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A brasileira que faz roupas de material reciclado para Pabllo e Luísa Sonza

Jheni Ferreira usando modelo da própria marca - Arquivo pessoal
Jheni Ferreira usando modelo da própria marca Imagem: Arquivo pessoal

Rebecca Vettore

Colaboração para Universa, em São Paulo

21/10/2022 04h00

A estilista Jheni Ferreira, 28 anos, que há três anos criou a marca de roupas SSJHENI, passou boa parte da pandemia na casa dos pais, modelando as próprias criações e postando os looks, geralmente feito de materiais reciclados, em suas redes sociais. As peças começaram a chamar a atenção do público. Uma peça em especial mudou o status de Jheni: um moletom de mais de 18 anos e um tecido de organza com tule antigo, que viralizou no Instagram.

Depois disso, a paulistana passou a receber convites para participar de editoriais com a sua marca e equipes de famosos como Pabllo Vittar, Luísa Sonza, Manu Gavassi e Marina Sena entraram em contato interessadas em suas criações. "É incrível ver que criei algo especial na estética do pop brasileiro. Eles alugaram ou fizeram parceria com as peças prontas, mesmo quando desenvolvo peças, mantenho os pés dentro da minha estética", conta Jheni, em entrevista a Universa.

Moda e upcycling

Jheny trabalhava com vendedora de loja em São Paulo, numa rotina cansativa, trabalhando de domingo a domingo. Cansada, recebeu a sugestão de um amigo e resolveu mudar de rotina: ele falou que conhecia pessoas que poderiam hospedá-los na Europa e, com isso, Jheni pediu demissão e com o valor da rescisão partiu para uma aventura. "Eu já tinha a ideia de ser estilista e me falavam que eu era competente para atuar nessa área, mas que precisava estudar para entender como funcionam as coisas em outros lugares", diz.

Ela passou uma temporada na Dinamarca, Suécia e França. Lá, Jheni conheceu um novo estilo de moda conhecido como upcycling, processo de reutilização criativa de produtos. Durante os 40 dias de viagem, ela visitou brechós que utilizavam reciclagem de materiais.

"A Suécia me ajudou a entender que roupa usada é o chique para eles, as lojas parecem fast fashion, mas são todas com roupas antigas. As lojas vintage, que são mais caras, quase como relíquias, parecem antiquários, que eram mais caras do comprar roupa nova. Eu vi que o garimpo de roupas e a reciclagem tinha muito valor", diz Jheni. "Porém o que mais me inspirou em comportamento e corpo foi Paris."

Ao voltar para o Brasil em 2019, a paulistana criou sua marca de roupas. "A influência do contato com artistas na Europa me fez acreditar que pra fazer algo inovador não podemos esperar que o público aceite de início o que propomos. É preciso acreditar em si mesmo e não deixar que o público conduza seu trabalho"

"Foi um espécie de projeto onde coloquei todo meu sentimento pra fora e pude me ver como artista e comunicadora. De certa forma me fez renascer."

Foto - Divulgação/ Com produção de moda de Jessica Neves e styling de Carol Roquuete - Divulgação/ Com produção de moda de Jessica Neves e styling de Carol Roquuete
Manu Gavassi usando peças da marca SSJHENI no clipe 'sub.ver.si.va'
Imagem: Divulgação/ Com produção de moda de Jessica Neves e styling de Carol Roquuete

Filha e sobrinha de costureiras

Jheniffer Santos Ferreira nasceu em Cândido Mota, no interior de São Paulo, e é formada em ciências sociais. Apesar de não ter se especializado em moda, desde pequena ela convivia em um ambiente onde as roupas faziam parte da rotina. A mãe e as tias faziam peças de alta-costura.

"Eu tinha interesse no assunto, mas sabia que não era para mim porque é um trabalho muito minucioso e de muita prática, e eu sou desastrada. Aos 13, fiz aula de costura, mas não deu certo por esses motivos e também porque não tenho muita paciência e alta-costura é muito sobre técnica. Porém continuei as vendo costurar."

Na adolescência, Jheni fez 2 anos de teatro, dos 15 aos 17 anos. No final do ensino médio, com as aulas de interpretação na mente e mergulhando em um momento de militância, se interessou pelo curso universitário de Ciências Sociais da Unesp (Universidade Estadual Paulista).

Foto - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Jheni com 4 anos ao lado da mãe Daniela dos Santos Ferreira e da irmã Stheffani Santos Ferreira
Imagem: Arquivo pessoal

Para pagar os custos de viver longe da família, enquanto cursava faculdade, a paulistana fez um brechó itinerante, onde vendia as peças. "Eu ganhava roupas de amigos, fazia uma curadoria do que poderia ser revendido no intervalo do curso", diz Jheni.

Depois de se formar, não encontrou muitas oportunidades de trabalho na sua área. "Era muito difícil você achar emprego em Ciências Sociais. A opção é basicamente seguir na carreira acadêmica. Para mim, a ideia de só ler e ficar bastante tempo sentada na frente do computador, não era bem o que queria para refletir meu conhecimento."

Por isso, a estilista escolheu demonstrar o que tinha aprendido de uma forma mais democrática, através da imagem. Aos 22 anos mudou-se para Salvador, onde começou o curso universitário de dança. No início aprendeu balé, depois teve aulas de dança contemporânea, expressão corporal (pilates, yoga e método Feldenkrais) e por fim, hip hop.

Depois de 1 ano e meio, novamente por falta de portas de emprego na cidade e também pelo alto valor para manter na região, a paulistana resolveu se mudar para Bauru, interior de São Paulo, com o namorado, onde começou a trabalhar em loja de roupas.

Em seguida, Jheni foi para São Paulo, onde permaneceu atuando como lojista por três anos, de domingo a domingo. "Eu fui trabalhar em loja porque era algo que sabia ter competência para fazer, eu misturava o que aprendi em ciências sociais, algo mais psicológico para vender e saber analisar o cliente." Foi depois dessa fase que decidiu largar tudo e ir passar uma temporada na Europa.

Desfile na Londres Fashion Week

Este ano, a brasileira, que coleta matéria-prima em deadstocks (estoques mortos) do Brás com catadores de lixo e em brechós, foi convidada para participar da London Fashion Week 2022, dois meses antes do evento.

"Foi uma loucura! Tive que comandar uma equipe a distância e contar com pessoas que não conhecia", relembra. A locação, por exemplo, foi encontrada três dias antes do desfile, e como as modelos mudaram, foi necessário improvisar muito do que foi levado - um acervo de 150 peças - para adaptar no corpo delas.

"Foi incrível que fui notada e com certeza o evento foi um desafio enorme, onde dei tudo de mim. A arte é autodidata e podemos sempre inspirar alguém. Com isso vem as responsabilidades e os calos que qualquer artista enfrenta ao ir num caminho não tão convencional." Depois da London Fashion Week, ela participou de sessões de fotos e reuniões de negócio em Paris.

A estilista recebeu apoio financeiro e estrutural da Riachuelo, que disponibilizou retalhos de tecidos. Com o fim da sua participação na Semana de Moda, que aconteceu no dia 20 de setembro, Jheni fez uma exposição de cinco peças na vitrine da Riachuelo da Paulista e, em breve, ela conta que um documentário vem por aí.

Hoje, a estilista afirma que está aprendendo que ser independente é criar o caminho junto com o sonho. "Não se pode esperar muita coisa, é preciso pôr em prática. Meu sonho é fazer arte para exposições, galerias, museus, etc."