Recorde de público e premiação 5x maior: o futebol feminino veio pra ficar?
Começou ontem (13) a Copa Libertadores de Futebol Feminino, no Equador, com transmissão feita pelo SporTV e pela plataforma de streaming Pluto TV. O campeonato chega embalado por novos investimentos e por um recorde de público nos estádios para assistir à modalidade na América Latina —a final do Brasileirão Feminino foi acompanhada por 41 mil torcedores, no final de setembro, na Neo Química Arena— e por novos investimentos feitos para as competições das mulheres. Países como Argentina e Colômbia também têm registrado estádios lotados para ver as mulheres em campo.
O crescimento da visibilidade para o futebol feminino ficou bastante perceptível a partir de 2019, com a Copa do Mundo feminina, que foi televisionada e cativou os torcedores. Foi a primeira vez que a equipe teve uma camisa especialmente desenhada para ela, diferente da usada pelos homens. Esse movimento se refletiu nos anos seguintes, com o aumento do número de campeonatos e de patrocínios.
"Quanto mais tiver mídia e mais lotarmos os estádios, mais alcançaremos patrocinadores e mais pessoas podem se interessar pelo futebol feminino", diz Bia Zaneratto, capitã e atacante no Palmeiras, que acaba de completar 100 jogos pela seleção brasileira.
Poliana Barbosa, lateral-direita do Palmeiras, tem a mesma visão."Buscávamos esse conhecimento e visibilidade, para nós é muito importante. Acredito que com isso venham mais marcas e empresas para patrocínios e parcerias", disse a Universa. Tamires Dias, zagueira do Corinthians, também comemora a fase boa: "É sempre uma alegria ver o estádio lotado e uma prova de que as pessoas ligam, sim, para o futebol feminino".
O interesse do público aumenta premiações
"Se no ano passado você tivesse me perguntado o que veríamos de novo em competições femininas em 2022, o aumento de público já seria uma certeza. Esse movimento já estava acontecendo desde antes da pandemia. A final do Campeonato Paulista de 2019 reuniu 28 mil pessoas", diz Aline Pellegrino, gerente de competições da CBF (Confederação Brasileira de Futebol), no cargo desde de 2020. Em 2022, a instituição criou, pela primeira vez, a SuperCopa feminina e a série A3 no Brasileirão e aumentou a quantidade de times participantes de 54 para 62 —quando somadas todas as equipes de todas as séries do campeonato.
O interesse do público também interferiu nos cofres —e nas premiações. Em um ano, o Campeonato Brasileiro de Futebol Feminino quintuplicou o valor de seu prêmio. Enquanto em 2021, o time vencedor levou para casa R$ 200 mil, em 2022 o valor chegou a R$ 1 milhão para o primeiro colocado e R$ 500 mil para o vice.
Segundo Aline, a CBF custeia integralmente todas as despesas das competições femininas adulta e de base. "Os clubes recebem um auxílio operacional por jogo e uma cota de participação, conforme avançam de fase. O valor total do custo do Brasileirão, somando com o prêmio das vencedoras, chega perto de R$ 5 milhões", conta.
A Federação Paulista de Futebol também destaca que seu investimento está crescendo nos últimos anos. "A premiação do Paulistão Feminino cresceu de um ano para o outro 1.757%. A edição 2022 é um divisor de águas, com premiações recordes", diz Thais Picarte, coordenadora de Futebol Feminino da Federação Paulista de Futebol desde fevereiro de 2022. Isso acontece por causa do surgimento de novos parceiros e patrocinadores na competição e o maior número de detentores da transmissão.
Mais dinheiro, mais qualidade
O dinheiro dos patrocinadores e das instituições é muito bem-vindo. Mesmo com a melhora no interesse pela modalidade, mulheres não ganham tanto quanto os homens. O futebol feminino ainda está longe de ter o mesmo investimento que o masculino, e as dificuldades aparecem até nos itens mais básicos para entrar em campo, como as chuteiras.
Chuteiras podem custar mais de R$ 1.000, enquanto tem muita jogadora recebendo um salário mínimo para entrar em campo. "As mulheres passam por uma situação que os homens não passam [quando jogam em times grandes]. Dentro das equipes, têm três ou quatro atletas patrocinadas. Conforme elas recebem as chuteiras novas, passam para as amigas as usadas, que, por sua vez, repassam para as atletas da base", diz Rubia Dalla Pria, gerente de comunicação de marca da Puma.
"Não queríamos atletas do nosso clube nessa situação", conta Rubia. Hoje a Puma patrocina 17 jogadoras do Palmeiras. A ideia da marca era usar o dinheiro em apenas uma grande camisa 10, ou dividir esse valor para apoiar mais mulheres. A decisão foi pela segunda opção.
Atraso histórico
Luciana Mariano, narradora do canal ESPN, acompanha a modalidade feminina desde 1997. "Até mais ou menos 2015 tivemos um futebol feminino que tinha muita raça, que lutava, brigava, procurava espaço, mas que tinha pouquíssima visibilidade. A primeira transmissão do futebol feminino foi feita pela Band e comigo. Até então, a modalidade não tinha sido apresentada para o público na TV", conta.
Em 2019, o direito de transmissão que era exclusivo da Band passou a ser também da Globo, aumentando ainda mais a visibilidade. "O futebol feminino finalmente chegou para ficar, não tem mais volta. Na Europa, as mulheres já colocaram 87 mil torcedores no Wembley, com um público maior do que a final da Eurocopa Masculina", diz Luciana.
O problema é histórico e só agora estamos conseguindo pagar a conta. "O futebol feminino infelizmente teve um atraso histórico, pois foi proibido por lei durante décadas", diz Thais. De 1941 a 1979, as mulheres foram proibidas de jogar por uma lei nacional. E mesmo liberado há mais de 40 anos, foi só em 2018 que a CBF incluiu em seu regulamento uma cláusula sobre a modalidade.
"Partiu da Fifa, vem da Conmebol e a CBF adota, em 2018, que os clubes que jogam Libertadores, Sul-Americana e Série A do Campeonato Brasileiro têm que ter uma equipe feminina principal e de base. Isso é importante, pois já mostra a necessidade do investimento", afirma Aline.
Vem público, vem patrocínio
Para que existam mais campeonatos o investimento precisa aumentar. E, como essa roda não gira de forma gratuita, a chegada de novos patrocínios é algo importantíssimo. Neste ano, o Palmeiras, por exemplo, fechou patrocínios exclusivos para o time feminino.
"Apoiamos o esporte como um todo, somos patrocinadores de todas as seleções da CBF, incluindo a feminina. É muito importante dar visibilidade para essas atletas", diz Karla Felmanas, vice-presidente da Cimed, uma das empresas patrocinadoras.
A Cruzeiro do Sul Virtual é a nova patrocinadora do Paulistão Feminino. O diretor executivo de marketing e vendas do grupo, Luiz Gonzaga Victor Foureaux Neto, não fala o valor do investimento, mas acredita que as marcas precisam se conscientizar da necessidade de apoiar a modalidade.
"É muito importante que grandes marcas tenham consciência de que precisam apoiar a causa de verdade. É o momento de inclusão e de as mulheres romperem barreiras", diz Luiz. Além do prêmio para o time vencedor, as jogadoras e a comissão técnica também ganham bolsas de estudos na universidade.
Mais que modinha
Com impulso de público e patrocínios, futebol feminino ganhou fôlego. Parece realmente, que a virada para o esporte chegou. "Não é um boom passageiro nem uma modinha. Veio para ficar, sim. Derrubou-se um antigo preconceito de que não dá para monetizar o futebol feminino, de que a modalidade não traz dinheiro. Mas traz, sim, desde que se invista minimamente", diz Danilo Lavieri, colunista de UOL ESPORTE.
"É uma luta diária e, a cada ano, as coisas melhoram, aumentam as premiações e a visibilidade. Isso também é fruto do nosso trabalho. Com jogos mais atrativos, competitivos e com apoio dos clubes grandes, o torcedor vem para perto e contribui para o esporte", diz Andressinha, meio-campista da seleção e do Palmeiras, que joga há 14 anos no profissional.
Para Luciana Mariano, ainda há muito para evoluir. "Só vou me dar por satisfeita quando o torcedor souber escalar a seleção feminina brasileira de cabeça", diz a narradora.
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