Bota, chapéu e cor de rosa: mulheres do agro dizem que 'encaram grosseria'
Era um evento para mulheres do agronegócio, realizado às vésperas do segundo turno das eleições presidenciais. Mesmo assim, quase não se via verde e amarelo ou vermelho, tampouco o roxo das bandeiras feministas que ostentam um punho cerrado. No 7º Congresso Nacional das Mulheres do Agronegócio, também chamado pela sigla CNMA, o que saltava aos olhos era o rosa, presente em estandes, em equipamentos de pecuária e nas roupas de algumas das 2.500 participantes.
Bem arrumadas e maquiadas, algumas com botas e chapéus de caubói, elas formavam um público mais descontraído do que o que se costuma encontrar em eventos tradicionais do agronegócio, quando a maioria absoluta é de homens. O ingresso para os dois dias de evento — 26 e 27 de outubro— custava a partir de R$ 1.000.
Por outro lado, os já desbotados discursos do setor estavam lá: Brasil como celeiro do mundo, agronegócio como sustentáculo da economia nacional. Também marcaram presença as grandes multinacionais, de grãos ou de agrotóxicos, além do Instituto Pensar Agropecuária, um think tank que apoia tecnicamente a bancada ruralista no Congresso Nacional.
O que importa são os negócios
Pecuaristas, cooperadas, representantes de entidades de classe tinham um ponto em comum. Quando questionadas sobre política, mostravam-se mais preocupadas com a gestão do Ministério da Agricultura e com seus próprios negócios do que qualquer outro tema, incluindo a escolha pelo próximo presidente.
"Tereza Cristina me representa", cravou a embaixadora do CNMA na região Nordeste, Ani Sanders, 63 anos, referindo-se à ex-ministra da Agricultura sob o governo Jair Bolsonaro (PL), recém-eleita senadora (PP-MS). "Ela abriu mercados, enfrentou uma pandemia".
Ani é cofundadora, ao lado do marido, do Grupo Progresso, que produz grãos e algodão. Natural do interior gaúcho, hoje mora em uma fazenda em Sebastião Leal (PI), município de 5.000 habitantes. De chapéu, saia de couro e botas —todos esses itens na cor rosa no primeiro dia de evento— Ani veste a camisa do setor: "O agro transforma, imagina lá no interior do Nordeste, você tem um investimento para transformar a mão de obra, é o maior papel social que tu estás fazendo".
Como Ani, Andressa Gomes Teixeira, 32, admira a ex-ministra da Agricultura: "Uma desbravadora, não só por ser mulher, mas pela idade, ela já é uma senhora".
Pecuarista baseada em Cuiabá (MT), Andressa passou a atuar na área ao lado do marido há cerca de cinco anos, ajudando a tocar uma empresa no ramo. "Como a gente trabalha com a carne, percebe muito a questão da abertura de mercados", completa. Na tela do celular, ela mostra vídeos de um dos seus trabalhos, a inspeção de carcaças de boi recém-abatidos em um frigorífico. Nos braços, carregava uma bandeira de Mato Grosso.
Na política, diz Andressa, seu voto é pensado de acordo com o que considera a melhor gestão para o agronegócio e para o Brasil. Sobre a ex-candidata Simone Tebet (MDB), também mulher e agropecuarista, embora tenha gostado das ideias, acha que a realidade é outra. "Achei que ela ficou um pouco desconexa da nossa realidade", disse, sem entrar em detalhes.
"Algumas [mulheres do agro] até gostavam dela, mas depois que passou a apoiar o Lula, não", disse uma liderança do setor presente ao evento, que pediu para não ter o nome citado.
Elogios a Tereza Cristina também surgiram no vídeo do presidente da Abag (Associação Brasileira do Agronegócio), Caio Carvalho, exibido logo no início do evento: "Uma das melhores gestões desde o início da República".
Ex-líder da bancada ruralista na Câmara dos Deputados, Tereza se tornou ministra da Agricultura em 2019, após Bolsonaro assumir. Teve uma gestão marcada pela defesa da flexibilização das regras para uso de agrotóxicos, apoiando um projeto de lei nesse sentido conhecido como "PL do Veneno", que ainda está em tramitação, mas avançou no Congresso durante sua gestão.
Na campanha para senadora, recebeu doações expressivas de grandes nomes do agronegócio, como os cerca de R$ 200 mil de Rubens Ometto, controlador da Cosan, a maior empresa processadora de cana do mundo.
Feministas sem feminismo
Atuantes em um setor dominado por homens, as mulheres do agronegócio nem sempre se identificam com as bandeiras levantadas pelo feminismo ou se dizem feministas. Andressa se considera "um pouco contra o feminismo". Ao mesmo tempo, afirma que, à primeira vista, os homens acham que a mulher não tem a mesma competência deles.
Outras não veem dificuldade particular por serem mulheres, como Kátia Fumian, 54, produtora rural e presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Novo Cruzeiro (MG). "Acho que eles [os homens] até prestam mais atenção quando é uma mulher falando".
Há também quem não se incomode com as falas misóginas do presidente da República. "Isso não me atinge, sabe por quê? Porque no agro a gente encara muita grosseria, e a gente tenta mostrar nossa competência", explica Ani.
Para Mariana Beckheuser, 43, presidente de uma empresa de equipamentos para pecuária, embora muitas mulheres do agro não falem de feminismo, levantam as mesmas bandeiras do movimento. "O caminho que o feminismo abre é este: eu posso ocupar este espaço", explica. "O que as mulheres do campo querem é seu espaço".
Mariana foi a única das entrevistadas que diz se considerar feminista. "Nem gosto de rosa, mas botei minha camisa para fazer um vídeo para o Outubro Rosa e por causa do congresso", diz. "É igual a qualquer movimento de diversidade, tem que criar uma identidade, fazer barulho, porque isso ajuda a conectar".
"Isso aqui é uma Viena"
Idealizado como uma oportunidade de negócios pelo empresário Aloysio Faria, do Grupo Alfa, dono da Rede Transamérica, o congresso surgiu em 2016 com 600 participantes e vem quebrando recordes de inscritos. "Não levantamos nenhuma bandeira porque a gente acredita que a complementaridade de gêneros é que faz a diferença", diz a gerente de novos negócios do Transamérica, Renata Camargo.
Dos 49 palestrantes, 24 eram homens. Alguns deles buscavam se referir a alguma figura feminina, quiçá para gerar empatia com o público. Em um dos casos, a Imperatriz Leopoldina veio à tona: "Ela que foi a primeira mulher a chefiar o Brasil", disse um deles, arrancando aplausos do público —Leopoldina era princesa regente na época da proclamação da independência, na ausência de D. Pedro I por motivo de viagem, e foi a responsável por assinar o documento que garantiu que o Brasil seria livre de Portugal.
"Esse número de mulheres organizadas é novo, é uma coisa construída há poucos anos. Vi esse boom acontecer", afirma Teresa Vendrami, 63, a primeira presidente mulher da centenária SRB (Sociedade Rural Brasileira).
Espaços como esses, exclusivos para mulheres, são importantes para troca de experiências e suporte mútuo, na opinião de Mariana. "Se eu estou começando e pergunto algo [para um homem], ele pode me ridicularizar".
Além de ser um ambiente de aprendizado e de networking, o congresso acaba se tornando uma oportunidade para muitas mulheres deixarem o campo, na opinião de uma outra participante, que preferiu não se identificar: "Tem mulher que está aqui hoje que não sai da fazenda, ela saiu, pegou um avião e chegou em São Paulo. Você entendeu? Isso aqui é uma Viena para ela".
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