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ONU: Metade das jornalistas de todo o mundo já foi atacada por ser mulher

Nabeelah Shabbir, pesquisadora do Centro Internacional para Jornalistas, alertou sobre violência contra mulheres na ONU - Reprodução
Nabeelah Shabbir, pesquisadora do Centro Internacional para Jornalistas, alertou sobre violência contra mulheres na ONU Imagem: Reprodução

Mariana Araújo

Colaboração para Universa, em São Paulo

19/10/2022 04h00

Os ataques contra jornalistas mulheres no Brasil escalaram de tal maneira nos últimos meses que, em setembro, mês do primeiro turno das eleições, a violência contra as profissionais aumentou 250%, segundo a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo). Um novo levantamento mostra, agora, que esse é um problema global.

Durante a Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas), no final de setembro, lideranças da entidade e da luta pelos direitos das mulheres colocaram à mesa novos dados que formam um retrato da situação da população feminina no mundo.
Entre assuntos que já foram destaque nas edições passadas, como violência doméstica, foi apresentado um recorte inédito: os riscos para jornalistas mulheres exercerem seu trabalho.

Nabeelah Shabbir, pesquisadora do Centro Internacional para Jornalistas (ICFJ, da siga em inglês), afirmou, na Semana de Alto Nível da ONU, evento concomitante à assembleia, que 49% das jornalistas já passaram por ataques de gênero e foram desqualificadas como mulheres com ofensas e xingamentos online. A pesquisa foi feita em 125 países.

Segundo o levantamento global do ICFJ em parceria com a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) publicado em maio e apresentado por Nabeelah, no geral, 73% das mulheres jornalistas já sofreram algum tipo de violência online relacionada ao seu trabalho.

As agressões são ainda mais frequentes entre diferentes grupos sociais: por exemplo, 64% das repórteres brancas já foram agredidas, enquanto o número chega a 81% entre negras e a 88% entre profissionais lésbicas ou judias.

Desqualificar mulheres é "estratégia" para diminuir confiança no jornalismo

Nabeelah frisou que desqualificar a integridade da mulher "é uma estratégia de desinformação" e serve, predominantemente, para colocar em xeque sua credibilidade e diminuir a confiança do público naquela profissional, nos fatos que ela apresenta e no jornalismo, como um todo.

Ou seja, seu objetivo não é apenas atingir o alvo, mas criar um espetáculo para que, aquele que assista aos abusos ditos contra a jornalista possa questionar se ela é digna e, portanto, se fala a verdade.

Entre as profissionais ouvidas no levantamento, 41% disseram já ter sido atacadas de maneira orquestrada, quando recebem diversas ofensas de maneira massiva pelas redes sociais.

Um terço das agressões partiram de políticos ou de pessoas ligadas e eles

Não à toa, foi constatado, após investigação, que mais de um terço (37%) de todos os ataques contra mulheres jornalistas online foram feitos por políticos ou indivíduos a eles relacionados, e que poderiam se beneficiar ao "calar" a voz de uma repórter.

Violência contra todas as mulheres escalou na pandemia

Durante os encontros promovidos pela ONU, outros pontos foram abordados ao se analisar a condição da população feminina atualmente.

Uma das discussões que ganhou atenção foi a escalada de violência de gênero durante a pandemia.

A ONU Mulheres estima que houve aumento expressivo e sincronizado nos casos de violência doméstica. Na França, por exemplo, o crescimento foi de 30% após os lockdowns.

Na Argentina, as ligações de emergência reportando casos similares aumentaram 25% após o isolamento. Em Singapura, o crescimento foi de 33%.

No Brasil, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o número de registros se manteve similar aos anos anteriores —de oito vítimas por minuto—, mas aumentou o número de mulheres agredidas em casa, de 42% para 49% dos registros.

População feminina perdeu US$ 800 bilhões em renda em 2020

Além disso, a pandemia ainda inseriu as mulheres em posição ainda mais vulnerável na "economia do cuidado", de acordo Sima Sami Bahous, diretora-executiva da ONU Mulheres.

Coube a elas 512 bilhões de horas não remuneradas durante 2020 devido ao desamparo trazido pelo fechamento de creches, escolas e centros de atendimento. Esse trabalho extra também teve altos custos para as carreiras delas.

"As taxas de mulheres que perderam seus empregos por causa da pandemia são muito mais altas do que dos homens. Elas, em geral, perderam US$ 800 bilhões em renda em 2020, e pode ser muito difícil recuperar isso", afirma Sima.