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'Me sinto uma guerreira': como é passar por um divórcio durante a gravidez

 Marcella Pedroso, executiva de contas, 34 anos, de São Paulo. É mãe de Miguel, 9 anos, e Maria Luísa, de 3 anos. - arquivo pessoal
Marcella Pedroso, executiva de contas, 34 anos, de São Paulo. É mãe de Miguel, 9 anos, e Maria Luísa, de 3 anos. Imagem: arquivo pessoal

Glau Gasparetto

Colaboração para Universa, em São Paulo

29/09/2022 04h00

Ninguém começa um relacionamento pensando no fim, muito menos que o ponto final ocorra durante a gravidez. Mas acontece. A gestação, por si só, já é uma fase em que a mulher fica sensível e vulnerável, reflexo da ação hormonal. O rompimento indesejado pode deixar o quadro ainda mais complicado.

Universa conversou com três mulheres, que compartilham suas experiências de separar do parceiro pouco antes de o bebê vir ao mundo. Há quem tenha lidado bem com a situação, enquanto outras só querem esquecer o que viveram. Especialistas também comentam de que forma tal circunstância pode afetar mães e filhos.

"Me sinto uma guerreira por quem me tornei"

"A separação era algo que já esperavam, pois não estávamos na mesma sintonia. Só fiquei sabendo realmente da gravidez quando a gente já tinha decidido se separar. Até meio que pensamos em voltar atrás, mas segui em frente na decisão e não quis 'tentar' por conta da gestação. Isso aconteceu em julho de 2018. Morávamos juntos há 3 anos, mas namorávamos há 6. Nós já tínhamos um filho, o Miguel, na época com 5 anos.

Não sei dizer se essa decisão impactou de alguma forma na minha gestação, pois praticamente me desliguei de tudo o que poderia surgir de ruim disso. Entretanto, no meio da gravidez, comecei a sentir um pouco de medo diante do fato de ter um bebê para cuidar sozinha, diferentemente do que aconteceu na minha primeira gestação.

Esse medo pode ter desencadeado a diabete gestacional e, com isso, comecei a olhar mais para mim. Com o tempo, passei a me sentir mais no controle da situação. Encarei tudo o que estava acontecendo com a cabeça erguida. Entendia que tinha que passar por aquilo, como missão de vida mesmo.

Confesso que, no começo, foi bem complicado: era um turbilhão de emoções que deve ter sido impactado pelos hormônios da gestação. Mas hoje eu me sinto realizada por ter passado por tudo que passei sozinha. Me sinto mais forte e capaz de enfrentar o mundo com muito mais garra e sabedoria.

Atualmente, estou solteira, mas muito bem resolvida em relação a isso. Saio, me divirto, tenho olhado muito mais para mim e para o meu bem-estar. Estou com o coração livre, leve e solto para qualquer tipo de relacionamento que seja saudável, leve e capaz de somar nas nossas vidas.

Eu me fechei em algumas fases e, muitas vezes, me senti incapaz de viver certas situações, mas diante da gravidez e da separação com um filho, me senti mais mulher, mais forte e mais viva para enfrentar tudo. Me sinto uma guerreira por quem me tornei e tenho certeza de que tudo isso foi construído por essa situação que passei". - Marcella Pedroso, executiva de contas, 34 anos, de São Paulo. É mãe de Miguel, 9 anos, e Maria Luísa, de 3 anos.

"Emagreci 4 kg e o parto foi antecipado"

"Quando conheci meu ex-marido, em 2004, ele já havia passado por dois relacionamentos e tinha três filhos. Logo fomos morar juntos e acolhi as crianças, assim como toda minha família. À época, fazia pós-graduação e ele trabalhava na área de segurança e não tinha muito estudo. Eu o incentivei a fazer faculdade.

Para manter a faculdade de Direito dele e as despesas da casa, me dispus a fazer jornada dupla. Além do trabalho que tinha em um órgão público, fazia unhas, depilação e cabelo. Nos casamos em 2006 e, em setembro do ano seguinte, engravidei. Na época eu tinha 36 anos.

No início de 2008, ele resolveu que deveríamos mudar de casa, apesar de morarmos em uma bem confortável, até com uma edícula que usava para trabalhar. Ele procurava casas minúsculas. Achei estranho, mas ainda assim não tinha noção do que estava acontecendo.

Na casa nova, não havia espaço nem para acomodar os filhos dele, quando vinham nos visitar. A verdade é que ele estava decidido a me deixar e, poucos meses depois, os sinais ficaram evidentes: me ignorava dentro de casa, chegava sem aliançaa, com o banco do carro desalinhado, deitado. Era uma guerra psicológica. Quando questionava algo, dizia que eu era louca.

Ele estava certo da separação, mas pesava o fato de estar grávida. Comecei a investigar e logo descobri que a outra relação já vinha acontecendo antes de engravidar. Terminamos, mesmo faltando poucos dias para minha filha nascer.

Nós três trabalhávamos na mesma instituição, mas em prédios diferentes. No dia seguinte à separação, eles já chegaram juntos ao trabalho, como um casal feliz, sem impedimentos para viverem o romance. A notícia, é claro, correu pelos quatro cantos.

O impacto emocional foi tão forte que em 15 dias perdi 4 kg. Meu médico resolveu antecipar o parto porque o bebê poderia entrar em sofrimento. O pai esteve presente no nascimento e eu, tão perdida, me sentia culpada pelo término, pois ele dizia que eu não tratava bem os filhos dele e imputava a mim a culpa do relacionamento não ter dado certo. Fiquei sem chão.

Após a gravidez, cheguei a 51 kg em 2 meses, sendo que pesava 60 antes de engravidar. No meio desse turbilhão de emoções e sentimentos de culpa, rejeição e traição, ele começou a me procurar e acabei aceitando-o de volta, cerca de cinco meses depois. Apesar de tudo, não queria criar minha filha sozinha e sentia como se quisesse provar que "eu" poderia ser uma pessoa melhor.

Fato é que, em 1 ano e 9 meses, lá estávamos repetindo tudo: outro relacionamento, outra mulher, novamente no ambiente de trabalho. A diferença era que não estava grávida. Sofri novamente pelo fracasso e por ele agir da mesma forma que antes. Mas fechei a porta de vez.

Consegui enxergar que ele não tinha nenhuma estrutura emocional e não havia nenhum problema comigo. Hoje, olho para trás e agradeço por ter minha filha. Ela foi o que me aconteceu de melhor na vida.

Me curei, parei de buscar em mim a culpa por não ter dado certo. Há oito anos estou em outro relacionamento. Meu esposo é viúvo e juntamos nossas famílias. Somos, ao todo, seis pessoas e vivemos muitos felizes". - Rosana*, 51 anos, administradora, de Campinas. É mãe de uma menina de 14 anos (os nomes foram alterados, a pedido da mãe).

Reação da mulher não segue padrão

As histórias dessas duas mulheres — e de muitas outras— mostram que nem toda gestante reage da mesma maneira diante de uma separação. Segundo Carlos Moraes, ginecologista e obstetra, médico nos hospitais Albert Einstein, São Luiz e Pro Matre, há uma série de fatores que podem impactar a mulher.

"Durante a gestação, ela já fica mais sensível e vulnerável, devido aos hormônios e ao receio normal de toda futura mãe. Isso resulta em uma carga emocional importante, mas não existe uma regra geral de como será seu comportamento", diz.

A reação depende, inclusive, do histórico de saúde mental. "Se já apresenta ou apresentou quadros de ansiedade crônica, depressão ou outros transtornos, é bem provável que a separação represente um impacto negativo ao seu estado psicológico, podendo prejudicar a rotina, incluindo o pré-natal, e aumentar as chances de depressão pós-parto", argumenta o profissional.

Por outro lado, o término de uma relação desgastada tende a causar efeito contrário e positivo. "Nesta situação, a separação pode ser um divisor de águas, fazendo com que a gestação corra de forma bem mais tranquila", comenta.

Em relação ao bebê, existe risco de restrição de crescimento intrauterino e parto prematuro, sobretudo se a gestante está sob forte pressão e estresse e fazendo esforço físico.

Precisa de ajuda?

Caso a gestante esteja lidando relativamente bem com a separação, Carlos Moraes sugere focar nos preparativos da chegada do bebê, o que irá ocupar seu tempo e sua mente. "Mas, independentemente de como está seu estado emocional, é fundamental contar com a rede de apoio de familiares, amigos ou colegas de trabalho", ressalta.

Até porque a mulher pode não estar tão bem como demonstra. Apatia, tristeza contínua, perda do interesse de fazer o que gostava, reclusão e até desânimo para preparar o enxoval do bebê são sinais de alerta que a rede de apoio tem de observar. Muitas vezes, a própria gestante não percebe que precisa de ajuda.

Separação deveria ser tranquila

Como salienta Yuri Busin, psicólogo, mestre e doutor em neurociência do comportamento, separações costumam ser bem traumáticas. "As pessoas têm que aprender a conversar sobre isso, dialogar e tomar a decisão de forma mais sensata possível. Muitas vezes, os casais acabam terminando de maneira tensa, com um atacando o outro", comenta.

Durante a gravidez, o cuidado deve ser muito maior, evitando processos agressivos. "É muito valioso que as pessoas aprendam a dialogar. Uma alternativa é recorrer à psicoterapia de casal durante, para que possam acertar os detalhes e fazer essa transição da melhor maneira possível para ambos os lados - ou, então, decidirem por permanecer juntos", argumenta.

Atenção ao bebê

Qualquer término tende a ser uma situação de tristeza, angústia, raiva, muitos questionamentos sobre os motivos que levaram a isso. "Pode haver, ainda, uma culpa extrema e até mesmo passar a culpar a gravidez pelo fim do relacionamento", explica Yuri.

Por isso a importância do amparo externo, uma vez que estresse pós-traumático, depressão pós-parto, baby blue ou sentimento de culpa podem prejudicar o bebê. "Tudo isso pode afetar bastante a saúde, física e mental, tanto da mãe quanto do bebê", afirma o psicólogo.

Nesse sentido, ele aponta que a melhor maneira de cuidar é recorrer a um psicoterapeuta, principalmente cognitivo-comportamental - linha teórica que ampara e ajuda a lidar com situações como essa.

"Outra opção que pode auxiliar é conversar com pessoas que passaram pela mesma situação ou similar. É igualmente importante o apoio da família e amigos, sem julgamentos", finaliza Yuri.