Vídeo choca ao traumatizar crianças: como ensinar os perigos sem assustar?
Um vídeo que ensina uma suposta técnica para evitar que crianças falem com estranhos viralizou e deixou muita gente assustada pela forma violenta com que isso é feito: os pequenos são levados a pensar que estão sendo raptados após aceitar um presente de um desconhecido.
A prática é condenada por especialistas em educação, que alertam para consequências que isso pode trazer para o comportamento ao longo da vida.
As imagens são chocantes e mostram um homem mascarado entregando um presente a um menino, que é sequestrado assim que aceita. A cena se passa numa sala, onde um grupo de crianças assiste a tudo.
O mascarado retorna e tenta oferecer o mesmo presente para as outras crianças, que já estão visivelmente apavoradas. Com medo de ter o mesmo destino do colega, elas se negam a aceitar.
Para o professor Francisco José Rengifo Herrera, do Departamento de Teorias e Fundamentos da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UNB), o vídeo chega a ser criminoso, pelo nível de agressividade que apresenta.
"Eu, pessoalmente, se tivesse nessa situação ligaria para polícia para que essa pessoa fosse presa. Isso é um nível de agressão tão violento com as crianças, que fiquei chocado quando assisti. Não é possível que se faça uma coisa assim. Esse tipo de intervenção é tudo o que não deve ser feito com as crianças", afirma o educador.
Ele lembra que, infelizmente, essa é uma prática comum no Brasil, de usar estratégias de pânico para amedrontar crianças com intuito de fazê-las seguir uma determinada orientação, mas que no final das contas não tem resultado, pois não representam situações reais que podem acontecer com elas.
"Geralmente, criam-se esses personagens completamente bizarros, ameaçam dizendo que vão fazer isso ou aquilo para definir situações extremas. Esse tipo de intervenção não faz sentido nenhum", explica.
Segundo ele, não adianta colocar uma situação de pânico e ameaça, por que dificilmente as crianças vão encontrar situações como essa.
"Quem tenta assediar ou abusar de uma criança não faz tentativas assim, principalmente porque é sempre alguém da família ou próximo dela e vai usar outras formas de controle."
Não é necessário agir dessa forma para que haja um entendimento do perigo. A julgar pela idade que aparentam no vídeo, entre 4 ou 5 anos, elas já têm entendimento desse tipo de situação, diz o professor.
"Nessa idade, a criança já começa a identificar as características de intencionalidade das pessoas e percebe o que a pessoa pode fazer com ela, se é algo de errado. Ela pode não identificar exatamente o que é, mas percebe que algo não está certo."
Práticas violentas como a retratada no vídeo podem ter consequências durante toda a vida das vítimas. O professor prefere não usar a palavra trauma, pois acredita que, atualmente, é usada de forma deturpada. Mas diz o que pode acontecer a longo prazo:
"Isso vai instalar nelas um modo de relação a partir do terror, do pânico, que podem acompanhá-las por toda vida".
Como ensinar perigos sem assustar?
Para ensinar sobre os perigos sem assustar é preciso, antes de mais nada, construir uma relação na família para que as crianças se sintam protegidas e entendam os alertas dos pais.
"Se elas são crianças que estão em contextos de abandono, afetivamente isoladas, não adianta dar instruções, pois ela está ausente de espaços de proteção que a levam a procurar um adulto em situações como esta. Esse é um aspecto muito importante", reforça Herrera.
Ainda segundo ele, as pessoas têm uma ideia errada de abandono, que é apenas quando a criança está nas ruas, mas existem vários tipos que levam a criança a se sentir insegura.
"A criança pode ter família, ser alimentada, ter casa, estudar, mas pode estar completamente abandonada, afetivamente isolada no tablet ou celular. Os adultos não dão bola para ela, e isso também é uma forma de abandono", diz.
Por conta disso, o especialista acredita que não existe uma única forma de prevenir esse tipo de situação, pois existem aspectos da relação da criança com a família em que há limitações que vão repercutir na forma como ela vai se deparar com isso.
"A questão é a qualidade do relacionamento com seu filho e como isso pode ou não gerar um fator de proteção, uma referência de confiança e segurança. Se for um relacionamento sadio, provavelmente as coisas vão por outro caminho", opina.
Outro fator importante é a comunicação estabelecida com a criança, para que ela perceba que tem a proteção da família.
"Importante é fazer uma avaliação do nível de relacionamento e de comunicação que você tem com ela, se ela se sente protegida, amada, amparada para que saiba que em uma situação de risco, quando tiver medo ou dúvida, que se sinta segura para procurar um adulto, um familiar e dizer o que está acontecendo".
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.