1ª deputada federal negra do PR: 'Aqui, bolsonarismo namora com o nazismo'
Carol Dartora (PT-PR) já acumula dois títulos como primeira mulher negra na política: primeiro, ao se tornar vereadora em Curitiba, em 2020, e agora, como deputada federal pelo Paraná. Recebeu mais de 130 mil votos e, em números totais, perdeu apenas para Deltan Dallagnol (Podemos), nome que ganhou exposição nacional devido à operação Lava Jato.
Em conversa com Universa dois dias após o resultado da eleição, Carol se mostrou confiante e pronta para enfrentar o Congresso Nacional, mesmo sabendo que terá pela frente um ambiente em que pautas raciais são criticadas por conservadores e tratadas como temas menores. "A Câmara de Vereadores de Curitiba foi uma boa escola", disse.
"Vivo em uma das cidades com o maior número de células neonazistas do país. Aqui, o bolsonarismo namora com o nazismo."
Nascida e criada na capital paranaense, Carol, que é professora e historiadora, estuda a fundo o tema do racismo na região. "A população negra no Paraná é de 30%. Em Curitiba, 20%. Mas o racismo e o processo de exclusão foi tão pesado que a população negra curitibana, que já chegou a ser 40%, caiu pela metade. As barreiras vão desde agressões por questão racial ao racismo na escola, ao Uber não parar porque a pessoa é negra, o porteiro não abrir quando tem uma pessoa preta na porta. Isso fez com que as pessoas fossem embora."
Com propostas focadas em violência racial e direito das mulheres, ela promete se unir a deputados de esquerda em Brasília e "passar bem longe" de Dallagnol, seu conterrâneo.
UNIVERSA - Sua eleição mostra que a sociedade está mudando? Ou tem mais a ver com a mobilização do movimento negra?
CAROL DARTORA - Ser eleita a primeira mulher negra vereadora, em 2020, já demonstrou o peso do racismo estrutural de Curitiba. Somos minoria e sofremos com a violência política que tenta engessar nossa atuação. Então, existe, sim, uma compreensão social sobre o racismo que é fruto de várias coisas. Algumas políticas foram construindo isso, como a de cotas na universidade. Isso foi movimentando a possibilidade de ocupar espaços com a nossas questões de vida, sobre o que é o nosso cotidiano e como transformar isso em uma solução política. É romper barreiras e uma demonstração de que o racismo pode, e deve, ser superado no Brasil. Só perdi em votos para o Deltan Dallagnol.
Estamos dando o recado de que a superação está acontecendo Carol Dartora, primeira deputada federal negra do Paraná
Há uma imagem, inclusive em todo o país, de que o Sul é uma região branca, de descendentes de europeus. A população negra no Paraná, por exemplo, é mesmo minoria ou só é invisibilizada?
A população negra no Paraná é de 30%. Em Curitiba, 20%. Mas aqui o racismo e o processo de exclusão foi tão pesado que a população negra, que já chegou a ser 40%, caiu pela metade. Sou curitibana, minha família é paranaense, somos pretos retintos. E ter uma vida aqui, para nós, é muito difícil.
São barreiras que vão desde a violência racial e o racismo na escola ao Uber não parar porque a pessoa é negra, o porteiro não abrir quando tem uma pessoa preta na porta. Isso fez com que as pessoas fossem embora. É assustador pensar que a população diminuiu pela metade. É assustador pensar que o Paraná, que se diz um estado rico, tem uma população negra que vive em condição de desigualdade no Vale do Ribeira, onde existem 27 comunidades quilombolas.
O Congresso terá muitos parlamentares conservadores e críticos a pautas sociais --suas maiores bandeiras. Prevê embates?
A Câmara de Curitiba foi uma boa escola, porque é conservadora, branca e tinha apenas três vereadores de oposição, entre eles eu, a única mulher negra. Curitiba é racista e uma das cidades com o maior número de células neonazistas. Aqui, o bolsonarismo namora com o nazismo, e não é exagero nem teoria da conspiração dizer isso.
As ideias do bolsonarismo misturam fundamentalismo religioso de direita com ideias de supremacia branca e com misoginia. Esse é o pensamento que elegeu a maior parte dos vereadores de Curitiba. Já temos uma prévia dos embates duros que se dão na Câmara dos Deputados. Mas ao mesmo tempo, temos o PSOL, que elegeu mais deputados do que o PSDB, elegemos as primeiras mulheres trans, mulheres negras. Esse é um sinal da sociedade de que o pensamento está mudando e que se quer a transformação, não mais esse centro, que não é ideológico, só um amontoado de gente em atividade permanente no espaço de atuação política.
Já tem alguma proposta em mente para apresentar como deputada federal?
Quero participar da revisão da Lei de Cotas. Aprovei em Curitiba a Lei de Cotas para os serviços públicos municipais, inédita na cidade, pois para uma vereadora de oposição é muito difícil aprovar projetos de lei. Esse é embasado em vários estudos para a revisão da lei das cotas nacionais. Vai ser uma honra participar disso e ver essa luta avançando contra o racismo estrutural. Também quero atuar nas questões de políticas de gênero e raça. Temos que considerar o racismo como violência política, isso tem que ser criminalizado. As situações de racismo não são efetivamente punidas e, o mais assustador: há parlamentares e pessoas eleitas que fazem falas racistas ao dizer que isso não existe. Isso tem que ser criminalizado. Quero atuar muito nisso.
Ser vereadora em Curitiba me mostrou como a violência política invisibiliza as minorias. E, acima de tudo, é preciso que trazer os racistas para o debate e mostrar que não é mais aceitável.
Terá algo sobre mulheres?
Queremos avançar na pauta de cuidados e mostrar que o Estado tem que garantir as devidas condições de segurança para as mulheres, para as trabalhadoras domésticas, e avançar na conversa sobre estender a oferta de creches, com opções noturnas. É isso que quero debater.
Com quem pretende se aliar?
Obviamente com deputados eleitos pelo PT e de esquerda, que fazem essa luta pelo direito social.
E de quem pretende passar longe?
De Deltan Dallagnol. Ele é da minha cidade, conheço bem. Fascista. Absolutamente fascista.
Qual o maior orgulho de sua carreira política até aqui?
É sentir o quanto essa representação precisa existir. Fazia falta, sinto isso. Pode parecer arrogância, mas não é. Ainda mais quando vejo pessoas que choram ao me ver. Mulheres e meninas negras em especial, que nunca se viram naquele espaço. Eu, como mulher preta retinta, nunca me vi em lugar nenhum. Nunca me vi em novelas, revistas. Me sinto feliz em representar tanta gente, inclusive pessoas não negras, que entendem a luta, que são de classes diversas e precisam estar representadas. Esse sentimento de representação é mais profundo em negros, mas outras pessoas também sentem. É maravilhoso demonstrar que somos diversos e precisamos ter voz.
Como feminista, quais são suas críticas ao movimento em relação à falta de atenção às questões raciais?
Precisamos avançar na compreensão feminista. Costumo dizer que a maior contribuição para que a gente possa avançar em tudo na sociedade é esse conceito de interseccionalidade [convergência de temas sociais, como gênero e raça]. Foi a partir desse conceito que conseguimos fazer análises mais verdadeiras sobre o que é o Brasil, olhando pela perspectiva de gênero, raça e classe. Conseguimos produzir o dossiê de mulheres negras e denunciar que elas são a base da pirâmide social em tudo: menores salários, mais prejudicadas na questão tributária, sofrem mais violência, grande parte é trabalhadora doméstica. O que precisamos entender é que o feminismo é uma pauta caríssima para as mulheres. É uma afirmação política sobre o que precisamos continuar lutando.
O feminismo não é para dividir nem separar as mulheres, com brancas de um lado e negras do outro
É para mostrar que todas nós sofremos, sim, mas de formas diferentes. E precisamos considerar que somos diversas e não retroceder e abandonar o legado do feminismo ao longo da história.
Vê sua eleição como um resultado da mobilização do movimento negro em todo o Brasil?
Sim. Ser eleita é uma resposta a toda luta do movimento negro e das mulheres negras. Significa o resultado de uma batalha travada há anos no Brasil que tem uma dívida histórica com a população negra, em especial as mulheres , que são a base da pirâmide social. E, ao não estarem em espaços de poder e de decisão, vemos como o racismo estrutural é institucionalizado e continua se reproduzindo em decorrência dessas ausências. Mas isso está sendo transformado.
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