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"Não dá para morrer só por ser mulher", diz Monica Iozzi

Natália Eiras

Colaboração para Universa, em São Paulo

04/10/2022 04h00

Neste 2022 de eleições com campanhas acaloradas, além de mimos e publis, o Instagram de Monica Iozzi tem um espaço cativo para a política. Ela é vocal sobre o assunto, sem medo de perder seguidores ou trabalhos como artista. "Preciso usar a minha voz para instigar as pessoas, para fazê-las debaterem", afirma Monica, em a Universa.

A atriz diz que se interessa por política desde a adolescência. "E é um assunto muito importante, estamos fazendo política o tempo todo", diz Monica Iozzi. Por isso, fez uma espécie de talk show sobre o assunto, o "Fale Mais Sobre Isso", em que recebe pessoas que debatem e explicam conceitos básicos como o papel dos parlamentares ou a relação entre a religião e a política. "Quis fazer isso de maneira mais leve, para que todo mundo entenda".

Além disso, é narradora da versão brasileira do podcast norte-americano "Bunga Bunga!", sobre o político italiano Silvio Berlusconi. "Achei interessante contar essa história nesse momento, porque o Berlusconi acaba sendo o precursor de figuras como Donald Trump, Bolsonaro, figuras que se apresentam como outsiders, que são consideradas autênticas, mas acabam tendo um discurso de ódio", comenta Monica.

Para ela, trazer o debate político à tona também é uma forma de fazer o mundo melhor para as mulheres. Na semana passada, no palco da Casa Natura Musical, em São Paulo, Monica contou a uma plateia majoritariamente feminina sobre como saiu de um relacionamento abusivo que viveu ainda na adolescência. "Foi um dos meus primeiros relacionamentos e eu não pensei em sair fora e nem em pedir ajuda. Só muito tempo depois, quando fui agredida fisicamente".

Ela estava lá para ocupar o papel de madrinha do pilar enfrentamento à violência contra mulheres e meninas, do Prêmio Inspiradoras 2022, uma parceria entre Universa e o Instituto Avon. "Precisamos falar do assunto para romper o ciclo da violência. Não dá para morrer só por ser mulher".

UNIVERSA: Nas redes sociais, você fala bastante sobre política. Por que acredita que precisa se posicionar como artista?

Faria isso mesmo não sendo artista. É uma coisa que me interessa desde quando eu era adolescente. Agora, a partir do momento em que, por trabalhar na televisão, tenho um alcance muito maior, é claro que vou me manifestar. Quando a gente fala com tanta gente, tem que defender o que acredita. Não pode desperdiçar essa chance. Por que não instigar as pessoas a questionar ou mostrar notícias que não sejam fake news? A gente tem que fazer de tudo para que todo mundo se interesse. Apenas com uma população mais interessada, mais bem informada, é que vamos mudar as coisas. Sem debate não há democracia. E, nesse momento, estamos em um momento mais grave, temos um presidente que não está totalmente no jogo democrático, tem posturas extremamente antidemocráticas e intolerantes. Então todo mundo precisa prestar atenção, estar engajado. Eu tenho utilizado o meu espaço para instigar as pessoas. Nada vai mudar se a gente não se interessar de verdade.

Por que acredita que todo mundo deveria se interessar por política?

A gente faz política no dia a dia e não percebe isso. Cada vez que você conversa com as pessoas do seu prédio, sobre os problemas do seu condomínio. Toda vez que a gente se depara com problemas da nossa cidade e começa a debater como solucioná-las. Quando a gente precisa encontrar uma resolução de conflito em qualquer área da vida, já estamos fazendo política. Se você pode comprar a carta do carro e escolhe não fazer isso, é um posicionamento político. O mais triste é que a maioria das pessoas prefere agir sem ética, porque parece mais fácil. E essas pequenas corrupções do dia a dia, que são intrínsecas à nossa cultura, desaguam lá na frente como as grandes corrupções que afetam a vida de milhares de pessoas.

A aversão à política é perigosa?

É sim. Por mais que as pessoas queiram se afastar da política, é ela quem acaba definindo a nossa qualidade de vida. É a política que define onde vai o dinheiro dos nossos impostos, se vamos gastar isso na melhoria da saúde pública, se vamos diminuir os impostos em jet-ski. As pessoas se afastam por acreditarem que é uma engrenagem que existe há muito tempo, que é ineficaz e corrupta, e também porque não dominam como os mecanismos básicos da política funcionam. Nem todo mundo é corrupto. O Brasil tem uma das melhores constituições do mundo. Para fazer a coisa funcionar, precisa acompanhar e cobrar a pessoa em quem você votou. Mas tem gente interessada em que a gente não entenda a política, porque, quanto mais distante você mantiver as pessoas da informação, mais fácil será manipulá-las.

Como a aproximação com a política pode mudar a vida das mulheres?

As políticas públicas têm um papel essencial na defesa das mulheres e crianças. Não adianta fazer campanhas para que elas denunciem violência doméstica, sendo que, após a denúncia não há para onde elas possam ir. Que rede de apoio elas terão? São políticas públicas que definem essas coisas. Quantos programas existem para que essas mulheres consigam trabalhar, tenham renda própria? Muitas não saem do ciclo de violência porque não têm como se manter. Quem define tudo isso é o governo: o federal em algumas instâncias, o estadual e o municipal em outras.

Por que o combate à violência contra as mulheres e meninas deveria ser um assunto mais discutido?

Vimos o caso da menina de 11 anos que ficou grávida pela segunda vez por conta de um estupro. Nós, como sociedade, falhamos duas vezes com essa menina. O Estado falhou duas vezes com ela. Ela é um exemplo dentro de milhares de exemplos. Temos cerca de 30 mil meninas menores de 13 anos que ficam grávidas por conta de violência sexual. E estamos falando apenas de casos de meninas menores de idade, que, teoricamente, deveriam ser a nossa prioridade em relação à segurança. Não tem como não se revoltar com um cenário desses.

E por que este é um tema tão importante para você?

Todo mundo conhece pelo menos uma mulher que já foi agredida. Independente da classe social, raça, nível de instrução. Isso tudo acontece em todos os setores da sociedade. E tem que parar. A gente tem que ter o direito de viver sem medo. São aquelas velhas frases que podem soar como clichês, mas são verdadeiras. A gente quer poder andar na rua sem medo, deixar as nossas filhas saírem de casa com a roupa que elas quiserem. É tudo muito delicado. A violência sexual acontece majoritariamente dentro de casa. São mulheres agredidas por pessoas muito próximas. Quem as protege? Os números no Brasil são alarmantes e a gente não vê o público falando sobre o assunto com seriedade. O Ministério [da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos] da ministra Damares Alves é uma tragédia. Pouquíssimo do orçamento que seria destinado à proteção das mulheres e crianças foi realmente usado. A gente viu um retrocesso. Fala-se tanto sobre igualdade de direitos, mas a gente ainda precisa lutar pela vida das mulheres. É um assunto que deveria ser tratado até acabar. A gente tem que lutar, não dá para ser assassinada apenas por ser mulher.

O Prêmio Inspiradoras é uma iniciativa de Universa e Instituto Avon, que tem como missão descobrir, reconhecer e dar maior visibilidade a mulheres que se destacam na luta para transformar a vida das brasileiras. O foco está nas seguintes causas: enfrentamento às violências contra mulheres e meninas e ao câncer de mama, incentivo ao avanço científico e à promoção da equidade de gênero, do empoderamento econômico e da cidadania feminina.