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Funcionárias da Caixa criticam gestão de Guimarães: 'Pior para as mulheres'

Pedro Guimarães era presidente da Caixa Econômica até denúncias de assédio sexual o fazerem perder o cargo - Valter Campanato/Agência Brasil
Pedro Guimarães era presidente da Caixa Econômica até denúncias de assédio sexual o fazerem perder o cargo Imagem: Valter Campanato/Agência Brasil

27/10/2022 04h00

Em junho deste ano, funcionárias da Caixa Econômica Federal vieram a público denunciar o ex-presidente da Caixa Econômica Federal, Pedro Guimarães, por assédio sexual. Os casos relatados pelas mulheres incluem toques íntimos não autorizados, abordagens inadequadas e convites incompatíveis com a relação de trabalho. Em consequência dessas denúncias, Guimarães pediu demissão do cargo na sequência. Nesta semana, o caso voltou a ser assunto: o presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL) disse em entrevista ao portal Metrópoles não existir "nada de contundente" nas denúncias.

Universa ouviu duas funcionárias, que preferiram não se identificar, que reforçam os depoimentos das colegas que denunciaram Guimarães. Dizem que o clima na empresa era de tensão e desrespeito com todos os funcionários —embora a situação fosse ainda mais difícil para as mulheres. "Sem dúvida a perseguição com o gênero feminino se intensificou neste último governo", afirma Mariana*, 40, que trabalha na Caixa desde 2010.

Guimarães assumiu a presidência da Caixa em janeiro de 2019, indicado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Hoje é alvo de três denúncias de assédio sexual e nove de assédio moral. No fim de setembro, o MPT (Ministério Público do Trabalho) pediu que a Justiça o condene a pagar R$ 30,5 milhões pelos crimes citados aos funcionários do banco.

As duas entrevistadas choraram mais de uma vez na conversa com Universa: "Tudo isso deixou um peso emocional muito grande nas pessoas que sofreram com o que ele [Pedro Guimarães] fez. Sempre que vejo qualquer reportagem sobre o assunto, choro. E sigo com medo", afirma Fátima, 36, que trabalha na Caixa desde 2005.

A série de denúncias resultou na queda de Pedro Guimarães e na nomeação de uma nova presidente para o banco. Daniella Marques, que assumiu em julho, afirmou, na época, querer construir um pacto de proteção às mulheres.

Meses depois, as fontes ouvidas por Universa, porém, não veem melhora do clima no ambiente de trabalho. "Quando assumiu, Daniella falou que, se as denúncias fossem verdadeiras, seriam investigadas. Esse 'se' foi a prova de que não fomos ouvidas", diz Fátima.

Leia os depoimentos a seguir:

"'Que tatuagem é essa aqui?', disse Pedro Guimarães, me tocando"

"Logo no primeiro mês que Pedro Guimarães assumiu a presidência fui chamada para apresentar uma campanha. Estava ansiosa e animada, afinal, era uma oportunidade de conhecer esse novo líder.

No dia da apresentação, que foi marcada para acontecer no gabinete da presidência, estava sentada, de costas para a porta, preparando o material, quando Guimarães entrou na sala. Ele tocou numa pequena parte de uma tatuagem que tenho nas costas e estava levemente à mostra. Com as mãos em mim, falou: 'Não pode trabalhar com isso aqui na presidência não, viu? Se quiser trabalhar aqui, não pode trabalhar com essa tatuagem, não'.

Na hora respondi: 'Primeiro: eu não quero trabalhar aqui. E segundo: não encosta em mim'.

O primeiro contato que o novo presidente da empresa tem comigo, numa reunião oficial, é fazer um comentário antiprofissional sobre meu corpo? Ali ele já mostrou o que era: um assediador.

Depois da minha fala, ficou um climão. Pedro nem ficou para ver a apresentação, seguiu outro caminho, falaram que ele tinha outra reunião, enfim. Não apresentei minha campanha, fechei meu notebook, e a reunião foi dada como cancelada.

A partir dali começou meu grande terror.

Tenho certeza de que foram investigar meu nome, viram que sou de esquerda, filiada ao PT, e foram buscar processos meus desde que eu havia entrado na Caixa. Não tive sossego pelos próximos dois anos e meio seguintes.

Quinze dias depois, fui tirada da minha função. Recebi o aviso de que até as 9h do dia seguinte tinha que limpar minha mesa —isso sem ter um novo cargo ou lugar para ir. Falei com diversas pessoas, de diversas áreas, e sempre ouvia que 'não podiam receber ninguém do marketing'. Por fim, consegui uma realocação, com o cargo de gerente, em outra área.

Em junho do mesmo ano, meu chefe me chamou e falou: 'O pessoal lá de cima quer sua cabeça'. Passei a responder por processos administrativos por dois anos e meio. Não conseguiam provar nada, mas seguiam investigando.

Passaram o pente fino em tudo que eu havia feito na empresa desde que eu entrei para achar alguma justificativa e me punir. Foram dezenas de processos. Seguiram nisso inclusive quando estava grávida e de licença-maternidade.

Cheguei a dar depoimentos de duas horas seguidas grávida de nove meses. Tive que pedir uma pausa para beber água, descansar, com dor. Nenhuma empatia.

Mandavam mensagens no meu e-mail pessoal sobre novos processos de apuração durante a minha licença-maternidade. Seguia respondendo todos quando voltei a trabalhar, ainda no home office, amamentando minha filha, pedindo pausa quando ela chorava.

Depois de todo esse longo processo, encontraram apenas uma falha operacional: a falta de uma assinatura em um documento. Isso depois de enfrentar mais de dez.

O clima era muito ruim, mas a situação das mulheres durante a gestão do Pedro Guimarães era pior. Era claro o olhar que ele tinha para as mulheres.

Você não podia se posicionar. Quem se posicionou, sofreu. Eu devo ter sido uma das primeiras, mas quantas ali, depois de mim, passaram por isso nesses três anos?

Muitos colegas me questionam até hoje por que respondi para o presidente daquele jeito. Mas eu faria tudo de novo. Quando o Pedro Guimarães me falou aquilo, ele tinha um mês de Caixa. Tenho certeza de que ele queria ver se eu estava disposta a jogar aquele jogo.

Refleti muito se eu daria essa entrevista, ainda que anonimamente. Mesmo com a mudança de presidência, sei que estou marcada. Perdi o cargo e a função de que eu gostava. Não vejo as coisas melhorando.

Ele trouxe uma mancha para a história da empresa, deixou um peso emocional grande em todos que sofreram com o que ele fez. Eu passei por tratamento psicológico, psiquiátrico... Toda vez que vejo qualquer reportagem sobre o assunto, eu choro. E sigo com medo." Fátima, 36, funcionária da Caixa desde 2005

"Não podia usar roupa vermelha"

"Estou na empresa há mais de dez anos e posso dizer que a gente já vivia uma cultura de assédio antes. Mas, neste governo, piorou muito. Já se via assédio moral, não sexual. E nada se compara ao que vi nos últimos anos, nesta gestão.

Trabalhei por anos na corregedoria da Caixa. Durante os primeiros anos, fomos investigando e acumulando vários processos internos. Mas tudo foi engavetado.

Essa situação era aberta, todos sabiam. Éramos vítimas de um esquema de terror psicológico, porque a gente sabia, mas não podia falar nada. Tudo era motivo de perseguição.

A primeira orientação que recebi foi de apagar qualquer menção política das minhas redes sociais. Eu não vivenciei isso no governo de esquerda. Eu tinha liberdade de falar as minhas opiniões políticas, elas não impactavam na minha vida profissional. Hoje eu não posso fazer nenhum comentário.

Em 2020 foi feito um dossiê com o histórico dos próprios funcionários da Caixa. E era uma coisa assim: 'Fulano de Tal é partidário? Tem alguma foto no Instagram ou Facebook com algum político de esquerda?'.

A perseguição é tanta que a gente não pode usar roupa vermelha. O Pedro Guimarães mesmo cometeu vários assédios nesse sentido. Isso ficou institucionalizado: ninguém usa roupa vermelha hoje em dia porque é proibido.

As falas do Pedro Guimarães eram horríveis, dá até vergonha de repetir, mas ele dizia coisas do tipo: 'Eu vou enfiar no cu de vocês até sair pela boca' ou 'Vocês querem ser estuprados?'.

É muito dolorido, um sentimento de muita revolta. Se eu tivesse condições, eu pediria demissão, mas não posso." Mariana, 40, trabalha na Caixa desde 2010

Outro lado

Universa procurou a Caixa Econômica Federal que, por nota, afirmou que "não tolera nenhum tipo de desvio de conduta por parte dos seus dirigentes ou empregados e comunica que fortaleceu a governança do banco para investigar denúncias". Além disso, afirmam que além do relatório da Corregedoria, setor que passou a ser vinculado diretamente ao Conselho de Administração do banco, foi contratada auditoria externa e constituído um comitê independente para a investigação de todas as denúncias.

Por meio de advogado José Luis Oliveira Lima, Pedro Duarte Guimarães enviou nota a Universa onde "nega taxativamente a existência de quaisquer episódios de assédio sexual, moral ou perseguições pessoais na Caixa durante a sua gestão". Ele também afirma que a Caixa passou a contar com um programa de liderança feminina e que os mecanismos de ouvidoria "foram ampliados e aprimorados". Por fim, Pedro Guimarães nega a existência de tensões no ambiente da Caixa. Segundo ele, isso seria "demonstrado pelo selo de Melhor Empresa Para se Trabalhar de 2021, em votação feita pelos próprios funcionários do banco".

*Os nomes foram alterados a pedido das entrevistadas.