Eleições: homens receberam 7 vezes mais doações de campanha que mulheres
Uma nova regra eleitoral, aprovada em abril, obrigou os partidos a destinar um mínimo de 30% dos recursos públicos para mulheres, marca que as legendas ainda relutam em alcançar. Sem essas novas normas, porém, o cenário de desigualdade de gênero no financiamento de campanha seria ainda pior. Isso porque, excluindo as formas públicas de financiamento, homens receberam sete vezes mais recursos que as candidatas mulheres.
Até a sexta-feira (30), às vésperas das eleições, as candidaturas tinham recebido R$ 752 milhões - apenas R$ 96,9 milhões deste valor foi doado para campanhas femininas. Candidatos homens receberam R$ 655 milhões de reais através de doações, 87,1% do total. A maioria deste valor foi para brancos: R$ 506,4 milhões, o equivalente a 67,3%. Mulheres negras, por sua vez, receberam apenas 3,8% dos valores doados, ou seja, R$ 29,2 milhões.
O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) reconhece como outras formas de financiamento, além dos fundos partidários: doação direta (transferências por pix, por exemplo); financiamento coletivo (por meio de plataformas homologadas) e autofinanciamento (a própria pessoa doa para sua conta de candidatura através de seu CPF).
A coordenadora de projetos e pesquisadora de comunicação digital Drica Guzzi, cofundadora do coletivo Vote Nelas e uma das fundadoras do projeto 72 horas, plataforma que fiscaliza como estão sendo feitos os repasses para as campanhas políticas, afirma que os números mostram a importância do financiamento público de campanha, ainda que a destinação dos recursos dos fundos partidários tenha que ser aprimorada.
Segundo ela, se candidatos fossem depender só de doações, a maioria das campanhas financiadas seriam de homens brancos, reproduzindo uma lógica desigual. "Muitos criticam porque são mais de R$ 4 bilhões de verbas pública destinadas às campanhas. Mas, se a gente não tivesse esse fundo eleitoral, as diferenças seriam ainda maiores. Ainda que a estrutura partidária tenha que ser mais democrática — os partidos têm que ter mais diversidade nas suas instâncias de decisão — os repasses deste fundo especial são fundamentais", analisa.
A diferença de gênero é reduzida quando se olha para os recursos públicos: enquanto as mulheres receberam apenas 12,8% dos valores doados por outras formas de financiamento, este índice sobe para 30,7% através dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha — o que chega mais próximo à proporção de candidaturas femininas registradas, que este ano foi de 34%.
Drica lembra que o Fundo Eleitoral surgiu a partir do momento em que o financiamento privado das campanhas foi proibido, após a Reforma Eleitoral de 2015. "Um dos grandes motivos desta proibição é que empresas favoreciam quem já tinham vínculos e relações. Para tornar equilibrado, mais justo e mais plural as candidaturas, para que novas candidaturas tivessem força competitiva para disputar uma cadeira, o fundo eleitoral surge com a missão de democratizar o acesso à política."
Poucas governadoras, muitas vices
Este ano apenas 37 mulheres que vão disputar as eleições para os governos estaduais. Ou seja, são apenas 16,5% das candidaturas. Já o número de candidatas a vices chega a 85, o que representa 39% do total. Segundo a cientista política Hannah Maruci, diretora da Tenda das Candidatas, está também é uma maneira de driblar a regra. " Colocar mulheres como vice é uma forma de direcionar dinheiro para um homem, mas cumprir o estipulado de 30% [das candidaturas femininas]", analisa a cientista política", afirma a Universa.
"De forma alguma estou dizendo que não é importante mulheres estarem na composição das chapas como vices. Mas, com certeza está associado a essa necessidade de cumprir essa determinação", afirma Hannah, que com a Tenda das Candidatas auxilia mulheres que tenham interesse de ingressar na política. "A má regulação desta regra, que se tornou lei, para a distribuição entre essas mulheres como [candidaturas] majoritárias faz com que o foco esteja nas mulheres como vices e não tem o efeito de aumentar as mulheres eleitas", afirma.
Destinação de recursos ainda é desequilibrada
Ainda assim, Drica afirma que o fundo eleitoral precisa ser melhorado — praticamente todos os partidos usaram o mínimo de 30% dos recursos públicos às candidaturas femininas como um teto e havia partidos que, uma semana antes do pleito eleitoral, sequer conseguiram atingir essa marca.
"O Fundo Eleitoral está sendo desviado da sua finalidade porque os partidos decidem para onde essa verba vai. Claro que não dá para colocar todos os partidos na mesma régua, mas a maioria tem ajustes para serem feitos", diz.
O fundo, por exemplo, não tem sido equilibrado do ponto de vista racial. Entre as candidatas mulheres, 41,8% dos recursos foram destinados às pretas e pardas. Esses partidos não estão descumprindo nenhuma regra ao não destinar os recursos de forma equilibrada entre mulheres brancas e negras já que as cotas para candidatos negros são aplicadas nas candidaturas gerais, de homens e mulheres. No entanto, a ativista afirma que desproporcionalidades deveriam ser analisadas.
"Será que o fundo eleitoral está sendo proporcional a esse cruzamento de etnia e gênero? Ele não está sendo proporcional, está deslocado para homens e para etnia branca. No geral, entre homens e mulheres, candidaturas pretas correspondem a 14,2%, mas apenas 8,1% do fundo eleitoral está indo para estas candidaturas", questiona.
Para ela, o subfinanciamento de candidaturas de mulheres e de pessoas negras deve ser considerado como uma forma de violência política de gênero e raça. "É uma estratégia de rebaixamento e até eliminação de uma candidatura porque ela não tem condições de se colocar de maneira competitiva. Os partidos têm que se responsabilizar por isso. Eles lavam as mãos quando muitas candidatas mulheres e mulheres negras até se endividam para se colocar nas ruas."
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