Quando o congelamento de óvulos não dá certo: 'Foi traumático para mim'
"Sempre quis ser mãe e continuo querendo. Esse sonho ainda existe em mim, não desisti. Queria, de preferência, gerar uma criança, mas sei que a mulher tem essa história de tempo, do relógio biológico.
Em maio de 2021, eu comecei a ter cólicas menstruais muito fortes. Quando fui ao médico para investigar, descobri que era endometriose. A recomendação era que eu fizesse cirurgia, porque a doença já estava se aproximando do intestino, mas não tinha acometido meus ovários. Eu já pensava em fazer congelamento dos óvulos, principalmente por causa da idade: estava com 35 anos. E não via, na época, com meu namorado, a possibilidade de ter filhos a curto prazo.
Conversei com alguns médicos sobre o congelamento, e a recomendação era que eu fizesse o processo antes da cirurgia. Mas, para isso, eu precisaria aguentar muita dor, já que para o congelamento a produção ovariana é estimulada. Por causa da doença, as dores fortes chegavam a fazer minha pressão cair, eu não conseguia nem trabalhar. Estimulando seria pior.
Então, tomei a decisão de operar primeiro e congelar depois. Os médicos me disseram que era superpossível. Fiz a cirurgia em outubro de 2021. No pós-cirúrgico, recomenda-se que você iniba a ovulação para evitar que a endometriose retorne. Assim que a cirurgia cicatrizou, comecei o processo para fazer o congelamento. Ainda não estava estimulando a produção de óvulos, mas acompanhando o seu status.
A primeira parte do congelamento é a contagem dos folículos, que é como se fosse a nossa reserva de óvulos no corpo. Antes da minha cirurgia, a contagem era de dez. Após o processo cirúrgico, esse número caiu para oito.
Por conta da queda, o médico recomendou que eu passasse uma pomada de testosterona e vitaminas, para tentar voltar a ter dez folículos. Mas, em vez de ajudar, minha contagem só piorava. Os médicos não sabiam explicar por que meu número estava caindo tão rápido.
Essa queda é algo sobre o qual nós, mulheres, não temos controle. Você pode tentar algumas estratégias, mas é uma surpresa a cada ciclo menstrual. E a minha contagem de folículos só foi caindo. Em fevereiro, o médico me disse que eu estava com quatro e que era melhor começar e estimulação hormonal para o congelamento.
Como eu estava cansada da vida de ultrassons transvaginais, topei. Paguei R$ 13 mil e, desse valor, R$ 4.900 foram só para as medicações que precisaria injetar em mim mesma. Minha irmã tinha feito o processo dois anos antes, então eu sabia mais ou menos como era.
Comprei e comecei a fazer minhas injeções com indicação do médico. No primeiro dia e no segundo, não senti nada. No terceiro dia de aplicação, minha barriga ficou muito inchada, o que é o esperado. Eu trato um quadro de depressão e estou em um processo de diminuição do remédio. Com essa mistura, as injeções começaram a me fazer mal. Tive sintomas de uma TPM muito piorada, vivi situações que não vi minha irmã passar.
Fiquei mal e senti que estava violentando meu corpo. Alguma coisa em mim não queria mais enfrentar esse processo, mas a vontade não passava pela razão, não sei explicar o motivo. Sou uma mulher de atitude e, se quero congelar óvulos e isso é necessário, vou continuar fazendo.
Injetei o remédio por cinco dias e voltei para fazer o ultrassom e ver em que estágio eu estava, antes de continuar com a estimulação. Nessa fase, espera-se que os folículos aumentem de tamanhos para serem colhidos, não que aumentem a quantidade.
O meu exame mostrava que apenas um óvulo tinha crescido, dois tinham desaparecido, absorvidos pelo corpo, e o quarto não tinha se desenvolvido. Foi aí que me perguntei: 'Como assim eu gastei R$ 4.900 em medicamento e os óvulos não cresceram?'. Falei com o médico no pós-exame, e ele me disse que isso poderia acontecer. Eu só fui avisada naquele momento que existia a possibilidade de não dar certo.
O médico me disse que precisava ser muito transparente comigo. Com o resultado do ultrassom, ele não recomendava que eu seguisse com o tratamento. Se eu fosse passar por um processo de inseminação artificial só com aquele óvulo, teria apenas 20% de chance de engravidar. A sugestão dele era esperar meu próximo ciclo menstrual, fazer uma nova contagem e aí, sim, retomar o processo todo.
O mundo caiu na minha cabeça. Estava achando que tudo daria certo.
A partir desse momento eu decidi tomar posse de mim mesma. Até então, eu estava apenas seguindo o que os médicos diziam e o que a clínica indicava, no automático. O pensamento era: 'Já que é meu sonho, eu vou fazer'. Mas não quis mais. Falei que ia tirar férias e fazer uma viagem à Europa para visitar uma amiga. Ele disse que a decisão era minha.
Nunca voltei para o tratamento. Toda vez que eu penso em retomar, algo no meu corpo e no meu coração me diz que não devo fazer. Foi muito violento e traumático para mim. Eu me senti violentada e, pior, por mim mesma. Não ouvi meus instintos de mulher. Fui pela ciência, pelo o que os médicos disseram, pelo resultado dos exames?
Sempre pedi muito a opinião das pessoas antes de tomar uma atitude, mas, desta vez, não consultei ninguém. Entrei em contato com a clínica e perguntei se eu tinha direito a algum tipo de reembolso, já que não tinha concluído o tratamento e estava desistindo. Foi aí que descobri que, na verdade, eu estava devendo para eles, que fizeram ultrassons que eu nem sabia. No pacote, a cobertura era de seis ultrassons, mas eu precisei fazer oito. Então eu estava devendo R$ 400. Para retomar, eu precisaria gastar mais cerca de R$ 10 mil. O preço também ajudou na minha decisão de desistir.
Toda vez que eu penso em congelamento de óvulos, sei que é algo que não quero para mim. Sou umbandista, e esse está sendo o maior exercício de fé da minha vida. Por enquanto, vou deixar nas mãos de Deus. Pode ser que no ano que vem eu queria congelar de novo? Pode. Mas agora não vou fazer isso comigo e com meu corpo. Eu não mereço.
O relógio biológico é muito cruel com a gente. Se for para eu ter filho, darei todo o amor do mundo para ele, mas não vou fazer congelamento por enquanto. Não quero. Vou seguir na minha fé."
Lara Pires, consultora de comunicação, 36 anos
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