'Quando acontece é um choque': influencers da menopausa levam tema às redes
A sua avó já passou por isso, a sua mãe pode estar vivendo esse momento, e também vai acontecer com você. Fato é que a menopausa tem sido tratada como um "segredo" por gerações. O bom é que tem gente tentando mudar isso: no Instagram, algumas mulheres decidiram falar livremente sobre o assunto e acabaram criando um nicho de conteúdo voltado para o tema.
"A ideia que eu tinha era de que a menopausa acontecia só com aquela tia chata, que a gente vê pouco" —é o que pensava a atriz e palhaça Julieta Zarza, 43 anos. Ela criou o perfil Peripécias Menopáusicas depois de se ver entrando nessa fase aos 37, idade considerada precoce, sem ao menos saber o que o período poderia representar na sua vida.
"Eu achava que era um quadro de depressão com cansaço permanente a ponto de não conseguia cuidar de mim e da minha filha, ou trabalhar. Quando caiu a ficha de que a menopausa faz isso com a gente, fiquei revoltada porque não tinha quase nada de informação sobre isso até hoje", contou Julieta para Universa.
Para ela, não faz sentido tratar de forma velada algo que faz parte do curso biológico da vida. A previsão, segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS) é de que um bilhão de pessoas estejam na menopausa em 2030.
Apesar de ser um momento complexo, no qual o corpo enfrenta uma série de alterações hormonais que afetam a qualidade de vida, é a falta de informações que costuma fazer com que a menopausa se torne um peso difícil de carregar. Seguindo esse pensamento, a ginecologista Joele Lerípio decidiu ir ao Instagram para desmistificar o assunto.
Como resultado, ela conseguiu reunir milhares de mulheres que compartilham entre si a angústia de se sentirem perdidas durante o percurso dessas transformações.
Achamos que a menopausa não vai chegar, porque a gente acha que não vai envelhecer. Só que não é verdade, ela chega, e às vezes é em um momento em que estamos muito ativas intelectualmente, laboralmente, sexualmente e de uma hora para outra ela cai igual um raio na nossa vida.
Joele Lerípio, ginecologista
Acontece que, no geral, ninguém avisa que esse raio vai cair. E foi assim, de supetão, que a médica ultrassonografista Suely Souza, 54, entendeu que estava na menopausa. "Quando a menina está perto da primeira menstruação, alguém conversa e avisa que a vida vai mudar, e na menopausa não tem isso", diz.
Suely criou o perfil Menopausando, onde trata do assunto com bom humor e pitadas de sinceridade, jogando limpo sobre os perrengues que esse período pode causar. "Há ideia de que a gente tem que se conformar com a menopausa, que faz parte da vida e é isso mesmo. Mas não temos que nos conformarmos com o que incomoda", afirma.
Fogachos e piadas
A frustração da atriz Julieta Zarza com a falta de conteúdo sobre a menopausa se desdobrou não só no perfil Peripécias Menopáusicas, mas também em uma websérie de mesmo nome e no documentário "Menopausas", que traz ainda relatos de homens trans que estão passando por esse período.
No Instagram, as esquetes de humor sobre o tema dividem espaço com falas de especialistas que Julieta convida para lives. Os assuntos vão de como lidar com os fogachos —as ondas de calor—, à sexualidade e dicas sobre o que não dizer para quem está passando pelo climatério, como é chamado o período que compreende as mudanças hormonais que acompanham a última menstruação, que é considerado o marco da menopausa.
O post com a pergunta "qual foi a primeira coisa que passou pela sua cabeça quando você descobriu que estava na menopausa?" acabou virando um espaço de desabafo e diversas mulheres decidiram falar, sem meias palavras, como estavam se sentindo naquele momento.
"Recebo relatos de mulheres contando que o médico falou 'isso aí vai passar, é parte da vida, não tem nada para ser feito'. Mas, sim, a gente precisa fazer muita coisa para passar por esse período com qualidade de vida", afirma Julieta, que também cita a falta de acolhimento no ambiente de trabalho. "Os sintomas são motivo de piadas, de preconceito, não tem escuta e acolhimento", afirma.
"Doutora, não me reconheço"
Ser médica, e especialista em saúde da mulher, não ajudou Joele Lerípio a entender de cara que a menopausa tinha chegado. "Eu tinha esquecimento, vontade de chorar do nada, brigava com todo mundo, tinha dificuldade de concentração e de memória, e ainda a insônia. Foi um ano até eu me dar conta", lembra ela, que entrou no climatério aos 45 anos.
Somada a sua experiência, Joele ainda pensou nos relatos das suas pacientes quando resolveu levar o tema para o Instagram, criando um espaço onde é possível encontrar esclarecimentos sobre tratamentos para amenizar os sintomas e até problemas de saúde que podem surgir como consequência da menopausa.
"O que a mulher mais sente falta é de alguém que entenda o que ela está passando. Uma frase frequente que escuto é 'doutora, eu não me reconheço, me ajuda a me entender', porque ela está perdida com todas essas modificações", afirma Joele.
Para Joele, um dos motivos que fazem a menopausa ser tratada como um tabu é estar relacionada ao envelhecimento. Neste sentido, a ginecologista é categórica: "No momento que a menopausa chega, o nosso envelhecimento está acelerado, mas não necessariamente a gente vira uma velha".
"Também é um tabu porque, há muitos anos, existia no Brasil a possibilidade de o marido internar a mulher, sem nem precisar de atestado médico, só dizendo que ela estava histérica. Então, criou uma cultura da mulher não falar que estava sentindo tudo isso pelo medo de ser chamada de louca", conta.
Joele tenta mostrar que a partir do momento em que os ovários param de funcionar e provocam uma série de alterações no corpo, o processo de envelhecimento de todos os sistemas se acelera, o que exige um cuidado maior com a saúde e com as questões que as mudanças hormonais podem causar.
"Quando a mulher for se consultar com aquele ginecologista de anos, é importante que ela pergunte se ele tem formação para tratar isso, se não ela fica frustrada com a falta de informação", afirma.
Nesses casos, Joele ressalta que não precisa necessariamente mudar de profissional, caso já exista essa relação de confiança, mas que é procurar outros que sejam especializados no tema e possam complementar o acompanhamento necessário durante as mudanças que o climatério provoca.
"Quando acontece é um choque"
"Não engravidei na adolescência, posso engravidar agora? E se acontecer um acidente? Nunca mais vou transar!" —é desse jeito bem-humorado que Suely Souza aborda as questões que as mulheres podem conviver no climatério. As postagens acabam encontrando eco na vida das milhares de seguidoras que a acompanham no Instagram.
"Elas falam que não se reconhecem mais. E é muito importante essa parte da autoestima, de se olhar no espelho e não se reconhecer, porque a gente está com 50 anos, mas a mente está ativa, quer fazer coisas e o corpo não está colaborando", afirma.
Ela, que também é médica, conta que o silêncio sobre o assunto fez com que a menopausa chegasse "de surpresa". "Você sabe que vai acontecer, mas quando acontece é um choque. Meu rosto despencou e isso foi mexendo comigo", afirma.
Para mudar esse contexto, Suely levou o assunto para além das redes e passou a falar com as mulheres da sua família, principalmente as mais jovens. "A minha geração está tendo a oportunidade de mudar essa falta de diálogo", destaca.
Com as seguidoras, ela divide dicas sobre alimentação e recomendações de especialistas sobre tratamentos para contornar os sintomas causados pelas alterações hormonais, tentando sempre passar a ideia de que "a menopausa não é uma sentença".
"A gente sabe que está envelhecendo, que não vai ter mais a mesma disposição, mas se você deixar isso ir crescendo, pode chegar a uma depressão", afirma Suely, que lembra da fase em que se sentia "colada no sofá", sem disposição para fazer as coisas de que gostava.
Nas redes sociais, a médica afirma que seu maior objetivo é amplificar as informações sobre o climatério, "para que a partir disso, as mulheres possam escolher qual o melhor tratamento, discutir e entender o que os médicos estão falando".
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