Bolsonaristas atacam colunista de Universa nas redes: 'Não é primeira vez'
"Pegaram fotos minhas, inclusive as que eu já tinha apagado, e colocaram legendas ofensivas e de baixo calão", conta a jornalista Nina Lemos. Os ataques aconteceram depois que Nina publicou uma coluna de opinião sobre a presença da primeira-dama Michelle Bolsonaro no funeral da rainha Elizabeth. O título dizia: "Michelle Bolsonaro confunde funeral da rainha com desfile de moda".
"Era uma análise sobre o que a primeira-dama havia feito naquele dia. Ela postou o look nas redes sociais, levou maquiador na viagem, e eu comparei com a rotina de uma blogueira que vai para um desfile de moda. Tratava-se de um funeral, e ela estava fazendo isso com o dinheiro público", diz.
Os ataques ganharam força depois que o deputado federal Eduardo Bolsonaro compartilhou piada menosprezando a jornalista em suas redes sociais. A partir daí, grupos bolsonaristas direcionaram suas agressões às redes sociais da colunista. "A mensagem acaba em todas as páginas de extrema direita com muitos seguidores", conta. "Começaram a falar que eu estava com inveja de Michelle. Quando, no texto, ainda frisei que ela é uma mulher bonita."
Não é a primeira vez que um texto de Nina desencadeia uma reação como essa. E o tema nem precisa ser política. Ela já foi agredida pelos filhos do presidente e seus seguidores ao opinar sobre temas tão aleatórios quanto o uso de tratamento de imagem em fotos da cantora Jennifer Lopez.
Dessa vez, no entanto, uma das fotos usadas pelos agressores para fazer montagens tinha a imagem de sua afilhada, que é uma criança. Para piorar, passaram a enviar mensagens e imagens da campanha do presidente Bolsonaro diretamente para o seu WhatsApp - em número que não havia sido divulgado. "Fiquei muito assustada."
'Violação da intimidade é crime'
Presidente da Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas), Samira de Castro afirma que há no Brasil combinação de ataques ao jornalismo, principalmente nos últimos quatro anos. "É mais comum que os ataques a mulheres extrapolem essa linha do vazamento de dados e de informações sobre familiares e filhos."
De acordo com Samira, faz parte do modus operandi das redes bolsonaristas o ataque coordenado —assim como aconteceu no caso de Nina. "Assim que o filho do presidente posta nas redes, autoriza os seguidores a fazer esses ataques", diz.
Levantamento produzido pela Fenaj mostrou que, em 2021, o número de agressões a jornalistas e a veículos de comunicação bateu recorde: foram 430 casos, dois a mais do que os 428 registrados em 2020, ano em que a entidade considera que "houve uma verdadeira explosão das violações à liberdade de imprensa no Brasil".
O presidente Jair Bolsonaro foi o principal agressor. Sozinho ele foi responsável por 147 casos, sendo 129 episódios de descredibilização da imprensa e 18 de agressões verbais a jornalistas. Os jornalistas mantiveram-se como maior número de vítimas no geral, mas as mulheres foram as que sofreram mais agressões verbais e ataques virtuais.
Jornalistas devem registrar ocorrência de agressões
Nina Lemos está em contato com a organização Repórteres Sem Fronteiras em Berlim, onde mora. "E vou registrar um boletim de ocorrência", afirma.
É o que Samira também recomenda. "Temos orientado todas as mulheres que são vítimas desse tipo de ataque que registrem boletins de ocorrência para que a gente possa cobrar investigação e punição nesses casos", afirma. Em São Paulo, há apoio do Ministério Público, que atua em parceria com entidades jornalísticas. O caso de Vera Magalhães, por exemplo, está sendo apurado pelo órgão.
Para a presidente da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), Katia Brembatti, os ataques a Nina Lemos ajudam a agravar ainda mais um ambiente hostil que as mulheres jornalistas enfrentam no Brasil.
"É inaceitável que um deputado federal faça uso de redes sociais para retuitar montagens ofensivas à aparência de uma jornalista."
Desde o início de 2022, a Abraji já registrou 70 ataques dirigidos especificamente a mulheres jornalistas, que vão desde a proliferação de discursos estigmatizantes, como por exemplo, chamar a profissional de esquerdista, traficante e comunista, até o espraiamento de memes que tiram de contexto colunas de opinião.
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