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Caso Saul Klein

A investigação envolvendo empresário, membro da família que fundou as Casas Bahia, acusado de crimes sexuais por 14 mulheres


Umbigo rasgado, privação de comida: novos detalhes de denúncia contra Klein

Cristina Fibe, Camila Brandalise e Pedro Lopes

Colaboração para Universa, no Rio de Janeiro, e de Universa e do UOL Esporte, em São Paulo

22/10/2022 04h00

Adolescentes mantidas reféns, ameaçadas por cafetinas, vigiadas, impedidas de se alimentar e de dormir, com pouca ou nenhuma comunicação com o mundo externo e cercadas por seguranças armados.

O esquema de aliciamento e violência sexual do qual o empresário Saul Klein, 68 anos, é acusado, revelado pelo UOL Esporte em dezembro de 2020, ganhou um novo capítulo: agora, Klein é denunciado por tráfico e escravidão sexual pelo Ministério Público do Trabalho de Barueri (SP), que pede uma indenização de R$ 80 milhões.

No processo, ao qual Universa teve acesso, os procuradores reúnem depoimentos de mulheres que revelam camadas ainda desconhecidas do que acontecia nas festas do herdeiro, nos anos de 2006 e entre 2016 e 2019.

Esses relatos fazem parte do inquérito policial em andamento na Delegacia de Defesa da Mulher de Barueri, onde corre a investigação criminal. Mas, por se tratar de um caso sob segredo de Justiça, ainda não haviam sido revelados.

Saul Klein nega todas as acusações de crimes sexuais. Segundo sua defesa, ele não fazia nada diferente do que faz um "sugar daddy": um homem mais velho que tem o fetiche de sustentar mulheres mais jovens em troca de afeto ou sexo. Não houve, segundo ele, violência ou agressões.

Advogado de Klein na esfera trabalhista, Álan Richard de Carvalho Bettini foi procurado por Universa para comentar a ação e as acusações feitas pelo MPT. Por meio de nota, disse que, "até o presente momento, não recebeu qualquer tipo de notificação ou citação oficial sobre a referida ação civil pública, de modo que se mostra impossível apresentar quaisquer esclarecimentos sobre o tema".


Pagamentos atrasados para mantê-las reféns

Nas reportagens já publicadas por Universa, foi divulgado que as jovens eram atraídas por promessas de emprego, mas acabavam confinadas por dias seguidos em uma mansão e em um sítio de Klein, onde eram submetidas a penetração anal e vaginal mesmo enquanto dormiam ou passavam mal, entre outras violências sexuais.

Para estar ao lado do empresário, segundo combinado, recebiam quantias de até R$ 3.000 por final de semana. Sem trabalhar nem estudar, a maioria era de baixa renda e aceitava os acordos. Em entrevista no documentário "Saul Klein e o Império do Abuso", produzido por MOV.doc e Universa, citam nunca ter visto cifras tão altas na vida.

O relatório do MPT revela, porém, que grande parte desses pagamentos eram feitos com atraso, mais um indício de trabalho análogo à escravidão, pois a demora era usada para mantê-las reféns.

Diz o relatório do órgão que a remuneração pela presença nas festas de final de semana em Boituva (onde fica localizado o sítio de Klein) muitas vezes não era acertada imediatamente, "mas postergada para o outro final de semana, a fim de prender as vítimas no local". "Só não atrasavam o pagamento das 'novinhas', uma alusão às garotas recém-chegadas à casa."

Por vezes, mesmo "satisfeitas as demandas" de Klein, o valor ficava prometido para uma próxima ocasião, "como forma, na verdade, de manter as mulheres vinculadas ao esquema de exploração sexual, obrigando-as a retornar".

Caso reclamassem ou tentassem ir embora, diz o relatório, sofriam ameaças das cafetinas ou viam Saul Klein e seus seguranças ostentarem armas de fogo. Em certa ocasião, uma vítima pediu para ir embora, Klein a levou até uma sala com várias armas e mostrou a presença dos seguranças armados, o que a inibiu de sair do local por medo.

A presença de armas com seguranças e nas casas é citada por outras jovens. Uma delas afirma ter visto "armas grandes, pistolas, revólveres".

Em outro depoimento, uma menina diz que Klein, no sítio, levou-a para ver a casa do caseiro e disse "que teria uma bomba, que iria explodir". "Era uma ameaça para a meninas no sítio."

"Sem poder ir e vir, ficavam totalmente à mercê das vontades de Saul", sustenta o MPT.

Sem comida, sem sono e sem comunicação

Além da coação e da chantagem financeira, contribuiu para compor o quadro de "tráfico de pessoas para fins de trabalho escravo sexual" o fato de as mulheres ficarem completamente subjugadas, submetidas a restrições alimentares, de sono e de comunicação.

Elas contam que o empresário não podia vê-las comendo: precisavam se manter magras. Não tinham permissão para montar o prato como quisessem. Uma delas diz que "tinha de comer saladas e tomar suco"; outra afirma que chegou a ficar deitada com ele no quarto, acordada, por 24 horas, tomando apenas sopa.

A peça do MPT corrobora, em outros momentos, relatos que vítimas haviam dado a Universa. Por exemplo, detalha que elas eram obrigadas a fazer academia e a ingerir bebidas alcoólicas nas festas, além de um medicamento que diminuía a capacidade de resistência às penetrações anais forçadas. Remédios para ressaca eram colocados em pratos à mesa, e elas recebiam ordens para ingeri-los.

Ao frequentar os locais com Klein, precisavam entregar seus telefones celulares aos seguranças, ficando completamente sem comunicação. Em um dos relatos, uma jovem diz que chegava a esconder o aparelho para tentar usá-lo sem que ninguém visse.


Umbigo rasgado e agressão com violão

Novas descrições de agressões físicas também vieram à tona com a ação do MPT.

Uma jovem ouvida pelo órgão afirmou que o empresário "pisava em cima de nossas costas", outra, que ele "batia na gente com um violão de madrugada para acordar e fazer as suas vontades".

Uma delas narrou ter visto Klein rasgando o umbigo de uma garota por não gostar do piercing que ela usava. "Houve uma briga entre uma menina e Saul, sendo que ele a segurou pelo braço e a colocaram num carro, mas ela não foi embora. Durante essa briga, a menina chorava muito. Saul estava muito nervoso e, ao ver o piercing no umbigo da vítima, ele puxou e rasgou seu umbigo."

Relembre o caso

Saul é investigado pela polícia desde setembro de 2020, em um processo envolvendo 14 jovens que o denunciaram por estupro, lesão corporal e transmissão de doença venérea, entre outros crimes.

Elas fizeram as primeiras denúncias em setembro de 2020 à então promotora de justiça Gabriela Manssur e foram encaminhadas ao projeto Justiceiras, idealizado por ela, sob liderança jurídica da advogada Luciana Terra Villar. As vítimas passaram por acolhimento psicológico e orientação jurídica, e as denúncias foram levadas à Delegacia de Defesa da Mulher de Barueri.

Após 18 meses de investigação e três trocas de delegados, a polícia finalizou o inquérito pedindo indiciamento e prisão de Saul Klein em 29 de abril de 2022. A Justiça, no entanto, avaliou que ainda há suspeitas a serem esclarecidas e rejeitou o pedido em 19 de maio. A investigação foi retomada, e não há data para sua conclusão.

Devem ser ouvidas testemunhas e vítimas novamente para falar sobre pontos específicos da denúncia, apontados pelo Ministério Público como questões que precisam de mais esclarecimentos.