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Advogada de Eddy Jr.: 'Não foi protegido do racismo nem na própria casa'

A advogada Carol Novaes, que defende co comediante Eddy Jr. em caso de racismo em condomínio - Reprodução/Instagram
A advogada Carol Novaes, que defende co comediante Eddy Jr. em caso de racismo em condomínio Imagem: Reprodução/Instagram

De Universa, em São Paulo

25/10/2022 04h00

Aos 31 anos, a advogada Carolina Novaes está à frente de um caso de grande repercussão: ela defende o influenciador e comediante Eddy Jr., que, na semana passada, denunciou agressões racistas e ameaças de morte de sua vizinha, Elisabeth Morrone, e de seu filho em um condomínio na Barra Funda, zona oeste de São Paulo.

Criada em Itaquera, zona leste de São Paulo, e formada em direito em 2014, Carolina agora se vê em meio ao seu primeiro trabalho midiático, dando entrevistas e aparecendo na televisão. Mas não é a primeira vez que ela está na TV: em 2021, participou do reality show "Casamento às Cegas Brasil". Após o programa, deixou o escritório em que trabalhava para se dedicar à carreira artística e à comunicação —faz palestras, apresenta eventos e é ativa nas redes sociais.

Na entrevista coletiva em que participou sobre o caso de Eddy, chamou a atenção pela postura e pelo look: camisa branca, gravata preta, cabelo alinhado em um rabo de cavalo baixo e maquiagem impecável. "Mulher negra tem que se provar três vezes mais", diz ela, em entrevista a Universa.

Da decisão de cursar direito para ajudar a mãe, semianalfabeta, após vê-la ser enganada por uma companhia telefônica, ao momento atual, em que pode escolher os casos que pega, já são 12 anos dedicados à advocacia. "Vi muita coisa. Hoje, pego casos relacionados a racismo. Me ferem também."

Leia trechos da entrevista abaixo.

UNIVERSA - Além de Eddy ser uma figura pública, por que o caso ganhou a grande repercussão?
Carolina Novaes -
As coisas ganharam essa proporção principalmente pelas ameaças de morte, pelo fato de o Eddy estar sendo ofendido dentro da própria casa. Não tenho ciência de um caso como esse. E também pelas imagens: qualquer um que olha fica aterrorizado. Eu acho que por tudo isso que gerou comoção. Ele não foi protegido do racismo nem dentro de casa.

Como você entrou no caso?
Eddy e eu somos da mesma agência [Mynd8/Music2]. A gente já havia se conhecido. Quando começaram as reclamações por causa do barulho, ele mencionou. E aí eu acabei entrando.

Quais são os próximos passos?
Existe uma medida cautelar para que a agressora se afaste e saia dos locais que Eddy estiver utilizando, como as áreas comuns do condomínio --que está avaliando se ela receberá uma multa ou será expulsa. O Ministério Público também vai decidir se leva adiante o inquérito policial, para dar início ao processo judicial, que é o que espero. Anseio muito para que ela seja presa.

Você diz que Elisabeth cometeu os crimes de racismo e de injúria racial. Qual a diferença entre eles?
A injúria racial é direcionada à pessoa ofendida; já o racismo é quando o agressor ofende uma comunidade, um povo ou uma religião. Quando ela direciona a ofensa para o indivíduo, para características físicas e diz coisas como "sai daqui, macaco" ou "macaco imundo", comete um crime de injúria. Mas, quando diz: "Não vou morar com gente igual a você", ela ofende toda a comunidade e classifica o racismo. Hoje os crimes foram equiparados [em outubro de 2021, o STF decidiu que ambos os delitos são imprescritíveis].

O que as vítimas que passaram por uma situação como a de Eddy podem fazer?
Meu conselho é que, se você for a vítima, tente de alguma forma filmar. Infelizmente, a palavra do branco pode se sobrepor à nossa. Acredito que o Eddy também conseguiu muita coisa porque teve filmagens. Se você não for a vítima, também filme a situação como um ato antirracista e chame as autoridades.

Ela ainda está no condomínio?
Não sei dizer. O Eddy não está mais lá, foi para outro local por segurança. Muitas pessoas me julgaram por orientar meu cliente a sair, mas temia pela integridade física e pela vida dele. Não sei o que esperar daqueles dois [mãe e filho que agrediram o comediante]. Então, preferi que ele saísse para que a gente não estivesse conversando agora sobre uma tragédia.

Já atuava na área de crimes raciais antes?
Já peguei casos de racismo, mas não tão grandes e midiáticos quanto esse. Minha atuação depois que eu saí do reality tem sido pegar casos mais relevantes para mim porque, antigamente, eu trabalhava com contencioso [resolução de situações como quebra de contratos e cobranças], então tinha que fazer tudo como o escritório queria.

Já são 12 anos dentro do mundo jurídico, vi muita coisa. Pego muitas ações assim, principalmente por causa de racismo, até mesmo porque me ferem também.

Por que decidiu se tornar advogada?
Quando tinha 17 anos, minha mãe e eu fomos a uma loja e ofereceram uma promoção na qual, a cada R$ 100 gastos, ganharíamos um celular pré-pago. Acontece que minha mãe era semianalfabeta e, depois, descobrimos que era uma linha pós-paga. Minha mãe não entendia muito do caso, e eu, quando fui na loja reclamar, chamei a polícia. Fomos para a delegacia, e minha mãe ajuizou uma ação. Eu era menor de idade, mas fazia vistas dos autos com a minha mãe. E me apaixonei.

A advogada Carol Novaes - Reprodução - Reprodução
Carol Novaes
Imagem: Reprodução

Pensei que queria atuar de uma forma eficaz e eficiente nesses casos, que eu poderia ajudar, como advogada, pessoas que estavam sendo enganadas como a minha mãe. Na mesma época, li uma reportagem onde uma mãe tinha sido presa por furto famélico, que é roubar para comer. Também não achava justo uma mãe ser presa por um furto de um leite.

Tem quem participe de reality show e relate preconceito ou descrédito nas suas áreas ou carreiras profissionais. Você sentiu isso depois de participar de "Casamento às Cegas"?
Não. Até porque saí do escritório assim que saí do reality. Hoje minha renda principal é como comunicadora, mas pego casos que são relevantes para mim, como o do Eddy ou de mulheres que vejo que estão sendo lesadas. Não deixo de atuar.

Você contou nas redes sociais que fizeram comentários sobre suas roupas, muito arrumadas, nas entrevistas coletivas. E fez questão de respondê-los. Esse é um tema importante para você?
Sempre estive muito impecável, gosto de andar muito bem vestida. Minha mãe falava que a mulher negra tem que se provar três vezes mais. Então, sempre soube, e isso é meio triste, que tinha que estar bem arrumada. Ela dizia: "Filha, não sei o que pode acontecer com você, pode ser atropelada, por exemplo, então esteja sempre com calcinha e sutiã das mesmas cores, nunca com peças íntimas rasgadas, porque você é preta".

Tive sempre essa cautela. Quando entrei no direito, profissão que te exige uma postura, sabia que teria que estar impecável. Gosto de estar com a camisa super bem passada, usar um acessório como uma gravata, um terno. Nós, mulheres pretas, sabemos que temos sempre que nos provar mais que os brancos. Me sinto nessa obrigação.

O que mais você traz da sua mãe?
Ela é o amor da minha vida. Temos uma conexão surreal. Ela é cozinheira, a profissão dela exigiu que dormisse no trabalho --vinha para casa duas vezes por mês. A vida foi um pouco dura conosco por não tê-la fisicamente totalmente disponível para mim. Mas nunca me faltou nada. Pelo contrário, sempre estudei em escola particular, tive tudo que quis. Ela está se desligando do trabalho e, agora, quero poder dar tudo que ela me deu.