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Educação financeira para crianças: como falar de dinheiro com seus filhos?

Educação financeira deve começar na infância. Especialistas explicam porque - Shutterstock
Educação financeira deve começar na infância. Especialistas explicam porque Imagem: Shutterstock

Glau Gasparetto e Thaís Lopes Aidar

Colaboração para Universa, em São Paulo

23/09/2022 04h00

Se a sua relação com o dinheiro não é das melhores, é bem provável que isso seja consequência da ausência de "educação financeira" quando ainda não tinha idade para se preocupar com boletos. O termo pode até parecer meio esnobe, mas é uma das maneiras para evitar que a vida adulta seja atropelada por contas ou mesmo dívidas - e, também, aprender sobre investimentos.

Quem não quer perpetuar o cenário ou deixar esse "legado" para os filhos deve começar a ensiná-los a lidar com a grana o quanto antes, como fez Talita Mazzi, 37 anos, mãe de Isabela, 10, e Carolina, 5 anos. "Firmei um contrato de prestação de serviços com minha filha mais velha. O 'serviço' dela era lavar louça. Cada vez que lavava, ganhava um dinheirinho - na época, R$ 2. Assim, fui ensinando que o trabalho era recompensado e, quando não fosse executado, ela deixava de ganhar", conta Talita, que mora em Barueri e é presidente do conselho da MMP Materiais Pedagógicos.

Os ensinamentos da mãe ainda na infância foram tão bem-sucedidos que ativaram o modo "empreendedor" da filha. Hoje conhecendo mais sobre finanças, a menina confecciona pulseiras e as vende para os colegas. Isabela está economizando para comprar o presente que deseja, depois de ter sido orientada pela mãe a poupar.

Para Gustavo Rodrigues de Oliveira, coordenador do curso de Administração de Empresas da Faculdade Santa Marcelina, atitudes como a de Talita não só educam como servem de incentivo a partir de um sistema de recompensa.

"A criança observa o valor do próprio esforço e é estimulada a poupar, planejar, aguardar e valorizar o que ganhou", diz o educador, que sugere a existência de um cofrinho para que as economias sejam guardadas.

Talita firmei um contrato de prestação de serviços com a filha de Isabela: 'Lavava a louça e ganhava um dinheirinho' - arquivo pessoal - arquivo pessoal
Talita firmei um contrato de prestação de serviços com a filha de Isabela: 'Lavava a louça e ganhava um dinheirinho'
Imagem: arquivo pessoal

Eliz Sapucaia, analista financeira da Terra Investimentos, salienta que a educação financeira é aprendizado para a vida como um todo. "Permite que a criança se torne um adulto com mais traquejo financeiro, ou seja, mantenha a vida financeira mais equilibrada e saudável no futuro", afirma a especialista em economia comportamental.

Tanto é verdade que ensinar sobre finanças deveria ser hábito dentro de casa, explorado de maneira saudável e lúdica. "É assim que se conquista responsabilidade para o bom uso do dinheiro, considerando necessidades e limites", reforça Gustavo.

Diálogo sobre dinheiro é importante

Os educadores defendem que falar sobre dinheiro dentro de casa deve ser algo natural. Em tempos como os atuais, isso se torna, inclusive, necessário. "Nesse cenário de crise econômica, de dificuldades e problemas, quanto maior a abertura e a transparência, melhor será o entendimento da criança em relação a conjunto de: recurso disponível, esforço e resultado", diz Gustavo.

Para o educador, é importante demonstrar aos filhos que nada é tão fácil e que alcançar algum bem material é resultado de esforço e dedicação e deve acontecer sempre de forma lícita. "Além disso, é necessário reforçar que tudo leva tempo, que não as coisas não são conquistadas tão rapidamente", diz.

Mas falar de um jeito e agir de outro não adianta nada. Os pais são espelhos para os filhos. "Eles só vão assimilar os ensinamentos se houver um exemplo positivo dentro de casa. Pais que gastam demais e irresponsáveis estimulam filhos a também serem assim", pontua Gustavo.

Quando começar

Segundo Eliz Sapucaia, por volta dos três anos, os pequenos fazem uma associação com dinheiro, mas ainda o enxergam como brinquedo. "Aos quatro anos já é possível ensinar o valor das coisas e a escolher entre itens que têm o mesmo valor", afirma a educadora financeira Aline Soaper, fundadora do Instituto Soaper de Treinamentos de Desenvolvimento Profissional e Pessoal (Efinc)

Apesar de entender que dinheiro é algo para gastar, ainda não há a clara noção sobre valores correspondentes. "As crianças acham que, quanto maior o volume em dinheiro, mais se tem. Quem nunca se deparou com uma delas acreditando que, com dez moedas de 10 centavos, tinha mais dinheiro do que uma cédula de R$ 10?", diz Eliz.

Entre sete e oito anos, quando começa a alfabetização, tal percepção passa a ficar mais tangível. "Nessa idade, passam a entender quanto vale e, também, já compreendem o conceito de troco e de juntar dinheiro", afirma Aline. Questões de crédito e débito podem ser ensinadas de forma mais simples, com exemplos do dia a dia, a partir dos nove anos.

Aos dez - ou seja, na pré-adolescência -, conceitos mais amplos, como investimento, melhores formas de gastos e uso de cartão de crédito de forma saudável podem fazer parte do aprendizado.

A educação financeira em cada fase

Os ensinamentos dependem da idade e do nível de conhecimento dos filhos. Assim, os métodos devem ser diferentes em cada fase da vida para facilitar a compreensão e prepará-los para os conceitos mais complexos.

  • Crianças: não é possível ensinar a mesma coisa aos três e aos nove anos. Dessa forma, a dica é perceber o que elas conseguem entender naquele momento e, a partir disso, introduzir os conceitos, como valor, compra, notas e troco, entre outros.
  • Pré-adolescentes: nesta fase, que contempla entre os 10 e 14 anos, o diálogo sobre finanças deve ser aberto, introduzindo-se outros conceitos diferentes. Uma maneira de ensinar na prática é associar a mesada a um cartão de crédito ou pré-pago, levando os filhos a entenderem sobre gestão de gastos e autocontrole.
  • Adolescentes: nessa etapa, como os jovens já podem começar a trabalhar (a partir dos 16 anos) e ter o próprio dinheiro, eles passam a integrar o sistema financeiro e devem ser orientados sobre possíveis ciladas, como uso dos limites de cartão e da conta corrente, por exemplo.

Mesada é elemento estratégico

Dentro da educação financeira, a mesada pode ser uma estratégia bastante eficiente, uma vez que permite à criança administrar o valor acumulado, respeitar prazos e conquistar metas que elas mesmo estabelecem.

"É importante a mesada estar sempre associada a um objetivo e não ser gasta com algo que não tenha sido planejado. Ao desembolsar dinheiro para algo muito desejado, a criança valoriza mais o próprio esforço e os recursos que acumulou", defende Gustavo Rodrigues de Oliveira.

Segundo ele, a mesada pode começar a ser oferecida a partir do momento que a criança tenha certa maturidade financeira e discernimento da questão de valores, entre seis e oito anos de idade, mais ou menos. O valor da mesada pode aumentar de acordo com o nível de responsabilidade, entendimento e percepção infantil, sempre atrelada a desafios a serem conquistados.

"À medida que o filho vai administrando melhor os recursos, traçando objetivos, ele entende que a gestão desses recursos vai trazer algum resultado", diz Gustavo. Isso reforça, inclusive, o consumo consciente, já que a criança, no limite das suas possibilidades, vai avaliar se a despesa a ser feita é realmente necessária ou dispensável.

Aprendizado na escola

Além dos ensinamentos em casa, a educação financeira pode - e deve - ser ensinada nas escolas. Segundo a pedagoga Ana Carolina Marques, coordenadora do CRIEM, as crianças podem aprender sobre o tema através de atividades lúdicas e pedagógicas que ensinem conceitos importantes da vida monetária.

"Trabalhar subtração simulando o 'troco' em uma atividade lúdica, como a simulação de uma feira livre, ensina a matemática brincando, mostrando como resolver problemas e situações cotidianas, além de estimular o desenvolvimento socioemocional, a empatia e o respeito", afirma a educadora.