'Pela minha individualidade': casadas e mães, elas gostam de viajar a sós
Há quem acredite que uma mulher viajando sozinha seja inadequado, capaz de ferir a moral e os bons costumes. Se for casada e ganhar o mundo sem o marido ou mesmo os filhos, sozinha ou acompanhada de amigos, aí o discurso tende a ficar ainda mais carregado e a atitude, criticada. Felizmente, existem mulheres que colocam essas discriminações de lado e decolam em direção àquilo que querem ver.
'Sempre volto muito melhor do que antes: mais descansada, com experiências novas para compartilhar, com mais saudade de todos e de casa. É como se tivesse entrado em uma cápsula de rejuvenescimento e reciclagem de energia", diz a diretora de comunicação Mari Maellaro, 54 anos, casada há 33 e mãe de dois filhos, de 31 e 22 anos.
Ela já conheceu mais de 30 países viajando sem o marido, acompanhada da prima. "Com a gente, nunca houve desrespeito ou olhar torto. O preconceito maior é da própria família e dos amigos —principalmente dos maridos alheios—, que acham inadmissível uma mulher casada viajar sem o seu parceiro. Puro machismo!", opina.
Universa ouviu essa e outras viajantes, que compartilham suas histórias e aventuras inspiradoras. Leia mais a seguir.
'A distância pode ser muito saudável para um relacionamento longo'
"Viajar sozinha, para mim, é autoconhecimento e conexão com a minha essência. Me faz muito bem estar longe do que me é familiar para ter um olhar mais profundo e sincero sobre mim, meus objetivos e sonhos. Sempre viajei sozinha, desde muito nova, tanto para mochilar quanto para morar fora. E, com o tempo, viajar se tornou parte importante do meu trabalho também, mais uma motivação para minhas andanças.
Não acho que viajar sozinha seja importante apenas para mulheres casadas. É algo importante para mim, mas não coloco isso como regra às outras pessoas. O que acho importante é que as mulheres não abandonem sua essência e seus sonhos ao entrarem em um relacionamento.
Nós, mulheres, temos uma tendência maior a nos abandonar em prol de se doar para o outro, mas isso acaba afetando de forma negativa a nossa autoestima e o próprio relacionamento a longo prazo.
No começo do meu relacionamento, era supercaótico. Eu e o Philipe levamos uns dois anos para nos alinharmos, para um entender as necessidades um do outro e construirmos confiança.
Logo no início do namoro, entendemos que não poderíamos matar as qualidades que nos fizeram nos apaixonar porque, assim, a admiração iria embora, e sem admiração um relacionamento fica insustentável. Acho que o segredo foi não ter medo de ter conversas difíceis.
Então, hoje em dia, voltar para casa é um dos melhores momentos. É quando estou inteira e energizada, geralmente com novos projetos e ideias que nos ajudam a seguir crescendo como casal e que também inspiram o meu marido em seus sonhos pessoais.
Fora que a distância pode ser muito saudável para um relacionamento longo. Sinto que isso faz a gente valorizar ainda mais as pequenas coisas. A volta é sempre intensa e matar a saudade dele é a melhor parte, apesar de nos falarmos muito enquanto estou viajando.
A minha viagem de moto sozinha pelos Estados Unidos , por exemplo, foi muito isso. A moto me proporcionou estar sozinha com a estrada e eu amo isso. Eu amo a minha solitude. Mas amo mais ainda voltar para casa. E depois de tantos anos viajando e morando em diversos lugares, casa, para mim, é onde o Philipe está.
Nós dois também viajamos muito juntos. Já tiramos três períodos de seis meses para rodar o mundo e estamos sempre vivendo aventuras diferentes. As viagens com ele são melhores do que as minhas sozinha, porque nos damos muito bem e nos divertimos horrores juntos.
No entanto, as minhas viagens sozinha são mais para a 'manutenção da minha individualidade e do meu trabalho'. Eu sou escritora e criadora de conteúdo, vivo uma vida que eu mesma criei e isso exige muita intuição e conexão. Então estar sozinha viajando me proporciona esse silêncio e mergulho em mim mesma.
Em relação ao preconceito, com certeza, acontece com frequência e não é algo somente da nossa cultura. Na cultura latina em geral e no Sudeste Asiático era bem comum as pessoas estranharem o fato de eu ser casada e não estar com o meu marido. Até mesmo por não ter filhos ainda ou não usar aliança.
Na América Latina, sinto um tom mais agressivo, de querer fazer piada sobre traição ou alguma tentativa de cantada sem graça. Mas, geralmente, basta eu me posicionar de maneira que não dê abertura a esse tipo de comentário e as pessoas acabam deixando de lado.
No Sudeste Asiático, sentia que existia mais surpresa mesmo de estar viajando sozinha, com perguntas curiosas, muitas vezes vindas das próprias mulheres, por ser algo muito diferente para eles.
Aliás, um dos lugares em que eu mais ouvia esse tipo de pergunta era na imigração americana, quando estava voltando para casa, onde morei com meu marido —também brasileiro— por sete anos antes de nos mudarmos para a Austrália. Com frequência, era questionada pelo agente de imigração sobre 'por que estava viajando sem meu marido'. Sempre fui educada e segui em frente, mas acho desnecessário esse tipo de questionamento da parte deles.
Acredito que fazer o que nos faz bem e alimenta a nossa essência é sempre positivo e só podemos estar bem com outra pessoa quando estamos bem com a gente. O ato de viajar sozinha vai exigir conversas sinceras e muita parceria do casal, o que já é algo muito saudável. Mas também pode trazer inseguranças e sombras que estavam quietinhas --tanto que muitas pessoas preferem fingir não ver os problemas do que dialogar e superar esses desafios juntos." Letícia Mello, 33 anos, criadora de conteúdo, casada há 8 anos com Philipe. Atualmente eles vivem em Sydney, na Austrália.
'Conheci mais de 30 países viajando sem marido e filhos'
"Há 13 anos, religiosamente, viajo com minha prima Evely para algum lugar do mundo, durante cerca de 15 dias, entre os meses de agosto e setembro. Viajo sempre com ela, pois temos uma sinergia incrível e nos divertimos muito. Mesmo nos perrengues, estamos sempre rindo e de alto astral. Nas nossas viagens, não tem tempo ruim.
Viajo sozinha por dois motivos: primeiro, porque eu tenho a liberdade de fazer o que eu quiser, da forma como eu quiser e na hora que eu quiser, sem ter que ouvir reclamação do tipo: 'Ai, tô cansado', 'Não gosto de museu" ou 'Que horas vamos comer?'.
Segundo, porque é um tempo somente meu, em que escolho o destino, escolho os passeios, não me preocupo com trabalho, filhos ou marido. É como se abrisse um portal e eu fosse teletransportada para outra dimensão.
Sempre volto muito melhor do que antes: mais descansada, com experiências novas para compartilhar, com mais saudade de todos e de casa. É como se tivesse entrado em uma cápsula de rejuvenescimento e reciclagem de energia.
Já conheci mais de 30 países viajando sem marido e filhos. Com a gente, nunca, em nenhum desses lugares, houve desrespeito ou olhar torto. O preconceito maior que sempre percebemos é da própria família e dos amigos —principalmente dos maridos alheios—, que acham inadmissível uma mulher casada viajar sem o seu parceiro. Puro machismo!
Um casal é formado por duas pessoas totalmente diferentes, com gostos e preferências diferentes, vindas de famílias, culturas e educação diferentes, e é um crime, a meu ver, qualquer um dos dois anular os desejos em prol do outro.
Meu marido, por exemplo, gosta de viajar de moto e eu não. É justo eu falar para ele: 'Eu não gosto, então você não vai'? Claro que não! A base de um relacionamento é a confiança e ela existe, estando perto ou longe.
Mas também viajo com a família. Em fim de ano, viajo com meu marido. Os filhos já são adultos e têm a vida deles, mas, quando querem, viajamos juntos em feriados." Mari Maellaro, 54 anos, diretora de comunicação, de São Paulo, casada há 33 anos e mãe de dois filhos, de 31 e 22 anos.
'Meu marido sempre me apoiou'
"Meu marido sempre me apoiou desde a primeira viagem sozinha que eu fiz com a Mari para comemorar meus 40 anos. Desde então, todos os anos fazemos a viagem de férias total e ele continua me apoiando: fica cuidando dos negócios, da casa, da nossa filha. Como desde solteiros já gostávamos de viajar, ele respeitou minha decisão de ter uma viagem sozinha." Evely Castro, 52 anos, prima de Mari e proprietária de escola infantil. Ela tem uma filha de 14 anos, que tinha apenas um ano na primeira viagem da dupla e ficou com o pai durante a ausência da mãe.
'Amigos dizem que preciso parar de viajar sozinha'
"Há sete anos, tive a ideia de fazer uma viagem para a Argentina, mas minhas datas não bateram com as do meu marido. Foi aí que comecei a ir sozinha e ele a ficar em casa com nosso filho. Hoje, costumo viajar sozinha duas vezes ao ano, nas minhas férias. Geralmente, fico três semanas ou, quando viajo só uma vez, fico fora os 30 dias direto.
Isso foi importante porque saí da minha zona de conforto, conheci muitas pessoas, muitas culturas. Percebi que, quando estou sozinha, fica bem fácil realmente viver o lugar onde estou, sem nenhuma interrupção ou algum dever.
Nestes momentos, posso sentar à beira de um lago e simplesmente observar as miniondas causadas pelo vento, sem me preocupar com horário para nada, apenas pensar sobre a vida, me redescobrir.
Quando você é uma mãe de família, a todo momento tem alguém pedindo algo: 'Onde está meu xampu?' ou 'O que vamos comer?'. E ainda pode acontecer de algo ser do seu interesse e não do restante. Mas cada vez que saio de viagem e volto, sei que onde eu vivo é o lugar em que quero estar e que minha família é tudo para mim.
Já viajei pela América do Sul, Estados Unidos e vários países da Europa. Falo bem espanhol, sei o básico de inglês, mas para todo país que vou, sempre aprendo as palavrinhas básicas, como 'bom dia', 'boa noite' e 'obrigada'.
Meu estilo de viagem é simples: faço planos de lugares, mas não sigo à risca tudo o que planejo, porque sempre tem um lugar para conhecer que só os locais sabem —então, se alguém me faz uma indicação, sempre vou. Viajo com apenas uma mala de 10 quilos, não importa se é por 15 ou 30 dias.
Também pesquiso tudo: passagens aéreas, hotéis, como funciona o transporte público, quais são os costumes locais. Faço toda a viagem por conta própria, sem utilizar agência de viagens, e geralmente só tenho reserva em hotel para o primeiro dia.
Mas já passei por alguns perrengues também, como chegar muito tarde em algumas cidades, não encontrar hotel e ter que andar por vários lugares até encontrar lugar para dormir. Por isso, prefiro me deslocar de uma cidade a outra durante o dia.
Infelizmente ainda vivemos com o preconceito que envolve mulheres casadas viajando sozinhas. Se um homem viaja e a mulher fica em casa com as crianças, está tudo bem, mas se ela viaja e deixa seu filho e seu marido, dizem que ela não pensa na família. Os homens casados podem ir pescar, por exemplo, mas é raro as mulheres desses mesmos homens fazerem uma viagem entre amigas.
Tenho amigos mais velhos que já me disseram que eu deveria parar de viajar sozinha. Uma colega também me perguntou se meu marido 'deixa eu viajar de boa'. Já no exterior, até conheci muitas mulheres que também viajam sozinhas e desacompanhadas, mesmo casadas ou tendo namorado.
Penso que falam que eu não devo viajar sem o marido mais por preconceito do que pensando na minha segurança. É claro que há muitas pessoas que se preocupam com isso, também, mas geralmente elas me aconselham e me incentivam." Taiane Cervim, 35 anos, empresária, de Rio Verde (GO), casada há 17 anos e mãe de um adolescente de 15 anos.
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