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'Com câncer aos 18, ouvi que não viveria 1 ano. Me curei e virei médica'

A médica Marina Aguiar - Arquivo pessoal
A médica Marina Aguiar Imagem: Arquivo pessoal

Marina Aguiar, em depoimento a Ed Rodrigues

Colaboração para Universa, em São Paulo

11/10/2022 04h00

"Quatro meses depois de iniciar a faculdade de odontologia, tive que trancá-la. Estava em uma fase muito feliz da minha vida, em um curso que tinha me preparado para iniciar. Mas, aos 18 anos, descobri que estava com leucemia linfocítica aguda, tipo de câncer comum na infância e adolescência em que o linfócito, célula responsável pela defesa do corpo, sofre uma mutação.

A luta foi grande, mas usei toda a dor como aprendizado. Venci. E hoje levo aos meus pacientes um tratamento com a empatia de uma pessoa que sentiu na pele o que eles estão passando.

Descobrir a doença foi o pior baque da minha vida. Passei oito meses internada porque o tratamento não me permitia conciliar com outras coisas. Tive que parar tudo. Você tem que parar o que está fazendo para se internar e ficar no hospital o tempo integral para poder se curar.

Ter que suspender minha vida foi pior do que perder cabelo porque estava presa a uma doença e a um tratamento no auge da minha juventude. A gente recebe a notícia, mas a ficha não cai na mesma hora. Demora um pouco para assimilar tudo. Só depois, com o tempo, que vai entendendo as coisas que estão acontecendo.

"Senti morte chegando, mas não desisti da luta"

O tratamento é bem difícil. É uma doença muito agressiva. Nunca perdi a fé ou achei que iria morrer. Mas teve vezes que eu senti como se eu a morte estivesse chegando. Em nenhum momento desisti da minha luta.

Fiquei praticamente oito meses internada, entre idas e vindas. Ficava três dias em casa e voltava para o hospital. Até que o médico disse que eu era refratária —quando as células cancerígenas não morrem com o tratamento. Ele indicou transplante de medula óssea.

Fui então para o Hospital do Câncer Araújo Jorge, em Goiânia, mas o meu único irmão não foi compatível comigo e eu não achei doador. Tive que iniciar outro protocolo de tratamento de quimioterapia intenso. Foi assim por mais dois anos.

"Minha mãe engravidou para me salvar"

Meus pais resolveram engravidar novamente para me dar outra chance de transplante. Fizeram inseminação artificial porque minha mãe tinha feito laqueadura, mesmo assim eles não desistiram da minha cura. Minha mãe engravidou de gêmeos. Só que o parto foi prematuro e as células do cordão umbilical vieram insuficientes para fazer o transplante.

E aí, mais tarde, quando eles cresceram, a gente fez o teste de compatibilidade e viu que eles também não foram compatíveis. A gente passou por muita dificuldade. Essas notícias vieram como bomba na época, mas a gente conseguiu sobreviver a tudo isso.

Tive muito apoio da minha família e da minha igreja. Sabia que poderia me curar mesmo sem o transplante. Consegui passar por tudo isso com muita fé, perseverança, otimismo e apoio da rede familiar.

"Médicos diziam que eu não sobreviveria mais um ano"

Lembro que, na época do diagnóstico, recebi de vários médicos informações frias e prognósticos muito ruins e sombrios. Chegaram a falar coisas do tipo: "Ela não vai aguentar"; "ela não vai sobreviver nem um ano".

Infelizmente, para grande porcentagem dos pacientes que morrem, isso é verdade. Mas não acredito que seja a melhor forma de a gente falar para a família e para o paciente porque, desse jeito, tiramos totalmente a esperança dele através das palavras frias.

Foi a partir daí que eu resolvi fazer medicina, para ser uma médica diferente. Mesmo que o paciente não tenha prognóstico bom, passo para ele a informação de maneira mais empática.

Estudei medicina para tratar o paciente, levando esperança, e não tirando totalmente a perspectiva que ele tem da cura.

História virou tema de palestras em faculdades

Depois que aconteceu esse boom aí das redes sociais, fiz o meu Instagram profissional. Aí, algumas pessoas que já sabiam da minha história começaram a pedir para eu contá-la. Segudiores foram compartilhando suas histórias também.

Comecei a ser bem ativa nessa questão de conscientização. Vieram parcerias, várias pacientes perguntando e tirando dúvidas ali no Instagram, se conectando e dando forças um ao outro.

Quando eu fiz um reels contando a história do meu transplante que não deu certo, falando da minha história com os meus irmãos, teve mais de meio milhão de visualizações. Virou tema para discussão de aulas e palestras em faculdades.

Então, é muito legal essa forma que a gente tem levar informação para tantas pessoas, e com uma plataforma tão simples, que pode amplificar ainda mais a minha voz e o meu testemunho de vida.

Você consegue

É importante que as pessoas sintam que não são apenas números, estatísticas.

O motivo de eu ter feito medicina, inclusive, foi esse: para dizer aos pacientes que nós, pessoas, indivíduos únicos, não somos determinados por porcentagem, e que o nosso futuro não está determinado por estatísticas de livros.

Muitas vezes o prognóstico é muito ruim mesmo, o tratamento não é fácil, não é simples, é doloroso, é complicado, mas não podemos perder a esperança, não podemos perder a fé. E eu sou a prova disso."

Marina Aguiar, 34, mora em Goiânia e é médica