Nem tudo é TDAH: como identificar dificuldade de aprendizagem de filho?
Problemas na aprendizagem costumam dificultar que crianças se desenvolvam na velocidade esperada para a idade correspondente, tornando o processo mais lento e com muitos obstáculos. É difícil para alguns pais aceitarem esse cenário e isso, muitas vezes, começa com um desafio maior: descobrir o que está por trás disso tudo.
Com um estudo, informação e atenção, os diagnóstico de transtornos de aprendizado como TEA (Transtorno do Espectro Autista) e TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade) estão cada vez mais comuns. Dados da comunidade médica e científica mostram que entre 3 e 6% da população mundial sofre com o TDAH. Já o autismo atinge de 1% a 2% da população mundial e, no Brasil, aproximadamente dois milhões de pessoas. Os números crescentes não um retrato do aumento desses transtornos, mas sim, que essas pessoas sendo mais e melhor diagnosticadas.
Mas isso não quer dizer que uma eventual dificuldade de aprendizagem de seu filho seja um diagnóstico de algum transtorno. Apesar de os dois termos serem amplamente falados em um mesmo contexto, são coisas diferentes. Segundo a neuropsicopedagoga Keila Chicralla, as dificuldades estão ligadas aos fatores externos para o problema no aprendizado.
Ou seja, podem ser reflexo do método adotado pela escola, da pouca dedicação aos estudos e até de questões do próprio ambiente, como bullying ou troca de sala de aula ou escola. Até mesmo alterações emocionais podem ser as culpadas, nesses casos.
Já com os transtornos, a história é outra. "Eles envolvem como ocorre o processamento cerebral, que trará deficiências ou dificuldades em determinadas áreas do cérebro, afetando a atenção, a linguagem ou o processamento visual de informações", explica a especialista.
Keila esclarece ser uma questão biológica, porém, a genética e a hereditariedade também tendem a influenciar esse quadro. Ou seja, pais com transtornos de aprendizagem têm mais chances de os filhos apresentarem o mesmo diagnóstico. Por fim, há ainda causas relacionadas à gestação, como o uso de drogas nesse período e até a idade avançada da mãe, somadas a complicações neonatais, como baixo peso, icterícia e prematuridade.
"Podemos dizer que existem causas intrínsecas da criança, por problemas de ordem estrutural, como processamento auditivo, até problemas do ambiente familiar e do próprio ensino. Então, temos transtornos do aprendizado de origem no indivíduo, na escola e na família", diz o psiquiatra e psicoterapeuta Wimer Bottura, presidente do Comitê de Adolescência da Associação Paulista de Medicina.
Especialista em psiquiatria infantil, o médico diz que, quando existem sintomas sugestivos de algum transtorno, é comum que a escola ou o próprio pediatra da criança os identifiquem. Feito isso, além de iniciar o tratamento tão logo quanto possível, é importante existir uma orientação familiar, já que o comportamento dos responsáveis é fundamental na melhora da condição dos pequenos.
Buscando o diagnóstico
De acordo com neuropediatra Ciro Matsui, chefe da equipe de neuropediatria do Hospital Santa Catarina, observar se algum problema pode estar influenciando no aprendizado do aluno é o primeiro passo.
"É preciso avaliar se existe algum conflito familiar, problema de relacionamento escolar, algum tipo de doença crônica ou outros problemas de saúde, como desnutrição e alteração visual ou auditiva, e até questões socioeconômicos ou socioculturais", lista.
Se nada disso for identificado, é hora de considerar a investigação de condições capazes de comprometer a aprendizagem e o neurodesenvolvimento. Segundo o especialista, tais comportamentos devem estar presentes em diferentes ambientes por, pelo menos seis meses. O comum é surgirem antes dos 12 anos, sendo mais comum por volta dos 6 anos.
Essa idade é tida como base, porque é nesta fase que ocorre a alfabetização, permitindo que o atraso seja notado com mais facilidade. No caso do TDHA, o especialista fala ser possível uma identificação precoce, quando alguns sinais são notados.
"Atraso de linguagem, dificuldade de identificar cores, de desenhar, não saber nomear partes do corpo ou identificar direita e esquerda e ser muito hiperativo ou extremamente desatento são alguns deles", diz Ciro.
Outras possibilidades, segundo o neuropediatra, incluem a dislexia (distúrbio de linguagem e escrita, que causa dificuldade com símbolos, como letras e números), a discalculia (problema com o pensamento quantitativo) e disgrafia (caracterizada por dificultar o planejamento motor, essencial à escrita).
"A criança pode apresentar também algum comprometimento mais geral em seus aspectos cognitivos, capazes de levar a uma Deficiência Intelectual (DI), que acomete cerca de 10 crianças a cada 1.000, prejudicando o raciocínio, a lógica, a capacidade de abstração e o aprendizado", diz Ciro.
Escola pode ajudar mas pais tem papel fundamental
A escola costuma ser a primeira a perceber e notificar esses problemas na aprendizagem. Mas a atenção deve existir também dentro de casa. Ciro Matsui destaca sinais que pedem atenção, tanto do corpo pedagógico, enquanto a criança está no ambiente escolar, quanto dos pais, no próprio lar.
- Dificuldade em executar tarefas escolares e realizar tarefas em casa;
- Problemas comportamentais, como se relacionar com amigos, cumprir regras e atender solicitações;
- Demora em iniciar a fala, que contemplem frases aos dois anos e comunicação aos três anos;
- Limitação de interação social;
Quando esses sinais são notados pela escola, o procedimento é convocar uma reunião com os pais e expor os fatos, sugerindo a busca de ajuda profissional para fechar o diagnóstico.
"É bom frisar que não existe exame, seja de sangue ou de imagem, que diagnostique um transtorno de aprendizagem. Isso é feito através de uma avaliação neuropsicológica com testes específicos aplicados por uma equipe multiprofissional", afirma Keila Chicralla.
Desse modo, depois de avaliada e apurada a origem de determinado problema, será fornecido aos pais uma cópia do laudo neuropsicológico. A orientação é levar esse documento até a escola para que o transtorno seja conhecido e, a partir daí, comece a ser desenvolvido um chamado plano educacional individualizado.
"Paralelo a isso, os pais devem buscar o tratamento específico para cada caso, indicado pelo médico. Ele pode ser psicológico, neuropsicopedagógico, psicopedagógico, fonoaudiológico ou multidisciplinar, com vários profissionais", fala a especialista, que reforça a importância das duas partes - pais e escola - agirem, cada uma em sua frente.
É comum que pais e responsáveis nem sempre eles aceitam de primeira o diagnóstico. Segundo Keila, essa resposta tende a atrapalhar ainda mais o processo, porque, quanto antes o tratamento for iniciado, melhor. A negação pode adiar o sucesso da intervenção, acumulando, inclusive, prejuízos com o passar da idade.
"Os impactos vão além da aquisição de conhecimentos acadêmicos. Muitas crianças com autismo e TDAH, por exemplo, têm dificuldades na interação social e na manutenção das amizades. Em muitos casos, a consequência é o isolamento social, podendo levar a um quadro depressivo", diz a neuropsicopedagoga, reforçando a importância do tratamento.
Sem cura, mas com melhora
Todos os profissionais ouvidos ressaltam a necessidade de iniciar o tratamento indicado pelo médico assim que o diagnóstico for fechado, seguindo-se as orientações da equipe multidisciplinar formada.
Assim, ainda que sem não haja cura em certos casos, as dificuldades serão trabalhadas e afetarão cada vez menos a vida dessas crianças, sobretudo ao chegar na vida adulta, um lugar em que há menor tolerância com o outro.
De acordo com Wimer Bottura, de forma geral, os transtornos de aprendizagem podem ter uma repercussão na vida da criança, se bem tratados. Isso porque "já existem muitas formas de superar ou tratá-los", diz. Além disso, ele destaca que as piores sequelas são, na verdade, na autoconfiança, na autoestima e na autoimagem.
Em relação ao TDAH, mais especificamente, o neuropediatra Ciro explica que a condição pode estar limitada à infância ou adolescência, ainda que uma parcela de adultos siga com as manifestações do transtorno. Tal "prazo" vai depender, exclusivamente, da evolução de cada paciente.
"Nos demais transtornos do neurodesenvolvimento e de aprendizado, os sintomas podem persistir pelo resto da vida. Porém, é importantíssimo ressaltar que todas as dificuldades podem ser trabalhadas e todas essas crianças têm capacidade de aprender", fala.
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