel em construção na cidade de Campos do Jordão, ambos em São Paulo.

Outro lado

A reportagem procurou os advogados de Marta e de Saul citados na ação trabalhista que ela move contra ele. Paulo Rodrigues Faia, que faz a defesa dela, afirmou que não tem o que comentar sobre o caso, apenas que está esperando a sentença da Justiça do Trabalho, uma vez que as partes e as testemunhas já foram ouvidas.

Representante de Saul, Álan Richard de Carvalho Bettini foi contatado por Universa via telefone e pediu que fossem enviadas perguntas por e-mail.

Em suas respostas, ele afirma que a relação entre Marta e Saul se limitou aos serviços contratados. "Saul contratou a empresa Avlis para organização/realização de eventos, a qual se apresentava personificada nas pessoas de Marta e Aldacir Roberto [Lopes Pereira Júnior, marido de Marta]."

Sobre a alegação de que a empresa teria sido aberta a pedido do empresário, o advogado afirma que "existem provas de que a empresa era ativa de fato, auferindo receitas e distribuindo lucros aos sócios". Diz, ainda, que as afirmações de Marta sobre dar banho e escolher roupa para Saul, entre outras funções, "não condizem com a realidade".

"A defesa segue a linha de demonstrar que Marta nunca trabalhou para Saul nos termos que a lei define como empregada doméstica", reforça o advogado.

Aliciadora faltou a interrogatório e polícia reforçou pedido de prisão

Marta também é investigada pelos crimes de organização criminosa, tráfico de pessoas, coautoria em estupros cometidos por Saul, falsificação de documento público e submissão de pessoas a condições análogas à escravidão.

Embora tenha sido intimada inúmeras vezes, nunca compareceu para depor. Após a finalização do inquérito policial em abril, a Justiça devolveu o caso à polícia negando os pedidos de prisão preventiva e solicitando novas ações —entre elas, que fosse colhido o depoimento de Marta.

Um interrogatório chegou a ser marcado para junho, mas um advogado de Marta entrou em contato com a Delegacia de Defesa da Mulher de Barueri, onde está o caso, para dizer que ela não compareceria pois um dos advogados estava com Covid.

O advogado de Marta na ação criminal, Paulo da Cunha Bueno, foi procurado pela reportagem e questionado sobre o motivo de ela ter comparecido à audiência no processo trabalhista, mas ainda não ter se apresentado para depor à polícia. Ele afirmou que "Marta só vai se manifestar nos autos, inclusive os criminais" e que não pode dizer quando ela vai comparecer ao interrogatório "porque a investigação corre em segredo de Justiça".