Bancada feminina na Câmara dos Deputados fica mais à esquerda em 2023
A bancada feminina da Câmara dos Deputados terá outra cara a partir de 2023. Se o mandato atual tem, neste momento, mais da metade de deputadas federais de partidos de direita, 54%, o próximo trará um equilíbrio maior entre os dois espectros políticos que dividem, também, a população. Enquanto a proporção das conservadoras cairá para 42%, ou 38 cadeiras, o número de mulheres de esquerda subirá de 28% para 37%, num total de 34 parlamentares, segundo levantamento feito por Universa.
Mas, ainda que a representação política de apenas um lado tenha diminuído, a mudança não é de todo positiva, de acordo com a cientista política Débora Thomé, pesquisadora do Laboratório de Estudos de Gênero e Interseccionalidade da UFF (Universidade Federal Fluminense).
"Durante a atual legislatura, muitas deputadas chamaram a atenção para o fato de que, pela primeira vez, a bancada não conseguiu fazer coalizão em praticamente nenhum assunto. E isso vai persistir nos próximos anos, assim como a dificuldade de que o bloco feminino atue conjuntamente."
Bancada rachada pelo aborto
Desde 2019, a bancada feminina enfrenta um "racha" que diz respeito, principalmente, a temas relacionados a aborto. Parlamentares ouvidas por Universa ao longo desses quatro anos afirmaram com frequência que os esforços estavam mais voltados para barrar projetos de lei que retirassem direitos do que se unir para proteger as mulheres brasileiras.
Líder das deputadas federais em 2020, Professora Dorinha (DEM-TO) disse que propostas conjuntas não avançavam porque as bancadas religiosas "veem aborto em tudo", mostrando que as pautas morais atravancavam até mesmo outras discussões que não têm a ver com esses temas.
"Os trabalhos das deputadas têm sido muito relacionados a essa 'contenção de danos' e, é claro, ter uma bancada com mais integrantes do PT e do PSOL, que juntas vão fazer um número bem razoável, é muito importante para barrar projetos que retirem direitos", diz Débora.
Reverter perdas, principalmente as em dinheiro
Mas há perspectivas positivas em relação aos próximos quatro anos. Michelle Ferreti, cofundadora e uma das diretoras do Instituto Alziras, ONG que estimula a presença feminina na política, vê no aumento de mulheres de esquerda uma chance de reverter algumas perdas dos últimos anos.
Entre elas, pontua, as que tratam de questões sociais e atingem diretamente a população feminina. "Acredito que a chamada frente ampla, construída durante as eleições, possa aparecer também no Congresso. No próximo mandato, haverá o desafio de reconquistar direitos perdidos, como os trabalhistas. As mulheres são as mais impactadas pelo desemprego, e a reforma as prejudicou", opina Michelle.
"Também acredito que a nova bancada feminina irá tentar retomar os investimentos do orçamento federal em políticas para mulheres", diz, referindo-se a área que sofreu cortes drásticos durante todo o governo de Jair Bolsonaro (PL), como mostrado por Universa em julho.
Em entrevista à colunista de Universa Tatiana Vasconcellos, a deputada federal reeleita Adriana Ventura (Novo-SP) reforçou que a falta de verbas em programas que atingem as brasileiras é um dos pontos que tocam parlamentares dos dois espectros políticos opostos.
"Vejo com preocupação os cortes que dizem respeito à educação infantil, incluindo creches. Enquanto não colocarmos a educação básica como prioridade, será mais difícil fortalecer o papel das mulheres no mercado de trabalho e na sociedade", afirma.
Pautas sociais foram cruciais para eleger mais integrantes da esquerda
Coordenadora-geral do Observatório de Candidaturas Femininas da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo), a advogada Maíra Recchia explica que o aumento de parlamentares progressistas pode ter a ver com as pautas que defendem —e a diminuição das de direita, com as que deixam de defender.
Nesse segundo caso, uma vez que quase a metade, cerca de 40%, segundo Maíra, é eleita na esteira do sucesso de pais e maridos também políticos, "elas acabam reproduzindo pautas e entendimentos dessas pessoas que lhes transferiram os votos".
"Essa mudança na bancada se deve muito à pauta que geralmente as mulheres da esquerda defendem mais, a social, de proteção à população e aos direitos femininos", diz Maíra, que acredita que a nova configuração tem a ver como debate público sobre a importância de votar em mulheres, mas nas capacitadas, não em qualquer nome feminino.
"Faz tempo que travamos essa discussão: não basta eleger mulheres, elas precisam estar comprometidas com as causas voltadas a políticas públicas".
No Senado, direita impera e terá Damares como nome forte
No Senado, o número de mulheres vai cair das atuais 12 para dez. Das que assumirão em 2023, cinco são de direita, duas de esquerda e três de centro —esse último é o grupo que mais perdeu espaço na casa, indo de 47% para 30% de representação.
Em relação às conservadoras, não há dúvida de que o nome forte será o da ex-ministra Damares Alves (Republicanos). "É um elemento nocivo para os direitos das mulheres", opina Débora, apontando as tentativas de Damares de barrar direitos reprodutivos já conquistados, como o da interrupção de gravidez, e ter chefiado o ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos quando mais houve cortes de verba e programas para as brasileiras.
Em um contexto geral, ambas as casas terão maioria de parlamentares filiados a partidos de direita. "A bancada feminina do Congresso não vai conseguir, sozinha, conter danos, e precisará contar com os aliados homens dos partidos progressistas para pensar como é que vai agir para barrar tentativas de retiradas de direitos."
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