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Klein fazia meninas reféns para estuprá-las, diz procurador: 'Muito podre'

Saul Klein fotografado em uma de suas festas rodeado de garotas: vítimas afirmam que sofriam agressões e violência sexual nos eventos - Reprodução/TV Globo
Saul Klein fotografado em uma de suas festas rodeado de garotas: vítimas afirmam que sofriam agressões e violência sexual nos eventos Imagem: Reprodução/TV Globo

Cristina Fibe

Colaboração para Universa, do Rio de Janeiro

20/10/2022 04h00

O esquema comandado por Saul Klein ia além de abusar sexualmente de meninas, afirma o procurador do Trabalho Gustavo Tenório Accioly: era montado para traficar, enganar e fazer reféns. Esse foi o entendimento que levou o MPT (Ministério Público do Trabalho) a entrar, na terça-feira (18), com uma ação civil pública contra o empresário, filho de Samuel Klein, fundador das Casas Bahia, pelo crime de "tráfico de pessoas para submissão a condições análogas às de escravo, com trabalhos de natureza sexual".

Segundo o procurador, ficou comprovado pelas investigações que as garotas —com idades a partir de 16 anos e em "situação de completa vulnerabilidade"— tinham celulares confiscados, eram submetidas a restrições alimentares e cercadas de seguranças armados.

"Tentei ver a linha genética desse caso", afirma Accioly em entrevista exclusiva a Universa, referindo-se ao fato de o pai de Saul também ser acusado de violência sexual contra adolescentes e crianças.

Infelizmente, há um pilar de dominação do homem contra a mulher que temos que destruir. Precisamos acabar com o machismo, o coronelismo, o tráfico de pessoas. É esse o objetivo da ação Gustavo Tenório Accioly, procurador que assina ação contra Saul Klein

Ele diz que o "sistema patriarcal" e a "cultura do estupro" levam à culpabilização da vítima, acusada de ter "se entregado" à situação com Saul, que lhes pagava quantias de até R$ 3 mil para participar de eventos ou passar um final de semana com ele.

O valor da indenização pedida pelo órgão é de R$ 80 milhões, calculado com base em investimento feito por Saul em um time de futebol. "Ninguém sabe o patrimônio dele, a gente não acha o dinheiro", diz. Caso a Justiça condene o réu, a verba deverá ser destinada a programas voltados para mulheres sobreviventes de violência.

foto saul klein casa garotas - Arquivo pessoal/UOL - Arquivo pessoal/UOL
Garotas dormiam no mesmo quarto e eram reprimidas por aparência e alimentação
Imagem: Arquivo pessoal/UOL

Advogado de Saul Klein na esfera trabalhista, Álan Richard de Carvalho Bettini foi procurado por Universa para responder sobre a ação e as acusações feitas pelo MPT. Por meio de nota, diz que, "até o presente momento, não recebeu qualquer tipo de notificação ou citação oficial sobre a referida ação civil pública, de modo que se mostra impossível apresentar quaisquer esclarecimentos sobre o tema".

As acusações contra Saul Klein partem de 14 garotas, que o denunciam por estupro, estupro de vulnerável e cárcere privado, entre outros crimes.

Abaixo, leia os principais trechos da entrevista do procurador Gustavo Tenório Accioly.

UNIVERSA - Por que processar Saul Klein por tráfico de pessoas?
Gustavo Tenório Accioly -
Porque concluímos que se trata de um esquema completamente montado para traficar, enganar e machucar aquelas meninas e mulheres. Até mesmo oferecendo acolhimento, constróem uma fraude, um engano, um engodo, dão falsas promessas de emprego. Elas [as vítimas] acreditavam que seriam felizes, que seriam modelos. E foram transportadas, recrutadas, aliciadas, deslocadas para um outro local, onde eram feitas reféns, para fins de exploração sexual, de trabalho escravo sexual.

Quando a gente fala de tráfico de pessoas, usamos o Protocolo de Palermo, que o Brasil adotou, que fala que um dos meios do tráfico é a exploração da situação de vulnerabilidade socioeconômica da vítima. Naquele caso ela está tão vulnerável que, se recebe uma proposta de emprego falsa, vai agarrá-la. Acha que vai mudar sua vida e, de repente, entra no maior buraco. Era o que acontecia.


Quais outras violações são base para a ação?
As vítimas eram obrigadas a ver filmes de estupro, a fazer atividade física e procedimentos estéticos, tinham restrição alimentar, havia seguranças armados no local. Saul queria que elas fossem jovens, suaves, leves, novas, que fizessem voz de menina. É uma situação de completa vulnerabilidade da mulher.

Qual é o objetivo da indenização?
É para que não haja a repetição do crime, para que não aconteça mais essa barbárie, e é calculada com base no patrimônio imenso que ele tem e no tamanho da violência de gênero, que é incalculável. Essa dominação contra uma mulher, você estuprar e comandar todo um esquema de tráfico, manter aquela pessoa ali, ainda que dando, entre aspas, carinho, isso é totalmente contra a dignidade humana, viola a própria vida. Há que ter um mecanismo compensatório para que ele não cometa mais esses ilícitos, e essas verbas devem ser voltadas a projetos para as mulheres vítimas de violência.

Colocamos R$ 80 milhões porque é o valor que ele destinou para um clube de futebol. A gente não acha o dinheiro que ele tem, ninguém sabe nada.

Esse é um valor considerado alto para a média no país?
O que posso dizer é que não tem valor que repare a dignidade. Sou um homem feminista. Para mim, saindo do papel de procurador, doeu muito como ser humano ouvir as meninas falarem. Elas estavam empolgadas achando que seriam modelos, de repente entram num quarto e ele já faz sexo anal, com a unha, e as fere, violando a integridade física, violando a integridade psíquica. Nunca vão se recuperar. A sociedade ainda culpa a vítima, ainda a discrimina, isso que é o pior.

Saul Klein afirma que sua relação com as jovens era de "sugar daddy", que as pagava para manter relação de afeto, romântica e sexual. Qual era, segundo a investigação do MPT, a verdadeira relação com elas?
De dominação do homem sobre a mulher. É o machismo estrutural. Saul enfiava a unha no ânus delas no estupro, para ferir. São várias formas de violação, o ambiente de trabalho estava violentado também, elas contraíram doenças sexualmente transmissíveis. Ele não tinha limites. Esse poder de dominação masculina em que ele se acha tão potente assim tem que ser derrubado, isso é muito podre.


O senhor fala de um problema maior ligado à estrutura social machista e que se reflete nesse caso. Como resolver isso?
A solução tem que ser pelos homens. É um movimento que deve partir dos homens. É preciso denunciar, ligar 180, Disque 100, estabelecer o diálogo. Ainda é tudo muito escondido.