Mônica Martelli: 'Entrei na menopausa escolhendo calcinha pra sair à noite'
Famosa por retratar relacionamentos pela perspectiva das mulheres há mais de 15 anos, a atriz Mônica Martelli acaba de terminar mais uma temporada de sucesso em São Paulo da peça "Minha Vida em Marte". O monólogo, baseado em experiências pessoais da atriz, mostra a protagonista lidando com uma crise de casamento e fala de falta de libido, etarismo e expectativas frustradas. "A personagem luta contra o medo de separar, o medo da solidão, o medo de ressignificar sua vida e, claro, o medo de se separar com 45 anos numa sociedade machista onde a mulher não tem permissão para envelhecer", explica a atriz, em entrevista para Universa.
Por ser uma peça "livremente inspirada em fatos reais", Mônica, claro, mostra muito do que aconteceu com ela, mas também consegue representar muitas mulheres que passaram - e passam - pelas mesmas situações. Apesar de a peça falar de um fim de relacionamento, Mônica também traz notícias boas: de superação, reencontro com a autoestima e novas chances de amar. Ela mesma começou um relacionamento após os 50 com o empresário Fernando Alterio, com quem está desde 2019. A atriz, que esse ano se mudou para São Paulo, reforça que idade não deve ser impedimento para as mulheres. "A gente está sempre em tempo de escolher um caminho novo, um emprego novo, um amor novo, aprender uma língua nova ou conhecer lugares novos", diz.
A seguir, Monica fala da peça, de relacionamentos, menopausa e também da morte precoce do seu grande amigo e parceiro de cena Paulo Gustavo, que faleceu vítima da covid em maio de 2021. "É doido pensar que o mundo voltou e Paulo Gustavo não sobreviveu".
UNIVERSA Você acaba de encerrar mais uma temporada de sucesso de "Minha Vida em Marte". No que você acha que a peça toca o público?
MÔNICA MARTELLI É a história de uma mulher casada, em crise no casamento, lidando com todas as intolerâncias, os perrengues que todo mundo numa relação passa, porque se relacionar é difícil. Eu tenho convicção hoje que os relacionamentos são o melhor lugar pra gente se conhecer.
Então, se você já chegou ao final de uma relação, você está numa crise que não tem volta, a peça serve pra isso, pra te tocar. Pra te fazer pensar, ligar pra uma amiga e falar. É uma peça que fala sobre sentimentos e superação. Mas também fala de muita coisa atual que está sendo discutida: feminismo, etarismo, etc. Fala sobre uma mulher em crise no casamento. Com todos os medos que nós temos como mulheres. De separar quarenta e cinco anos de idade e romper porque tem uma vida esperando a gente.
A peça traz muito da tua vida. Como foi para você viver e superar o término do teu casamento? Quando você soube que era o fim?
Precisei de uns 4 anos de distanciamento para poder escrever sobre o que vivi. Muito do que eu vivi está na peça. A crise da relação, a minha falta de libido. Quando a Fernanda [personagem dela na peça] fala que não tem mais tesão, que "tem 45 anos e transa desde os 15, talvez tenha dado" é uma frase que eu mesma falei na terapia.
Na vida de casados, a gente passa por crises, conversa, faz novos acordos na relação. Só que tem uma coisa que você me perguntou agora que é a coisa mais difícil do mundo. Eu sempre me perguntava assim 'será que é mais uma crise ou chegou ao final?'
Mesmo quando você descobre uma traição, pode ser mais uma crise porque traição não é final de uma relação, pode ser um recomeço. Acho que acaba quando a gente olha para nosso parceiro e não enxerga mais nada que possa ser resgatado. Sabe quando você tenta fazer aquele exercício que é de voltar a olhar pro seu parceiro como você olhou um dia atrás? Sabe aquele olhar de brilho sem mágoa?
A coisa mais importante pra mim foi quando comparei a maior dor. O que me fazia sofrer? Era a dor de um futuro que você planejou e que não vai ter mais. Então, o casamento tinha chegado ao fim.
Você acha que a responsabilidade pelo relacionamento dar certo ainda está sob as mulheres?
Não. Eu acho que as mulheres ainda acham que o peso está em cima delas. É uma coisa que a gente carrega de séculos, assim como a educação de filho. Você vê uma criança fazendo pirraça no chão e alguém já fala 'gente, essa criança não tem mãe?'. E por isso as mulheres ainda se sentem responsáveis por isso.
Mas acho que os casais hoje estão conversando mais sobre isso. Obviamente, a peça é a perspectiva da mulher, da Fernanda. Ali, eu estou falando de um recorte feminino, dessa perspectiva.
Depois de tantos anos falando sobre relacionamentos, recebendo relatos e trocando experiências com mulheres, você acha que dá pra ser feliz sozinha?
Eu acho que dá pra ser feliz sozinha, sim. Porque hoje nós mulheres já estamos entendendo que a felicidade não está numa relação amorosa. Ela está TAMBÉM em uma relação amorosa.
Hoje, aos 54 anos, eu consigo horizontalizar mais as minhas alegrias, meus prazeres. Não é mais uma pirâmide, com a relação amorosa lá em cima. Antes eu colocava realmente alegria muito em cima da relação amorosa. Isso é uma questão de uma geração.
Hoje eu estou aqui conversando com você, daqui a pouco eu vou receber uma amiga pra almoçar comigo e essas coisas estão no mesmo nível de prazer de que eu vou estar com meu namorado jantando também.
Só que eu, Mônica, adoro namorar. Eu adoro beijar na boca. Eu adoro transar com uma pessoa que eu ame e que me ame, dormir de conchinha e tudo mais.
Como esse teu novo relacionamento, que começou aos 50 anos, é diferente dos outros de quando você era mais nova?
As expectativas com as quais você entra na relação com cinquenta anos são outras. Se antes ter filhos e comprar uma casa são objetivos, agora o único objetivo é ser feliz ao lado do outro, fazer companhia, ser parceiro para momentos alegres.
É outra etapa da vida. Eu, por exemplo, moro em casas separadas e não tenho o desejo de casar, morar juntos hoje.
Qual o segredo para esse tipo de relação, ainda não convencional, dar certo?
É a confiança um no outro. Eu confio no amor dele. Eu confio nele. Ele confia em mim. A partir do momento que eu perder essa confiança já vai ser uma outra história.
Já passei por histórias de traições da minha vida, mas eu parto do princípio que a pessoa está comigo porque quer estar comigo. A base do relacionamento é a confiança e querer estar junto.
A gente está numa idade também que a gente não tem que ficar mais fazendo performance pra ninguém, sabe? Isso é uma coisa que a maturidade te traz. Moramos separados, mas nos vemos nos finais de semana. Nos falamos todos os dias, 15 vezes por dia. Trocamos tudo. Peço a opinião dele, ele pede a minha. Acho maravilhoso, porque ele tem uma inteligência num lugar que eu não tenho, que é a prática. Eu, com anos de terapia, tenho mais inteligência emocional. E a gente se completa nisso, se apoia, sabe?
Eu também tenho uma filha que está entrando na adolescência e respeito o espaço dela. Aqui é a nossa casa. Não quero que ela se sinta "morando na casa do namorado da mãe". Mudei recentemente para São Paulo e montei nossa casa para nós duas. Coloquei papel de parede de flores e brinco que até a cachorra é mulher. É domínio feminino.
Assim como a Fernanda, você falou que passou por uma crise no casamento e questionou sua libido. Mas depois disso, ainda passou pela menopausa, que é fase que, tradicionalmente, as mulheres têm baixa libido. Como foi para você?
Eu tive uma sorte de entrar na menopausa me apaixonando. Por isso, a menopausa não conseguiu derrubar minha libido porque eu estava escolhendo calcinha pra sair à noite, trocando de roupa três vezes pra sair com o boy e mandando foto de look para as amigas.
Mas sei que esse não é o caso da maioria das mulheres e digo que é muito importante buscar, nesse momento, tudo que te ajude a resgatar isso nelas, porque essa fase da maturidade é uma fase longa.
A gente está vivendo mais. Essa "segunda adolescência", como falam, vai durar muito e a gente precisa realmente sentar, avaliar a vida e falar... espera aí, o que eu desejo? O que eu quero? Eu vou passar os próximos trinta anos com essa pessoa? Neste trabalho? Fazendo isso que eu faço? Espera aí, eu tenho tempo de mudar.
Como é sua relação com envelhecer?
Esses dias eu estava pensando nisso. Como eu investi em terapia. Eu faço terapia duas vezes na semana há trinta anos, amor. Eu investi em me conhecer, investi em inteligência emocional e em aprender a elaborar o que acontece.
Entendi que, quando a gente entra na menopausa, a vida não acabou. A gente tem perdas, claro que tem - não precisar comprar absorvente todo mês depois de mais de 30 anos é um marco na vida de uma mulher, claro. Só que você consegue administrar isso aí e tem uma vida enorme pela frente esperando.
Eu mudei de cidade aos cinquenta anos de idade. Eu me apaixonei aos cinquenta anos de idade. Minha filha mudou de escola junto comigo.
A gente está sempre em tempo de escolher um caminho novo, um emprego novo, um amor novo ou aprender uma língua nova ou conhecer lugares novos. Se agora você tem condições, aproveita, organiza a tua vida de uma forma que você consiga realizar esse sonho.
A peça começa com um vídeo de homenagem a Paulo Gustavo. É um momento muito emocionante e queria te perguntar como e por que você decidiu botar aquele vídeo ali? Como é voltar aos palcos depois da morte dele, depois da pandemia?
Minha irmã está fazendo um documentário sobre o Paulo Gustavo pra Amazon e que deve ser lançado no final do ano. Ela pediu pra várias pessoas vídeos do Paulo Gustavo. Quando eu estava vendo os meus, me deparei com muitos vídeos de camarim. Perdi as contas de quantas vezes o Paulo Gustavo viu minhas peças. Aí eu liguei pro Tales [Bretas, viúvo do ator], mostrei para ele e ele achou fofo.
Cara, eu falo o seguinte: a vida é antes e depois do Paulo Gustavo. Eu sigo em frente porque a vida se impõe. Você é obrigada a continuar a vida. Mas tem, sim, uma coisa louca de todos os dias vir um sentimento de "cadê ele?".
A peça acaba, eu olho para plateia cheia, aplausos, eu agradecendo e penso " a plateia está lotada, a vida voltou e o Paulo Gustavo não sobreviveu". Aí eu vou pro restaurante. Aí eu entro lá, estou na fila pra sentar. Eu falo "gente, eu estou numa fila pra sentar num restaurante, e o Paulo Gustavo não sobreviveu". É o tempo todo.
Em junho, você teve um problema de saúde, foi internada e teve que adiar a turnê de peça. Após a internação, você postou uma reflexão sobre o período, se questionando por que descansar só é permitido quando estamos doentes. Como você busca equilíbrio?
Tive uma infecção causada por uma bactéria chamada Clostridium. É claro que tudo meu tem um fundo emocional, tá? No meu caso, eu estava voltando aos palcos depois de dois anos, depois da pandemia. Antes de entrar no palco, em Porto Alegre, eu ouvia o barulho da plateia, eu só chorava ali atrás. Eu estava muito emocionada. Fiz dois espetáculos, um seguido do outro, tudo lotado. No dia seguinte, eu caí doente.
Hoje não tem quem não durma com a sensação de estar devendo alguma coisa e não acorde com a sensação de estar devendo. Nem que seja uma resposta no WhatsApp. A gente acorda devendo. É essa sociedade capitalista enlouquecida que nos exige produtividade o tempo todo e que faz com que a gente adoeça.
Então, quando eu fiquei doente, eu recebi muita mensagem. "Mônica aproveita essa doença e descansa". Ou seja, uma sociedade que só nos permite descansar quando a gente adoece.
Mas eu tento, vivo nessa luta desse equilíbrio. Adoro incenso, busco ioga, meditação, busco caminhos. E o desafio é se equilibrar dentro dessa cobrança da produtividade, não tem ser humano que aguente. Uma coisa que já consigo por em prática hoje é dizer mais 'nãos', impor limites. Hoje eu pauto a vida mais pelos 'nãos' e isso é libertador
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