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Endometriose na adolescência: 'Dor que não dá nem para levantar da cama'

Malu tem de 15 anos e foi diagnoticada com endometriose - Carlos Fernandes
Malu tem de 15 anos e foi diagnoticada com endometriose Imagem: Carlos Fernandes

Glau Gasparetto e Thaís Lopes Aidar

Colaboração para Universa, em São Paulo

04/11/2022 04h00

Malu tem de 15 anos, mas já sabe o que é ser hospitalizada por causa das dores insuportáveis da endometriose. Nas primeiras crises, as dores de cabeça e os enjoos eram os piores sintomas, mas nos últimos meses as cólicas a impediam até de ficar em pé ou estudar. O diagnóstico foi confirmado em outubro, após uma internação.

"Cheguei a achar que quando falava que não conseguia ir a escola era por dramas emocionais em determinados momentos da vida, sabe? Decidimos investigar quando identificamos a progressão das cólicas dela. No início, eram normais e, com o passar dos meses, a dor piorava, ao ponto de ela gritar e dizer: 'Me leva para hospital, pelo amor de Deus. Alguma coisa arrebentou dentro de mim'", conta Marcela Laranjeiras, mãe da menina e influenciadora do perfil Casa de Bamba, de Nilópolis (RJ).

A mãe conta que os primeiros indícios do problema surgiram logo após a primeira menstruação, pouco antes dos 14 anos. À época, a filha passou a ter enjoos matinais e dores de cabeça. Chegavam a ser tão fortes que deixavam seus lábios esbranquiçados e ela parecia que desmaiaria.

Muita dor e nenhuma cura

A endometriose pode ser entendida como o funcionamento anormal do organismo feminino, em que as células do tecido que deveria revestir apenas o útero (endométrio) são identificadas fora dele. É considerada uma patologia crônica progressiva e a segunda doença ginecológica mais frequente entre as mulheres, atingindo 10% a 15% delas durante a idade reprodutiva.

Como não tem cura, o diagnóstico precoce faz toda a diferença. "A endometriose piora progressivamente, podendo atingir órgãos e estruturas delicadas que podem acarretar danos irreversíveis para a mulher. Por isso, quanto antes for diagnosticada, melhor", garante o ginecologista Claudio Crispi, cirurgião especialista no tratamento da endometriose profunda e doenças de alta complexidade, que tem acompanhado Malu.

Com relação aos sintomas, o médico destaca dois principais alertas para a investigação entre mulheres mais novas. Um deles é a evolução de intensidade das cólicas menstruais, e o outro, a dor ao evacuar e urinar durante esse período do ciclo.

Como as adolescentes podem não ter ainda uma vida sexual ativa, logo, outros sinais clássicos, como a dor durante a relação e a dificuldade para engravidar, não são considerados. Inclusive os exames que confirmam o diagnóstico podem ser adaptados, sendo a ressonância magnética abdominal a mais adequada para esse grupo etário.

Segundo o ginecologista, embora o diagnóstico da endometriose costume vir por volta dos 30 anos, pode ocorrer entre os 15 e 45 anos e chegar a 73% de incidência entre garotas de até 20 anos. Há um fator lamentável envolvendo essa questão: a descrença diante dos relatos de dores pode atrasar o diagnóstico entre 7 e 10 anos.

"Chega a ser triste escutar das pacientes o quanto elas são negligenciadas pelos colegas médicos na investigação da endometriose. O diagnóstico da doença ainda é um grande desafio a ser vencido, devido à falta de conhecimento", lamenta o cirurgião.

Apesar da pouca idade, também já conheceu uma faceta difícil enfrentada pelas vítimas da doença autoimune: ter suas queixas desacreditadas e até desdenhadas por profissionais da saúde que deveriam ampará-la. Há pouco tempo, aliás, a cantora Anitta foi submetida a cirurgia depois de sofrer nove anos com as dores, por não ter sido corretamente diagnosticada pelos médicos que procurava.

Malu e a mãe Marcela Laranjeiras: adolescente foi internada por causa da doença - arquivo pessoal - arquivo pessoal
Malu e a mãe Marcela Laranjeiras: adolescente foi internada por causa da doença
Imagem: arquivo pessoal

Dos parentes que julgam a dor como "frescura" aos médicos despreparados para uma investigação, acreditar na endometriose e considerar sua gravidade é urgente, sobretudo na fase de diagnosticá-la. Conforme apontado pelo ginecologista da adolescente, a descrença atrasa a confirmação do quadro em até uma década - e quem sofre é a mulher.

"Já fui atendida numa emergência por uma médica totalmente despreparada que falou que eu não tinha idade o suficiente para saber o que era dor de verdade, que eu precisava procurar um atendimento psiquiátrico", revela Malu.

Sua mãe igualmente se revolta. "Estamos no início da caminhada e já topamos com vários médicos sem preparo, realmente menosprezando e debochando da dor da minha filha, que acham que é só frescura. Vivemos situações dignas de denúncia no CRM", reforça.

Por acontecimentos como esse, a garota pede a todos que conheçam uma adolescente ou mulher adulta que relate cólicas fortes ou outros sintomas, que a ajude e a incentive a procurar um médico e a pesquisar sobre a origem dos sintomas. "Mesmo que alguns tentem desacreditar o que sentem, dor que não dá nem para levantar da cama não é normal", diz Malu.

O diagnóstico precoce garante mais chances de controle, porém, ainda é causa de sofrimento. "A endometriose é uma doença que mexe muito com o emocional, além de toda a limitação de vida. Saber da verdade é duro, mas, quanto antes sabemos disso, é melhor, pois agora temos possibilidades. É uma doença que minha filha vai aprender a conviver", observa a mãe, Marcela.

A endometriose faz doer tanto o emocional porque, além da banalização do quadro, que descredibiliza a palavra da mulher e a afeta, há a restrição de viver aquilo que se ama, como comer um doce ou - em um aspecto maior - até ser mãe. Em casa, a Mah conta que já se pegou chorando por diversas vezes. Apesar disso, tanto ela, quanto o restante da família, têm se empenhado em apoiar Malu - seja comprando alimentos permitidos, buscando receitas novas ou incentivando a prática de exercícios e atividades que tragam bem-estar.

Cirurgia ou mudança no estilo de vida

Crispi explica que a cirurgia é a única forma de tratar, efetivamente, a doença. Porém, alguns recursos, como o uso de anticoncepcionais, podem minimizar a dor. A decisão sobre qual caminho tomar é individualizada, ou seja, vai depender do caso.

"A cirurgia para endometriose é a pior opção de tratamento, mas, muitas vezes, é a única alternativa. A indicação cirúrgica se dá em casos de comprometimento de estruturas complexas - nervos, intestino, bexiga, ureter -, sintomas graves e quando não há respostas ao tratamento medicamentoso", esclarece.

O diagnóstico prematuro, associado à correta conduta para estagnar o quadro, é a maior garantia para evitar os riscos da progressão da endometriose, que pode levar à infertilidade feminina.

O médico lembra que o trabalho multidisciplinar é importante nesse processo. A nutrição, por exemplo, tem papel fundamental - até mesmo quando é preciso operar a paciente.

Desafios da alimentação restritiva

Já nas primeiras consultas que apontavam a possibilidade de endometriose, Malu começou a se adotar mudanças no dia a dia, sobretudo em relação ao que consumia.

"Me adaptar à alimentação foi uma das coisas mais difíceis. Imagina, do nada, ter de parar de comer praticamente 90% do que eu me alimentava antes. Antigamente, eu comia muito glúten, muito leite. Agora não posso nada disso, nem açúcar, nem nada. Estou praticamente com alimentação vegana. Só posso comer carnes brancas - peixe e frango - e ovo, fora disso", conta a adolescente.

As adequações alimentares são extremamente importantes para quem sofre com endometriose. Malu, por exemplo, tem investido no consumo de itens com ação anti-inflamatória, com objetivo de reduzir as inflamações provocadas pela doença e, consequentemente, a dor.

Outra intenção da abordagem nutricional é modular o estresse. "Cerca de 80% das mulheres portadoras sofrem com depressão e estresse devidos às dores provenientes do processo inflamatório", cita a nutricionista Lidiane Santana, responsável pelo novo cardápio da garota.

"A base de uma dieta anti-inflamatória é a dieta do mediterrâneo, em que se tem o maior consumo de 'comida de verdade'. Consiste na alimentação mais natural possível, aumentando o consumo de alimentos naturais de origem vegetal, boas fontes de gorduras e proteínas de alto teor biológico, e agregando vitaminas, minerais e compostos bioativos, antioxidantes e anti-inflamatórios", diz a especialista em nutrição.

Do mesmo modo que o consumo de certos itens deve ser ampliado, há restrições que precisam ser seguidas por conta da inflamação. Dentre as principais, é necessário eliminar ultraprocessados, corantes, conservantes, açúcar, gorduras ruins, excesso de sódio e farinhas refinadas.

Exercitar-se também é preciso

As mudanças na vida de Malu não ficaram restritas à mesa: ela precisou mexer o corpo e focar nos exercícios, como parte da proposta de mudar o estilo de vida para impedir a progressão da doença.

"A atividade física estimula a liberação de alguns hormônios com ações anti-inflamatórias bem potentes; ajuda no ganho de massa muscular, que acelera o metabolismo e faz com que se tenha gasto calórico em repouso maior do que outras pessoas, queimando gordura; além de aumentar a produção de hormônios que trazem bem-estar", explica o personal trainer Ricardo Babo.

Malu adotou uma alimentação mais restritiva e passou a se dedicar a sessões de musculação e exercícios de força, - arquivo pessoal - arquivo pessoal
Malu adotou uma alimentação mais restritiva e passou a se dedicar a sessões de musculação e exercícios de força,
Imagem: arquivo pessoal

Em casos de endometriose, a musculação e os exercícios de força são os mais indicados. É esse tipo de treino que acarreta a liberação de uma interleucina chamada de IL-6, que é um pró-inflamatório, ou seja, tecnicamente, aumenta a inflamação no local.

"Mas a liberação dessa IL-6 faz gerar outras interleucinas - a IL-1RA e a IL-10 - anti-inflamatórias crônicas que são jogadas na corrente sanguínea e, assim, agem no corpo como agentes anti-inflamatórios potentes", explica o especialista, que também acompanha Malu.

Por isso, quanto mais intensa a atividade, maior é a produção da IL-6 e, por consequência, das outras duas, beneficiando o tratamento da doença. Ricardo observa que é importante entender alguns pontos sobre o corpo de toda adolescente, como a fase de transição e maturação, tanto do ponto de vista fisiológico, quanto morfológico.