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Depressão, Raul Gil e 'The Voice': a história da Whitney Houston brasileira

A atriz e cantora Thalita Pertuzatti  - Divulgação
A atriz e cantora Thalita Pertuzatti Imagem: Divulgação

Nina Rahe

Colaboração para Universa, de Sao Paulo

30/10/2022 04h00

Thalita Pertuzatti já havia tentado tirar a própria vida mais de uma vez, mas, em 2008, quando tinha apenas 19 anos, quase conseguiu. Após tomar uma overdose de medicamentos, ficou dias internada em um hospital e, quando acordou, diz não ter ideia nem mesmo de quem era.

A cantora, que à época já havia sido selecionada para participar do programa do Raul Gil, vivia naquele período a realização de um sonho, mas não conseguia se dar conta disso.

Hoje, após mais de 15 anos vivendo do seu trabalho, por meio do qual chegou a ser reconhecida como a "Whitney Houston brasileira", ela compartilha com Universa como fez para afastar os gatilhos e perceber que, embora a vida seja difícil, não é preciso tanto para ser feliz.

"É como se você estivesse debaixo d'água"

A depressão é uma doença silenciosa. Enquanto para muitas pessoas ela não tem razão de existir, para quem está passando, aquilo é um grito. Você está desesperado querendo viver, mas sem saber como e, nesse desespero, tenta morrer. É uma forma de resolver os problemas mesmo que não seja assim que a gente resolve problema algum.

Eu cheguei a fazer uma música sobre isso e gravei o clipe dela todo em silêncio porque, na depressão, é como se você estivesse debaixo d'água, todo mundo consegue te ver, mas ninguém consegue te ouvir. Todos sabem que você está desesperado, quase morrendo, mas parece que ninguém pode te ajudar.

Trouxe essa história à tona na minha participação no musical "Elas Brilham", por uma sugestão do diretor de que as atrizes contassem suas próprias histórias, e não tive problema nenhum em falar a respeito. Pensei na possibilidade de ter alguém na plateia vivendo a mesma situação e, ao me ouvir, essa pessoa saberia que é possível sair dela.

Thalita Pertuzatti  - Divulgação - Divulgação
Thalita Pertuzatti
Imagem: Divulgação

Mas toda vez que conto a minha história e penso que, se tivesse cometido suicídio, poderia não estar aqui cantando, eu choro. Caramba, eu poderia não estar aqui agora.

Não consigo dizer exatamente quando tudo começou. Na minha adolescência, as questões afetivas foram uma válvula para que eu começasse a pensar em suicídio. Já havia feito várias tentativas, mas, em 2008, quando eu tinha 19 anos, quase consegui.

Eu tinha brigado com o meu ex-marido por um motivo bobo. A gente costumava deixar uma chave escondida em um cano para minha mãe poder entrar na nossa casa e, depois de um tempo, a chave escorregou para dentro e ninguém conseguiu mais localizá-la. Por causa disso, ele chegou um dia brigando comigo, querendo saber onde a chave estava e eu na hora pensei: 'Isso é vida?'

"Fiquei desacordada por dias"

Só sei que, já com a intenção de cometer suicídio, liguei para a minha mãe. Na conversa, eu disfarçava dizendo que estava tudo bem, mas não sei qual foi a palavra que eu disse que fez com que ela entendesse o tom. É incrível como mãe e pai têm essa conexão com a gente, por uma palavra, eles perceberam que havia algo errado.

Os meus pais moram em Salgueiro, uma região do Rio de Janeiro que não tem ônibus de madrugada. Como já era tarde, imaginei que eles não pudessem fazer nada. Escrevi uma carta, coloquei em cima da mesa, tomei um monte de remédios e fui dormir.

Depois disso, só lembro de estar no ombro do meu pai, batendo nas costas dele. Os dois foram correndo me socorrer, chegaram a tempo de me levar ao hospital para fazer uma lavagem. Fiquei desacordada por dias e, quando acordei, não sabia nem quem eu era.

E o mais maluco é que, nesse período, eu estava vivendo o momento mais feliz da minha vida. Tinha acabado de realizar o sonho de ir para o programa do Raul Gil, algo que queria desde a minha adolescência. Lembro que, quando recebi alta, minha mãe ligou a televisão e disse: "Olha, filha, é você no Raul Gil." E eu só pensava: "Nossa, bonita essa menina". Era como se não fosse eu mesma.

Thalita Pertuzatti caracterizada de Whitney Houston - Divulgação - Divulgação
Thalita Pertuzatti caracterizada de Whitney Houston
Imagem: Divulgação


Quando penso em tudo que aconteceu, eu choro, fico emocionada, mas não é por causa da dor. É uma sensação de "caramba, poderia ter sido totalmente diferente." Eu choro porque foi por muito pouco, minha mãe poderia não ter chegado. Os médicos mesmo falaram que eu quase fui embora.

Naquela época eu não entendia que, independente de qualquer problema, o importante é estar vivo, com quem você ama. Acontece que, quando a gente está em depressão, a impressão é que os problemas são tudo o que a gente tem. E por mais que as pessoas tentem conversar, a sensação é mesmo de estar debaixo d'água. É muito difícil alguém conseguir nos ouvir.

"Precisava me afastar dos gatilhos"

Na época, eu fui cuidada, me trataram, eu tive auxílio psiquiátrico. Vejo algumas pessoas reclamando que os médicos não falam nada, mas sei que quem precisa falar algo é você. Às vezes, vinham uns gatilhos, os pensamentos voltavam ("vamos resolver isso mais fácil?").

Quando me separei pela segunda vez, por exemplo, foi um processo doloroso, muito difícil, e os pensamentos vinham. Conseguia afastá-los pensando que eu tinha motivos para viver e que já eu existia antes de conhecer aquela pessoa. Esse virou meu jargão. Se alguém pensa que a vida acabou, eu digo: "Querida, você existia antes disso."

Durante todo esse processo, a música esteve na minha vida. Eu canto desde os 2 anos, minha irmã também e a gente vivia sempre sonhando em gravar um disco. Quando fiz 17, passei por um episódio de racismo, fui em um aniversário e a sobrinha do meu ex-marido começou a dizer que não brincaria comigo porque eu era preta. Eu lembro que fui para o banheiro, comecei a chorar e pensei que, com 18 anos, ninguém me pararia. E foi justamente quando eu fui para o Raul Gil.


Eu trabalhava como caixa em um restaurante, vivia cantando e todo mundo dizia que eu tinha o dom de cantar. Um dia a gente estava vendo televisão e, depois da apresentação de uma menina, eles passaram o endereço para quem quisesse se inscrever. Na hora achei que ele estava falando diretamente comigo, virei falando: "Você viu, o Raul me chamou, você viu?"

Entrei em um transe, fui na lan house no intervalo, anotei o endereço, peguei dinheiro das contas de todo o mês e fui. Eu e a minha irmã, levando empadinha, salgadinho Miliobom e Guaravita para a viagem.

Depois disso, não parei mais. Foi um ano cantando no programa até vencer o concurso do Raul Gil.
Em 2012, participei do "The Voice Brasil" e foi sensacional viver essa experiência de fazer um programa onde a gente se apresentava ao vivo. Reality show não tem chance de fazer um novo take. Foi uma experiência maravilhosa e acrescentou muito na minha carreira, os valores dos meus cachês aumentaram e foi muito bom. Quem não quer ser finalista do The Voice Brasil? É um título que dá um prestígio em qualquer lugar que a gente chega.

Thalita se apresentando no "The Voice Brasil" - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Thalita se apresentando no "The Voice Brasil"
Imagem: Arquivo pessoal

Daí entrei no mundo dos musicais, participei de "O Som da Motown", em 2009, foi um sucesso, e em 2016 comecei a cantar Whitney Houston. Eu conhecia tudo sobre ela, mas nunca pensei que teria a capacidade de cantar algo de uma artista que gosto tanto.

Foi um ano me apresentando com as canções dela até estrear com "Whitney Houston Forever" e, hoje, de tanto falarem que a voz se parece, às vezes até acredito. No programa do Rodrigo Faro, inclusive, cheguei a ser reconhecida como a "Whitney Houston brasileira". Lá eles apresentaram toda a minha vida e mostraram quem era essa pessoa que estava nos palcos.


É o que me move também, fazer com que as pessoas enxerguem que a vida não é fácil. Às vezes a gente entra em um turbilhão de emoções e ansiedades para conquistar coisas que, no dia seguinte, desaparecerão. Todos nós temos nossas feridas e temos que tratá-las, mas hoje tenho certeza de que só precisamos do essencial, ser feliz. E para isso não precisa muito.

Thalita Pertuzatti, 33 anos, cantora, já participou dos musicais "O Som da Motown" e ""Whitney Houston Forever", com o qual voltará aos palcos em dezembro.