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OPINIÃO

Naspolini me ensinou sobre leveza e deixa em aberto a promessa de um café

Susana Naspolini morreu aos 49 anos, vítima de câncer - Reprodução/Instagram
Susana Naspolini morreu aos 49 anos, vítima de câncer Imagem: Reprodução/Instagram

De Universa, do Rio de Janeiro

26/10/2022 10h48

Nunca vi alguém de fora do Rio de Janeiro encarnar tão perfeitamente a alma carioca como Susana Naspolini. Jornalista morta nesta terça-feira (25) aos 49 anos, após três décadas lutando contra o câncer, a catarinense de Criciúma puxava toda a malemolência suburbana para denunciar as mazelas da cidade no RJ TV, na TV Globo. Desde 2011 o RJ Móvel era o meu momento mais aguardado enquanto assistia ao jornal de meio-dia.

Susana era solar mesmo em dias nublados. Porque sabia viver —não à toa o título de uma dos seus livros, lançado em 2019, era "Eu Escolho Ser Feliz" (Agir). Na longa conversa que tive com ela por telefone há alguns meses, ela me ensinou que não ficava pensando em tempo, porque isso só fazia sofrer. Ela apenas ia.

Eu nasci em Irajá, na zona norte do Rio, e me formei em jornalismo em 2005. Tive algumas inspirações para levar todo meu carioquês suburbano às reportagens, inclusive enquanto trabalhei por seis anos na capital paulista. Afinal, modéstia à parte, acho que não há sotaque nem gírias mais charmosos, e fazemos questão de espalhar nosso bom humor, humildade (!!) e muitos xis por onde passamos. Mas as duas primeiras características me marcaram justamente por estarem tão presentes em Susana, vinda do Sul, aquela região fria.

Quando lhe perguntei por que tememos tanto a morte, Susana respondeu:

"A gente vive na cultura falsa de que a vida só vale a pena se a gente for feliz, quando ela é um pacote completo, com alegrias e tristezas, perdas e ganhos. A gente tem que parar com essa coisa de só querer o bônus da vida e fugir dos problemas. E também parar de questionar o que fizemos para merecer isso ou aquilo" Susana Naspolini (1972 - 2022)

As únicas vezes que nós víamos Susana questionar era "o porquê das coisas", de um buraco no meio da rua, uma praça abandonada, uma passarela sem utilidade. Só. Ademais, seguia a vida montada em triciclos, bicicletinhas de criança, charretes, em cima de árvores. E com gratidão. Porque o importante para ela, disse-me ao telefone, era ver a filha Júlia, 16, crescer. "Choro, tenho momentos em que penso que vou morrer, mas essa é a Susana mãe desesperada. Já tive momento de pânico e muito choro. Mas Deus levanta", afirmou.

Susana Naspolini não se inibia de subir em uma árvores para relatar os problemas da população no Rio - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Susana Naspolini puxava toda malemolência suburbana para denunciar as mazelas da cidade no RJ TV, na TV Globo
Imagem: Reprodução/Instagram

"O que tem me ajudado muito é criar mais intimidade com Deus. Ali busco toda força do mundo, e com essa relação consigo encarar a vida mais leve. Não faz um ano que perdi meu pai, que era o homem da minha vida, e também meu primo e meu tio. E ainda teve meu diagnóstico [de câncer]. A ideia do 'por que isso aconteceu comigo?' é soberba da gente, porque quando questiono por que estou com câncer, tem a resposta: 'Por que não? O que você tem de especial que a dona Maria pode ter a doença e você não?".

Neste momento da entrevista, deixei o racional profissional de lado e caí em lágrimas. E foi ela, com câncer, quem me consolou. Senti certa vergonha por ter tristeza pela pouca grana na conta, pelo divórcio anunciado, pela instabilidade do meu time, enquanto aquela mulher estava ali lutando pela vida.

Claro que não devemos mensurar as dores do outro com nossa régua. Mas agradecer antes de reclamar é uma dádiva que Susana manteve até fechar os olhos para sempre. E isso que quero guardar dela, além do sorriso e da promessa de tomar um café quando tudo isso acabasse, para seguir me dando conselhos profissionais e pessoais.

O café não será mais possível, nem os likes e corações trocados no Instagram, mas toda vez que pegar na minha primeira caneca de café do dia será à Susana que brindarei, e será por ela que levarei as mais difíceis reportagens com toda leveza possível.