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Decreto que Bolsonaro criticou é 'marco' contra homofobia, diz especialista

Bolsonaro recebe benção durante visita a igreja de Itaquera, em São Paulo - Felipe Pereira/UOL
Bolsonaro recebe benção durante visita a igreja de Itaquera, em São Paulo Imagem: Felipe Pereira/UOL

De Universa, em São Paulo

23/10/2022 16h59

O presidente da República Jair Bolsonaro (PL) voltou a distorcer um decreto de combate à desigualdade de gênero, publicado pelo ex-presidente Lula (PT). Em discurso neste domingo (23) na Igreja Mundial do Poder de Deus, em São Paulo, o candidato à reeleição disse que enxerga o texto que implementa o PNDH-3 (Programa Nacional de Direitos Humanos), de 2009, como a destruição da família.

"Entre outras propostas [do decreto], lá estava claramente buscar a desconstrução da heteronormatividade. Ou seja, destruição da família."

O documento, na verdade, lista medidas de combate à desigualdade de gênero, raça e a LGBTfobia, além de ações para ampliar direitos da população LGBTQIA+. Inclui, ainda, a garantia do respeito a todas às famílias, incluindo as formadas pos casais em união homoafetiva.

O PNDH-3 foi considerado um marco contra as discriminações no país, segundo a advogada Luanda Pires, pós-graduanda em Direitos Humanos, Responsabilidade Social e Cidadania Global pela PUC-RS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul) e presidente da ABMLBTI (Associação Brasileira de Mulheres Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos).

"O programa tem como objetivo a proteção de pessoas pertencentes a grupos historicamente minorizados, como as pessoas negras, população LGBTQIAP+, para trazer mais uma vez a falsa noção de ideologia de gênero", diz.

O decreto é a terceira versão do Programa Nacional de Direitos Humanos, e ainda está vigente. Não houve alterações pelos governos Dilma Rousseff (2011-2016), Michel Temer (2016-2018) nem pelo próprio Bolsonaro, que assumiu em 2019.

O termo heteronormatividade, criticado pelo presidente, aparece uma vez no documento, onde é dito que se deve "reconhecer e incluir nos sistemas de informação do serviço público todas as configurações familiares constituídas por lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, com base na desconstrução da heteronormatividade".

"O respeito a humanidades que divergem da heteronormatividade não ataca os heterossexuais e suas famílias. Quando se fala em respeito às orientações sexuais e identidades divergentes daquela socialmente construída como única, busca-se a garantia da proteção de todas as existências e famílias. Não é a exclusão de uma para proteger outra", rebate Luanda.

A advogada lembra, ainda, que, apesar dos discursos do bolsonarismo, nunca houve a tentativa de imposição de uma "ideologia de gênero" no país. "Muito pelo contráriO. A defesa de direitos humanos de todas as pessoas tem como objetivo a proteção da democracia que deve ser garantida, inclusive, pelo presidente da República. Que tem como dever institucional trabalhar por toda a população, independentemente de valores e crenças individuais."

Bolsonaro associou o programa à "ideologia de gênero", expressão que não faz parte do PHNDH-3 e é refutada por especialistas e pesquisadores em estudos de gênero. "O outro lado perverte as nossas crianças. Não tem respeito com as criancinhas. Isso está no decreto de 2009. Quem era o presidente em 2009? Acho que todo mundo sabe quem era", afirmou Bolsonaro no evento na Igreja Mundial do Poder de Deus.

Luanda afirma ainda que a fala é homofóbica. "Ele não só explicita mais uma vez ser altamente discriminatório, ao ignorar as existências das crianças LGBTQIAP+, como, ao dizer todas essas coisas dentro de um mesmo discurso, demonstra que não tem preocupação alguma com a vida das nossas crianças que são violentadas sexualmente, em sua maioria entre 13 e 14 anos, por homens heterossexuais e cisgêneros."