Quem é a brasileira que evitou pouso de emergência ao socorrer passageiro
Quatro meses atrás, a recém-formada Luana Moury se viu numa situação inusitada em pleno voo de Londres para São Paulo. Única médica a bordo, ela evitou o pouso de emergência da aeronave que transportava mais de 200 pessoas ao socorrer um britânico que passava mal. Luana reanimou o passageiro, garantiu sua integridade e, assim, assegurou que o trajeto fosse concluído sem interrupções.
"Nunca imaginei a repercussão disso. Só fiz o que qualquer pessoa faria, quer dizer, fiz meu trabalho", comenta ela sobre as notícias que se espalharam depois que postou sobre o ocorrido em seu perfil no TikTok. O vídeo já acumula quase 2 milhões de visualizações.
"Foi a primeira viagem que fiz com minha mãe e irmã, todas juntas. No voo de volta da Inglaterra para o Brasil, por volta das 5h, minha mãe me acordou falando que estavam precisando de um médico", conta. "Havia um homem, britânico, que a equipe achava que estava desmaiado. Percebi que estava tendo uma convulsão e prestei socorro ao paciente, estabilizei-o e, ao acordar, ele e a equipe me agradeceram muito. Os passageiros que estavam ao redor aplaudiram."
"Todo o atendimento foi em inglês", relembra, "então, o fato de eu ser professora de inglês médico me ajudou". "Confesso que, por ser a única médica a bordo, no meio de um avião sem muito recurso, fiquei inicialmente nervosa. Mas trabalhar sob pressão faz parte na nossa profissão."
O que poderia ser um adendo curioso no currículo de qualquer profissional, no caso de Luana, é apenas mais um detalhe em uma jornada repleta de conquistas internacionais. Aos 26 anos, ela saiu da faculdade no Recife (PE) com emprego garantido em um dos maiores hospitais de Nova York —o Mount Sinai Hospital— graças ao planejamento de carreira que ela mesma elaborou ainda nas primeiras semanas de aula.
Foi também durante os estudos que Luana criou a própria empresa, com a qual quer impactar a educação médica e de profissionais de saúde, através da revalidação de diplomas no exterior e o ensino de inglês direcionado. Conhecida nas redes sociais como Doutora Med Mundo Afora, a jovem compartilha sua história a seguir.
"Medicina nunca foi o meu único sonho. Pensava na possibilidade, mas havia outros interesses. Sonhava viajar, conhecer o mundo. No início, considerei fazer relações internacionais ou política, pois sempre tive um pensamento muito crítico com o que acontece ao meu redor. Também sempre gostei de ensinar e aprender novas línguas. Na verdade, meu grande sonho era impactar o mundo.
Desde criança fui muito disciplinada. Posso dizer que os estudos mudaram minha vida. Fui bolsista em escolas particulares e, para nunca perder o benefício, precisava de boas notas. Via o esforço da minha mãe, Adriana, chorando ao pedir as bolsas nas melhores escolas. Ela dizia que o estudo era o legado que iria me deixar.
Meus pais lutaram e trabalharam muito. Ambos já fizeram de tudo. Minha mãe é arquiteta e chegou a vender marmitas no escritório em que trabalhava para manter nossa casa, que ela sustentava sozinha por ser separada do meu pai. Ela faz qualquer coisa por mim e por minha irmã.
Meu pai, Alberto, me mostrou que trabalho duro é recompensado. Ele foi pai e mãe para minhas outras duas irmãs que perderam a mãe, minha madrasta, muito cedo. Ainda não tinha entrado na faculdade e ela adoeceu com melanoma —desde seu diagnóstico até o final de sua luta, demorou menos de um ano. Foi bastante traumático para minha família.
Ensino médio no Canadá
Quando eu tinha 15 anos, minha mãe pegou literalmente toda poupança de quatro décadas, as economias da vida dela, e me mandou fazer o ensino médio no Canadá, apesar de todos falarem que era 'loucura'.
Eu já falava inglês, pois me dedicava bastante a estudar línguas —também falo espanhol. Mas a experiência no Canadá me deixou mais confiante e fluente, a ponto de, muitas vezes, nem perceberem o sotaque.
Quando terminei o Ensino Médio, consegui bolsas para seis faculdades no Canadá. Mas como eram parciais, ainda eram muito caras para minha mãe pagar. Eu teria que ficar trabalhando e fazer meio período.
Já estava com saudade de casa e me sentindo mal com os custos. Decidimos, juntos, que iria voltar. Na época, admito, fiquei muito frustrada, sentindo que tudo por que eu tanto lutei e trabalhei tinha sido em vão.
De volta ao Recife, entrei na faculdade por meio do programa de bolsas do Enem. Foram seis anos na Universidade Mauricio de Nassau de Pernambuco, conciliando estudo, trabalho e intercâmbios. Ao ser aprovada em Medicina, eu já sabia que queria explorar o mundo, mas não sabia aonde iria, nem se faria especialização no país ou fora.
A IFMSA (Federação Internacional de Associações de Estudantes de Medicina) era o único projeto de extensão que eu poderia fazer na minha faculdade no primeiro período e que é reconhecido internacionalmente. Então, por que não tentar? Minha estratégia era trabalhar com o que eu tinha, tirando o máximo das oportunidades.
Enquanto eu não tinha dinheiro para viajar e participar do intercâmbio da IFMSA, recebia os estudantes internacionais no Recife. Só falávamos em inglês e isso já aumentava meu networking.
Aproveitei o início da faculdade para fazer o máximo de atividades extras, como desenvolver habilidades de liderança, inteligência financeira e empreendedorismo.
Minha primeira experiência de estágio foi um 'summer job', um trabalho muito sério e, ao mesmo tempo, divertido, em uma instituição para crianças em situação de vulnerabilidade no Canadá.
Fui logo após terminar o quarto período da faculdade. Juntei dinheiro para a passagem nos dois primeiros anos através de monitorias com bolsa e dando aulas particulares de biologia, redação, inglês, matemática e português para pré-vestibulandos. Fui ainda professora numa escola de inglês e tive uma loja de cactos.
'Criei o primeiro curso de inglês médico para brasileiros'
Na pandemia, meu estágio pela IFMSA foi cancelado. Já tinha todos os pontos para ir a qualquer país que quisesse e havia escolhido a Grécia, país que sonho conhecer. Fiquei bem triste com isso porque era algo para o qual que me preparei desde o início da faculdade.
Como meus amigos sempre pediam conselhos de como estudar fora e como fazer intercâmbio, e eu sempre ajudava, resolvi criar um perfil no instagram, o @medmundoafora, para reunir todas as experiências que já tinha feito. Assim era mais fácil me comunicar e passar a informação para todos.
Comecei a dar aulas particulares e em grupos pequenos, mas chegou a um ponto que já não conseguia atender todo mundo. Centenas de alunos de medicina me pediam para participar das minhas aulas de inglês, então criei a Academia de Inglês Médico, com aulas ministradas por mim e outros professores que chamo para participar. Tem até fonoaudióloga especialista em inglês para melhorar a pronúncia de cada palavra. É o primeiro curso de inglês médico criado para brasileiros no mundo todo.
Além disso, ajudamos profissionais de saúde e estudantes que querem se destacar na profissão, ou seja, internacionalizando sua carreira, aproveitando o máximo na faculdade, a fazer intercâmbio, trabalhos voluntários no exterior e aprender novas culturas.
Tenho muito orgulho de tudo que criei ainda na faculdade. O Med Mundo Afora hoje é como um filho pra mim. Mudou a minha vida e da minha família, me deu independência financeira. Mudou meu presente e futuro também. Pude fazer os intercâmbios que sempre sonhei e hoje lidero cerca de 20 funcionários e prestadores de serviço.
'Me tornei coordenadora em um grande hospital em Nova York'
Fiz parte do meu internato nos Estados Unidos. No rodízio de cirurgia éramos uns 14 americanos e quatro estrangeiros. No final, a gente recebe a nota pelo rodízio e quem tem a maior nota recebe 'honors', como se fosse a pessoa laureada. Me dediquei muito e acabei recebendo a honraria.
Chegava supercedo, saía de casa às 5h da manhã e tinha dia que ficava no hospital até as 21h. Até nos feriados e finais de semana eu ia. Fazia mais horas extras do que precisava. No final, ainda fiz um relatório de cada cirurgia a que havia assistido. Ganhei muitas cartas de recomendação e foi um esforço muito grande que valeu.
Mesmo antes de me formar, recebi algumas propostas de emprego e acabei escolhendo a vaga em Nova York. Quatro meses antes da formatura, fui chamada para uma entrevista no setor de Neurologia do Mount Sinal Hospital. O cargo era de coordenador e, para isso, precisaria de anos de experiência em pesquisa.
Já tinha algumas publicações em revistas indexadas e sempre me dediquei a isso, mas nunca tinha trabalhado em um grande centro. O Mount Sinai Hospital era um sonho bem distante, por ser um dos maiores e melhores centros de saúde do mundo.
Atualmente, no hospital, lido com os pacientes da pesquisa na aérea de neurologia. Estudo sobre a genética desses pacientes e como cada perfil molecular irá afetar o corpo e a doença. Escrevo artigos para revistas indexadas e, junto à equipe, esperamos ter um impacto relevante na cura de demência nos próximos anos.
'O papel do médico é acolher'
O Brasil é um dos países que mais formam médicos, então precisamos nos destacar dentro do mercado. Sou médica formada pelos hospitais do SUS, onde estagiei muito —e tenho bastante orgulho disso. Os pacientes me marcaram e deixaram um pedaço deles em mim. Tenho uma gratidão imensa por cada toque.
Aprendi que, por mais que eu esteja cansada, quem está lá, sofrendo no hospital, doente ou com um familiar doente, está bem pior. Aprendi a deixar meu cansaço ser o descanso e o conforto deles.
Amo a medicina olho no olho, isso faz toda diferença no atendimento. Parece besteira mas, às vezes, os pacientes só precisam de alguém para ouvi-los. Aprendi a não julgar —o papel do médico é acolher.
Tenho muitos planos para minha carreira, mas sei que nem tudo pode ser como a gente quer e que planos mudam mesmo. Mas gosto de pensar em um caminho e ter vários planos para chegar até ele. Caso um não dê certo, tem sempre outro."
*Luana Moury, 26 anos, é médica recifense e atualmente mora em Nova York (EUA)
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