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Sem 'primeira-dama atuante'? Michelle ignora legado de outras mulheres

De Universa, em São Paulo

21/10/2022 11h59

A primeira-dama Michelle Bolsonaro participou, nesta quinta-feira (20), do culto de aniversário da pastora Elizete Malafaia, mulher de Silas Malafaia, na Assembleia de Deus Vitória em Cristo, na zona norte do Rio de Janeiro. O evento reuniu mais de 20 mil mulheres vindas de 70 caravanas de todo o país, segundo a organização.

Na cerimônia, Michelle afirmou que a chegada a Brasília foi difícil porque o país não havia tido, até aquele momento, uma primeira-dama atuante. "Não queria ser uma primeira-dama de enfeite. Quando cheguei em Brasília, não tinha estrutura para poder trabalhar porque a gente não teve nenhuma primeira-dama atuante. Eu não poderia ter secretária para atender telefone; eu era do governo, mas não era", disse.

Em sua fala, Michelle ignora outras mulheres que ocuparam o mesmo posto. Tradicionalmente, as primeiras-damas atuaram e se dedicaram à assistência social no país. Esse trabalho se consolidou com a chegada de Darcy Lima Sarmanho (1895 - 1968), casada com Getúlio Vargas, apontam as autoras de "Todas as Mulheres dos Presidentes" (2019, Máquina de Livros), obra dos jornalistas Ciça Guedes e Murilo Fiuza de Melo que traz perfis de 34 primeiras-damas brasileiras.

Em 1931, Darcy realizou o "Natal dos Pobres" para 10 mil pessoas no Palácio do Catete. Comovida com as crianças que vendiam jornais nas ruas cariocas, criou a Casa do Pequeno Jornaleiro, que oferecia refeições e cursos. Em 1942, fundou a Legião Brasileira de Assistência.

Já a antropóloga Ruth Cardoso (1930 - 2008), embora tenha preservado sua independência e sua carreira acadêmica nos anos de governo de Fernando Henrique Cardoso, foi influente politicamente e promoveu ações de assistência social voltadas ao combate da pobreza no país. O maior legado de Ruth foi o programa Comunidade Solidária, projeto social criado e presidido por ela em 1995, e a influência em programas como Bolsa Alimentação e Bolsa Escola.

ruth - Divulgação - Divulgação
Ruth Cardoso
Imagem: Divulgação

O Comunidade Solidária é considerado o marco de criação do chamado terceiro setor. A iniciativa se somou às medidas de governo e das empresas para ações em áreas como saúde, alimentação e desenvolvimento rural.

"Quando fui presidente, Ruth cooperava, mas com independência crítica. Jamais foi apenas 'primeira-dama', aliás, não gostava de ser assim qualificada", disse Fernando Henrique Cardoso em entrevista à Fundação FHC em 2020, ano em que Ruth completaria 90 anos.

"Ela criou o [programa] Comunidade Solidária e se dedicou não ao 'assistencialismo': queria que as pessoas exercessem seus papéis na sociedade com autonomia e reivindicando seus direitos (...). Ela de alguma maneira desenhou um modo pelo qual podia participar ao mesmo tempo da sociedade civil e, inevitavelmente, sendo minha mulher, da política e do poder em Brasília", lembrou FHC.

O ex-presidente também afirmou que Ruth ajudou a pensar a diversidade nas instituições públicas. "Ela nunca sugeriu nomes, mas foi por inspiração dela que indiquei Ellen Gracie para o Supremo Tribunal Federal em 2000, tornando-se a primeira mulher a ocupar aquela função."

Marisa Letícia Lula da Silva (1950 - 2017) teve um papel importante como conselheira de Lula, segundo Camilo Vannuchi, autor da biografia da ex-primeira-dama. Apesar de preferir não exercer qualquer cargo filantrópico do Governo na função de primeira-dama, ela teve protagonismo em decisões políticas tanto no Partido dos Trabalhadores quanto no governo do ex-presidente, de 2003 até 2010.