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'Espancada porque traiu': Ohana comenta violências de 'A Próxima Vítima'

Claudia Ohana é a vilã Isabela em "A próxima vítima", de 1995 - Reprodução/Instagram
Claudia Ohana é a vilã Isabela em 'A próxima vítima', de 1995 Imagem: Reprodução/Instagram

De Universa, do Rio de Janeiro

30/09/2022 04h00

Sucesso de 1995, a novela "A Próxima Vítima" (TV Globo), voltou à Globoplay essa semana. Com 203 episódios, a novela gira em torno de misteriosas mortes em série, que são conectadas somente por uma lista do horóscopo. Mas, para além do clima de suspense, a trama trouxe cenas fortes de violência contra mulher - na época, sem dar conta da gravidade do tema. No episódio 50, acontece uma das cenas mais fortes da trama: Diego (Marcos Frota) espanca Isabela (Claudia Ohana) e a empurra do alto de uma escada da mansão, no dia de seu casamento, quando descobre que ela o traia com Marcelo (José Wilker).

Na época, a sequência foi repudiada por uma série de organizações de apoio à mulher, mesmo em uma uma época em que a violência de gênero pouco era debatida. Em entrevista a Universa, Claudia Ohana avalia, 27 anos depois, as cenas que viveu. "Acho que hoje ninguém escreveria uma cena dessa, mesmo para uma vilã. É uma cena de linchamento só porque uma mulher trai", fala Ohana, 59.

Atualmente, a plataforma de streaming avisa, no início de cada capítulo: "Esta obra reproduz comportamentos e costumes da época em que foi realizada."

Mais a frente, no capítulo 168, é a vez de Marcelo (José Wilke) pegar Isabela com outro. Depois de flagrar a mulher com o amante sobre a mesa da cozinha, o marido traído lança mão de uma faca e desfigura o rosto da jovem que diz amar. Após esse episódio, o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, ligado ao Ministério da Justiça, se reuniu para analisar as imagens antes de encaminhar um protesto formal à Globo.

"Os meios de comunicação têm o dever de lutar contra todo tipo de violência. 'A Próxima Vítima' fez o oposto. Estimulou um comportamento bastante arraigado na cultura brasileira: o de que o macho só limpa sua honra com sangue", argumentou na época à Folha de S. Paulo a presidente do Conselho, Rosiska Darcy de Oliveira,

Universa conversou com a atriz sobre as cenas. Leia os principais trechos.

"Achava que cabia na novela"

"A Isabela era a vilã, então todo mundo torcia para que ela fosse maltratada. Agora, refletindo hoje, por que ela era a vilã? Porque ela mentia e porque ela traía? É uma coisa muito questionável e superficial.

Eu me lembro que a primeira cena, que foi com Marcos Frota, estava muito nervosa, porque eu fiquei com medo da violência dele. Não pensava no absurdo de estar batendo na personagem.

A gente ensaiou e tudo mas na hora de gravar, ele começou a realmente me bater, e me bateu na cara. Foi muito violento. Comecei a chorar e a falar 'não vou mais gravar porque eu não tô aqui para apanhar'.

Gravar a cena me deixou realmente muito nervosa, mas acho que aquilo tudo cabia na novela, naqueles personagens."

"Hoje esses personagens homens seriam presos"

"Na cena com o José Wilker também fiquei com medo. Era muito violenta, e o Wilker foi cuidadoso mas, sem querer, me jogou na geladeira e me machucou. Não gostava dessas cenas mas não pensava no lado da mulher. E o mais estranho, além de o homem bater, que é uma coisa que acontece ainda, é a família toda assistir e ninguém fazer nada.

Não se falava tanto em violência contra a mulher. Não me lembro de terem protestado contra a cena, mas é muito louco pensar que deixaram passar uma cena como essa.

Acho que se fizessem uma cena dessa hoje, um remake, essa agressão poderia acontecer, mas acredito que as mulheres iriam se unir para ajudá-la, mesmo aquelas que não gostavam de Isabela. E os personagens homens seriam presos."

"Fico abismada, pensando no hoje"

"É um absurdo a Isabela ser espancada porque traiu. É uma loucura. Mas é uma questão de época. Naquela época as pessoas não respeitavam tanto as mulheres.

Essa cena parou o Brasil. Todo mundo ama. Eu fico abismada, pensando no hoje. Mas naquela época eu realmente não me dava conta disso.

Acho que muita coisa mudou nesses 27 anos, tanto é que uma cena dessa não entraria numa novela. Ninguém escreveria uma cena dessa, mesmo para uma vilã. É uma cena de linchamento só porque a mulher trai.

Hoje vejo mudanças no trato com uma mulher, no respeito às diferenças. Mas ainda acho que hoje uma mulher que trai ou que tem relação sexual com vários homens é vista como uma puta. O homem pode transar com quantas quiser, mas uma mulher é vista como uma safada, tanto que em vários crimes de estupro o homem fala que ela provocou, estava de short ou saia, porque ela dançou, como se isso fosse bandeira branca para ele fazer o que quiser.

Mas o que está mais mudado é um olhar sobre o assunto. As pessoas estão mais atentas, o que já é alguma coisa.