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Mulheres relatam atendimento inadequado ao colocar DIU: 'Desmaiei de dor'

DIU é um método contraceptivo altamente eficaz - iStock
DIU é um método contraceptivo altamente eficaz Imagem: iStock

Hysa Conrado

De Universa, em São Paulo

02/10/2022 04h00

Imagine não ser informada sobre a possibilidade de sentir dor durante um procedimento ginecológico e ser pega de surpresa pelo desconforto, até desmaiar. Agora imagine saber dessa probabilidade, pedir acesso à anestesia, e receber como resposta que "toda mulher aguenta, você não é diferente". Esses episódios fazem parte de histórias reais vividas por mulheres que decidiram colocar o DIU e não receberam o atendimento adequado.

A produtora de audiovisual Anny Almeida, 26 anos, contou para Universa que a primeira consulta para decidir como o procedimento seria realizado foi "a pior" da sua vida. "Achei que o médico fosse me bater quando eu disse que gostaria de realizar o procedimento com anestesia para não sentir dor", afirma.

Na ocasião, ela contou que foi recebida de forma rude pelo profissional, que a questionou de cara sobre "o que eu queria com ele". Depois de explicar que temia pela dor e desconforto durante a colocação do DIU, o médico se recusou a realizar o procedimento com anestesia, além de afirmar que, caso fosse doloroso, ela aguentaria.

Eu tentei me posicionar mais uma vez sobre [meu medo de sentir dor] e fui interrompida com grosseria. Chegando em casa eu só chorava.
Anny Almeida

Depois disso, ela decidiu registrar uma reclamação formal na Central de Atendimento à Mulher e procurar outro médico no seu plano de saúde, até encontrar um que realizou o procedimento com o anestésico.

"Ele foi super profissional, muito claro em todas as suas colocações e me ouviu com calma. Não senti dor alguma [durante o procedimento] graças à pequena dose de anestesia", afirma.

A jornalista Camila Rondon, 42 anos, por outro lado, não sabia que a colocação do DIU poderia ser uma experiência dolorosa, porque não recebeu nenhuma orientação deste tipo do ginecologista que a atendeu, nem mesmo sobre os possíveis efeitos colaterais que poderiam ocorrer após o procedimento.

Quando eu fui colocar, comecei a falar que estava doendo, até que desmaiei de dor. Ninguém me acalmou, eu estava vendo o médico do plano de saúde pela primeira vez.
Camila Rondon

Ela também não sabe por quanto tempo ficou desacordada e, quando despertou, estava sozinha em uma pequena sala do consultório. "Quando eu acordei perguntando o que estava acontecendo, entrou alguém na sala falando 'ela acordou'". Queixando-se de enjoos, ela recebeu uma lixeira para poder vomitar.

"Quando eu saí, ainda passando mal, a secretária [do consultório] me perguntou se estava tudo bem e me deu a roupa. Eu nem vi o médico mais. Fui para casa, fiquei deitada com cólica e por conta própria tomei um remédio", conta Camila. "Hoje eu entendo isso como uma agressão".

Já com a assistente de figurino Brenda Lima, 26 anos, tudo ocorreu dentro do esperado até a colocação do DIU de cobre, tipo que ela havia escolhido depois de conversar com a ginecologista do seu convênio. "No dia foi tranquilo, apesar da médica não olhar muito para minha cara, tomei remédios para ajudar a não sentir tanta dor na inserção, e depois voltei pra casa", lembra ela.

No entanto, após dois meses do procedimento, ela sentiu um incômodo e percebeu, por meio de um autoexame, que o dispositivo havia saído do lugar — algo que pode ocorrer —, e decidiu voltar ao consultório. "Ela fez perguntas do tipo 'como você sabe que deslocou?', desconfiada de que não tinha acontecido nada, até fazer o exame visual e ver que realmente estava fora do lugar", conta.

Na consulta, Brenda pensou que seria examinada e marcaria uma nova data para fazer o procedimento, mas a médica decidiu recolocar o DIU naquele mesmo dia. No entanto, ao invés de colocar o de cobre, como era a preferência da paciente, a ginecologista decidiu por conta própria colocar um dispositivo hormonal.

"Sendo que eu havia informado na triagem que usava o de cobre. Ela [a ginecologista] não olhou na minha cara durante todo o processo, fiquei cerca de dez minutos na sala, confusa e preocupada", conta Brenda, que afirma não ter tido reação para dizer que o DIU estava errado.

Fiquei com medo, foi um mix de sentimentos. Saí da sala e fui embora, no carro com meu pai eu só conseguia chorar pensando no que tinha acabado de acontecer. Depois disso procurei outra profissional, que tem sido boa para mim, atenciosa e olha nos meus olhos.
Brenda Lima

Vale destacar que o DIU é um dos métodos contraceptivos mais eficientes - tanto o de cobre quanto o hormonal têm mais de 99% de eficácia -, e com um impacto reversível na fertilidade, ou seja, quando ele é retirado a mulher já pode engravidar. Por ser um dispositivo inserido no útero, não é preciso lembrar-se de tomar ou injetar, como no caso das pílulas e injeções.

O que diz a Febrasgo

Questionada por Universa a respeito dos casos relatados nesta reportagem, a vice-presidente da Comissão Nacional Especializada em Anticoncepção da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia) Ilza Maria Urbano Monteiro afirmou que "a história está um pouco estranha" e "mal contada" no caso da paciente que teve o tipo de DIU trocado sem seu consentimento.

Segundo Ilza, o dispositivo de hormônio custa cerca de mil reais, enquanto o de cobre apenas cem, o que, para ela, deixa o caso "uma história que não tem pé nem cabeça". "Se a médica não ia ter nenhum ganho financeiro com isso, pelo contrário, por que ela colocou um mais caro?", pontuou.

Além disso, a porta-voz destacou que antes de escolher o tipo de DIU, a paciente deve passar por um tipo de aconselhamento contraceptivo, onde é explicado os prós e contras de cada método.

Sobre a paciente que desmaiou de dor, Ilza ressaltou que, atualmente, "é muito difícil" acontecer de a mulher não ser orientada sobre o procedimento, e que a dor causada pela colocação do DIU tem intensidade moderada entre 5 e 6, em uma escala medida de 0 a 10. Na avaliação da porta-voz, se ela ficou bem depois do episódio, o desmaio pode ter acontecido "por causa da ansiedade" que a preocupação com o procedimento pode causar.

"Precisa ver se não foi simplesmente um mal-entendido. Porque às vezes acontece de haver um desmaio, mas por uma simples variação de pressão [...] É muito difícil que as pessoas se acalmem totalmente, a ansiedade às vezes é extrema, principalmente quando a paciente é jovem", afirmou Ilza.

Para a ginecologista Carolina Ambrogini, coordenadora do Projeto Afrodite, ambulatório de sexualidade feminina na Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), os casos relatados nesta reportagem são exceções que refletem como a rotina exaustiva dos profissionais de saúde dificulta uma boa relação entre médico e paciente.

"O que a gente percebe é que tanto no SUS, quanto nas consultas de convênio, o médico tem pouco tempo para estabelecer uma relação de confiança com a paciente, e uma consulta para decisão de método contraceptivo tem que ser feita com cuidado, porque precisa explicar todos os métodos, os prós e o contras de cada um", afirma ela.

Além disso, ela destaca a importância de a paciente assinar o termo de consentimento antes de realizar a colocação do DIU. Neste documento, segundo Carolina, deve estar especificado qual tipo de dispositivo será colocado, além das complicações e efeitos colaterais que o procedimento pode causar.

"Pode ser doloroso, tem o risco de perfuração uterina, a paciente pode ter sangramento depois, então tudo isso precisa estar no termo", explica a ginecologista. Para aquelas mulheres que nunca engravidaram, a colocação do DIU costuma ser mais dolorosa ou causar apreensão, segundo a profissional.

Situações de desmaio podem acontecer, de acordo com Carolina, mas são passageiras. "Existe uma coisa que chama reflexo vagal, que é quando a gente traciona um pouco o útero. Isso pode causar mal-estar, uma sensação de desmaio que é desagradável mesmo. Mas se existe uma relação de confiança entre o médico e a paciente, isso não acontece, ou se acontece, o médico acalma a paciente."

Precisa de anestesia para colocar DIU?

A porta-voz da Febrasgo explica que, no geral, o procedimento para colocar o DIU, seja o hormonal ou o de cobre, é rápido e "muito fácil", e por se tratar de uma dor de intensidade moderada, como uma cólica menstrual mais forte, o uso da anestesia para realizar o procedimento não é uma prática recorrente na ginecologia.

"Alguns colegas, para amenizar essa dor, fazem anestesia local no colo do útero e referem que as pacientes se sentem mais confortáveis, mas na literatura não temos evidência de que essa anestesia melhore [a dor]", afirma.

Ela explica que um analgésico também pode ser administrado antes do procedimento. A anestesia é indicada para cerca de 10% dos casos, segundo Ilza, quando a dor pode ser acima do esperado. "No mínimo, em 80% das vezes é um procedimento rápido. Mas, claro, a paciente tem que concordar em fazer o procedimento sem a sedação", destaca.

A ginecologista Carolina Ambrogini destaca que, embora a anestesia não seja uma regra, pode ser necessária para as mulheres que têm mais sensibilidade à dor. "Por isso é importante o médico conhecer a paciente, porque se ela já tem muita dor no exame ginecológico, fica tensa, ou tem o colo do útero muito fechado, o ideal realmente seria fazer uma sedação. É preciso avaliar caso a caso", afirma ela.

A colocação do DIU pode ser feita tanto no consultório quanto em uma clínica ginecológica. "Esse é um procedimento ambulatorial que, em muitos países do mundo, além de médicos, profissionais de saúde como enfermeiros também são treinados para colocar, porque é relativamente simples e, na maioria das vezes, rápido, basta seguir a técnica", explica a porta-voz da Febrasgo.

"O DIU é uma contracepção de longa duração, que traz poucos efeitos colaterais e é seguro. É importante a paciente estabelecer uma relação de confiança com o seu médico, e se ela não está se sentindo segura, procurar outro profissional", destaca Carolina Ambrogini.