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Mães da Maré após ação policial: 'Crianças ouvem fogos e já deitam no chão'

Em 2020, a artista plástica Yvonne Bezerra de Mello recorreu a uma placa para tentar evitar que alunos e funcionários de escola na Maré fossem baleados durante operação da Polícia Civil. "Escola. Não atire" - Reprodução/Twitter/@renatasouzario
Em 2020, a artista plástica Yvonne Bezerra de Mello recorreu a uma placa para tentar evitar que alunos e funcionários de escola na Maré fossem baleados durante operação da Polícia Civil. "Escola. Não atire" Imagem: Reprodução/Twitter/@renatasouzario

De Universa, do Rio de Janeiro

27/09/2022 13h23

"A sensação é de medo. Como dizer para os pequenos que a polícia que protege e ajuda é a mesma que quando chega na favela mata e invade casas? Até quem não tem nada a ver sofre." Esse é um relato que Universa recebeu de uma das cinco mães de adolescentes com idades entre 12 e 17 anos e moradoras do Complexo da Maré, na zona norte do Rio de Janeiro.

A região, composta por 16 favelas, amanheceu nesta segunda-feira (26) sob forte tiroteio, resultado de uma operação das polícias Civil e Militar. Segundo a Polícia Militar, pelo menos cinco pessoas foram mortas. Durante o dia de ontem, 35 escolas da região foram fechadas, além da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e mais quatro unidades de saúde. Nesta terça-feira (27), as aulas voltaram ao normal, mas professores relataram a Universa que o clima é tenso.

"As crianças já estão tão acostumadas que nem perguntam nada, apenas entendem", afirmou uma das mães, que por questões de segurança, pediram para não serem identificadas.

As mães afirmam ainda que apesar do costume com os tiros, seus filhos apresentam sinais de ansiedade e agitação por terem que se esconder dentro da própria casa. "E por incrível que pareça, eles já entendem quando ouvem os primeiros fogos e já vão para o lugar mais seguro da casa. Não é novidade", complementa outra.

Em dias de operação, essas mulheres já sabem que as escolas serão fechadas e muitas delas afirmam que optam por perde o dia de trabalho e ficar com os filhos. As que vão trabalhar, dizem que ficam com coração apertado com os filhos em casa. "Ligo, explico o que esta acontecendo e peço para que fiquem dentro de casa no local mais seguro da casa", diz.

As mulheres dizem que se ações começam mais tarde, é ainda pior. "Quando estão em casa é melhor, as crianças já sabem com agir. Agora quando começam as operações e eles já estão na escola, precisamos buscar. E é triste ter que sair debaixo de tiro pra buscar a criança que está em desespero na escola também", afirma uma das mães.

"A gente tenta explicar que é muito perigoso ir na rua durante uma operação policial, e temos nosso próprio protocolo de segurança em casa, como ficar no local mais seguro, deitado no chão, e não abrir em hipótese nenhuma a porta até que acabe a operação", conta outra mãe, que também fala como se sente. "É muito estressante", resume.

Escolas têm protocolo de segurança

Há dez anos atuando na região, a diretora de uma das escolas municipais da região, a Ginásio Olimpíadas Rio 2016, Ana Flavia Teixeira Veras, 44 anos, contou a Universa que a comunidade usa um aplicativo com protocolos de segurança criados por profissionais e a Secretaria de Educação para seguir nos dias de intenso tiroteio como o fechamento de escolas. "Hoje, antes das 5h, meu celular começou a receber mensagem, com moradores avisando que tem Caveirão [carro blindado da polícia], polícia na entrada da comunidade".

Com cerca de 140 mil moradores e com 16 comunidades, a Maré tem uma taxa de analfabetismo de 6% entre pessoas com 15 anos ou mais, o que equivale a mais que o dobro do índice na Cidade do Rio de Janeiro, de 2,8%, de acordo com o Núcleo de Pesquisas e Monitoramento de Projetos da organização Redes da Maré, de 2019. O estudo destaca que há 44 escolas no local.