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Bolsonaristas invadem peça infantil no RS: 'Xingaram famílias e mães'

Anahi Martinho

Colaboração para Universa

04/11/2022 14h47

Um grupo de manifestantes golpistas que pedia intervenção militar provocou uma confusão durante um espetáculo infantil na Feira do Livro de Porto Alegre, na quarta-feira (2). O evento é um dos mais tradicionais do segmento no país e é realizado desde 1955.

A feira acontece na Praça da Alfândega, no centro da capital gaúcha, em um local próximo ao quartel militar da cidade, onde bolsonaristas se reuniam para protestar contra o resultado das eleições.

Segundo testemunhas, a briga começou entre quatro homens, alguns vestindo verde e amarelo, em frente ao local onde aconteceria o espetáculo infantil. A confusão começou poucos minutos antes do início da peça, que estava marcada para as 16h.

Organizadores do evento e famílias que estavam na plateia tentaram conter os arruaceiros, mas a briga tomou proporções generalizadas. Manifestantes, também vestidos com cores da bandeira, chegaram a chutar as estruturas de ferro do evento e a ofender espectadores do teatro.

A confusão foi contida pela Polícia Militar, que precisou usar gás de pimenta para dispersar os manifestantes. Após 20 minutos de atraso e debandada de parte da plateia, os atores deram início ao espetáculo.

Artistas pensaram que havia alguém armado

Um dos atores da peça, que pediu para não ser identificado com medo de sofrer represálias, gravou um vídeo no momento da confusão.

Ele relata que houve pânico no camarim e que a trupe chegou a pensar que poderia ter alguém armado no local.

"Quando ouvimos a gritaria, ficamos muito assustados, achamos que tinha alguém com arma", relata o artista, que saiu do camarim para ver o que estava acontecendo. "Fui dar uma olhada para saber qual era a situação, se teríamos que ir embora correndo."

O teatro onde a peça acontecia era a céu aberto e havia cerca de 300 lugares, que estavam todos ocupados. Após a confusão, parte das famílias precisou deixar o local, principalmente quem estava com crianças menores, que ficaram muito assustadas.

"As famílias que estavam na plateia começaram a intervir, a pedir aos arruaceiros que fossem embora, e eles responderam com xingamentos, palavras de baixo calão, chamando as mães de vagabunda, falando coisas horríveis, naquele espírito que a gente sabe que essas pessoas têm", relatou o ator.

"O que mais me choca é que estávamos em um evento literário, de arte, de cultura, e esse era um espaço voltado para crianças", diz.

'Meu filho pediu para ir embora'

A maquiadora Analu Santos, 30, que estava na plateia com o filho de 8 e a avó de 80, afirma que sentiu um clima pesado assim que chegou ao local. Ela e sua família se depararam com manifestantes com ânimos exaltados, muitos consumindo bebida alcoólica, circulando pela feira do livro.

Analu conta que também temeu a presença de pessoas armadas no local. "Os pais ficaram preocupados por causa de armas, esse pessoal costuma andar armado. Era uma briga feia, eles estavam se chutando no chão. Meu filho nunca tinha visto uma briga assim na frente dele", diz a mãe.

Após a chegada da polícia e dispersão dos manifestantes, Analu tentou acalmar seu filho, pois achou que seria ainda mais perigoso deixar o local e ter que atravessar a avenida onde os bolsonaristas se reuniam.

"Meu filho ficou assustado e pediu para ir embora, mas eu falei que estava perigoso lá fora. Coloquei ele no meu colo, e ele assistiu a peça o tempo todo comigo", conta.

O espetáculo encenado contou a história do Negrinho do Pastoreio, uma lenda tradicional gaúcha. A peça foi realizada sob o barulho de buzinas, hino nacional e gritos dos manifestantes golpistas que passavam pelo local.

"Saímos da peça com dor de cabeça porque eles estavam na rua de trás gritando, havia muito barulho", disse a mãe.

O ator conta ainda que encenou o espetáculo inteiro com medo do que poderia acontecer depois.

"Fiquei com medo de que alguém aparecesse armado. A única coisa que a gente pede é que as pessoas consigam conviver de forma harmônica e respeitem o trabalho de quem faz arte e, principalmente, de quem trabalha com crianças", pede o artista.