Clientes bêbadas e terno de R$ 600 mil: como é trabalhar em lojas de luxo
Cabelo lavado e arrumado, maquiagem leve, esmalte clarinho nas unhas. A aparência fresca é só um dos atributos das vendedoras das lojas de marcas de luxo, onde há fila de espera para se comprar bolsas avaliadas em quase R$ 90 mil - caso das Birkin, modelo exclusivo da marca Hermès.
Ensino médio completo, português sem defeitos e inglês também estão na lista básica - seus clientes podem ser gringos. Mas talvez o principal atributo para se sair bem na profissão é o ar blasé em meio a um universo em que a pergunta "quanto custa?" tem zero importância.
Laura Souza, 29 anos, atuou por nove anos no mercado de luxo. No seu currículo estão as lojas Hermès, Miu Miu, Gucci e a joalheria Silvia Furmanovich (só nessa última foi vendedora). Acostumada aos preços marcados na casa dos milhares, talvez tenha deixado escapar um leve arquear de sobrancelha ao testemunhar a compra de um terno de R$ 600 mil reais. "Sem parcelar", acrescenta.
"Caixinha" em troca de discrição: famosa bebeu demais
Para lidar com joias, que podem chegar a R$ 1 milhão, é preciso usar luvas, para não danificá-las ou deixar marcas de digitais engorduradas. Os valores são sempre tratados com discrição —e também o que acontece na loja. É bastante comum que clientes sejam mimadas com drinks durante as compras. Certa vez, Laura recebeu oferta em dinheiro de uma delas para que não contasse pra ninguém sobre o vexame que deu: bebeu muito e passou mal. "Era famosa."
Há outros momentos bem fora do job description: tipo fazer a babá de cachorro enquanto a freguesa experimenta roupas. "Deitei no chão e fiquei dando comida pra ele." Hoje, Laura continua a atuar nesse mercado e faz atendimentos exclusivos de forma independente, ajudando endinheirados a fazer compras.
Se quem atende precisa estar impecável (às vezes é a própria vendedora que precisa bancar seu uniforme, por mais de R$ 1 mil), não se pode esperar o mesmo de quem compra. E, por isso, as vendedoras juram que são treinadas para dispensar o mesmo tipo de serviço a qualquer um que atravessa a porta da loja.
(Há controvérsias - quem nunca enfrentou aquele olhar de cima a baixo até mesmo numa loja comum?)
"A galera mais simples, que vai de roupa de academia e cabelo sujo é a que passa no crédito à vista. Os mais ricos são os mais simples. Já os novos-ricos te destratam", conta a empresária Camila Nery, 32, que durante 13 anos foi vendedora em lojas como Carolina Herrera, Sarah Chofakian e Ricardo Almeida.
"Estava grávida, com a barriga enorme. Uma senhora colocou uma sandália no pé e pediu pra eu me agachar pra amarrar", lembra.
E sempre há os generosos: "um empresário comprou na loja um mimo de luxo para cada um de seus 30 funcionários. Brincava que ele podia ser meu patrão."
Mimos para amantes e convites indecorosos: "Falou que buscava de jatinho"
Agradar a clientela, nesse universo, vai muito além dos elogios no provador. Conquistar uma vaga nesse mercado exige também uma agenda recheada de bons contatos, um bom marketing pessoal e poder de persuadir.
O networking é feito à base de presentinhos e de experiências. A cada mês, Camila convidava alguns de seus clientes para almoçar. Pelo menos 5, com autorização do departamento de marketing. Cada conta do restaurante, com facilidade, ultrapassava os R$ 1,5 mil.
Ela também tinha liberdade para comprar presentes. Uma foto de família que estava no Instagram, impressa e enquadrada, fez com que sua cliente se emocionasse. Para agradecer, passou na loja. E fez comprinhas, claro.
Nesse mundo restrito do luxo, em que todos se conhecem, fofocas e torta de climão acabam sendo tão abundantes quanto os zeros nas contas bancárias. Por exemplo, é preciso agir normalmente quando não é a esposa do cliente que vem retirar algumas roupas, mas a amante. Já houve casos em que a outra descobriu na própria loja que o dito era casado. "O funcionário, sem querer, perguntou algo sobre a esposa. Ele ficou com uma cara...", conta Camila.
E claro, sempre tem os sem noção, que interpretam mal toda a educação e atenção dispensada pelas vendedoras. Um político do Paraná a convidou para ir a um show do Coldplay no Rio. "Ele era casado. Falou que me buscava de jatinho." Ela recusou, disse que tinha namorado. "Mesmo assim, o assessor dele continuou insistindo e me ligando."
De outra vez, recebeu o convite para ir ao motel de um cliente que teria ido buscar o terno do próprio casamento. É preciso sangue frio para responder: 'Obrigada pelo convite, mas não quero'. "Você tem que ser muito educada."
Até R$ 40 mil por mês
Diferentemente de lojas comuns, nessas costuma haver uma hierarquia a ser galgada pelas aspirantes a vendedoras: auxiliar, administrativo, vendedora e vendedora responsável. Há um rigoroso processo de seleção - uma forma eficiente de conquistar a vaga é se apresentar no local, de preferência muito bem vestida.
O salário varia, mas é melhor que, por exemplo, o das vendedoras de fast fashions. O valor de entrada gira em torno de R$ 4 mil. Dependendo do desempenho da vendedora, as comissões podem elevar o montante a R$ 40 mil em um único mês.
Boa parte do dinheiro precisa ser 'reinvestida' - no mercado do big money, aparência importa. "A maioria dos vendedores é de ricos falidos. São ex-ricos", observa Laura.
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